61 - O medalhão sombrio

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Não seria tão fácil sair dali. A única porta que encontraram não abria, mas Kerdon disse — As dobradiças estão do lado de dentro.

Ele tirou um cravo de metal de um bolso na bota e também um martelinho.

Arifa viu aquilo e disse — Que tipo de pessoa vai a um casamento com ferramentas nas botas?

— O tipo de pessoa que não quer ser pego desprevenido.

Com o martelinho e o cravo, conseguiu retirar as dobradiças da porta.

— Segurem — pediu ao tirar a última delas. Edwain e Josselyn pegaram a porta solta, muito pesada, e a colocaram de lado. E logo entenderam por que a porta não abria, a passagem para o outro lado havia sido emparedada com pedras e massa.

Kerdon testou a parede e era grossa e firme — Com esse martelinho vamos demorar dias para abrir uma passagem.

Josselyn pegou seu medalhão e disse — Afastem-se. Acho o medalhão talvez possa enfraquecer a parede. Usei-o instintivamente contra a arma daquele demônio e ela se fragmentou. Josselyn segurou o medalhão e esperou. Depois, esfregou a gema, mas nada aconteceu.

— Talvez você tenha que falar com o vetmös que está ligado a ele — sugeriu Arifa.

— Vale tentar — Josselyn concentrou-se procurando por uma mente ligada ao medalhão. Logo, sentiu-se enjoada e os joelhos fraquejaram. Arifa percebeu a tonteira e a apoiou evitando sua queda. O feiticeiro Vetmös de seu medalhão parecia ainda estar hibernando, mas Josselyn pode sentir claramente os contornos de sua mente. "Por favor, acorde" tentou comunicar-se, mas não houve resposta.

Alguns pensamentos, algumas visões desordenadas vazavam do interior do medalhão. Ela viu uma pessoa implorando de joelhos. E então, suas roupas se dissolvendo, a pele borbulhando, gritos de agonia enquanto o rosto derretia, os olhos escorriam e a pessoa achatou-se no chão formando uma poça de carne e ossos borbulhantes.

Foi uma visão muito perturbadora e Josselyn sentiu-se enjoada. Uma golfada de bile azeda subiu até a sua garganta, mas ela engoliu de volta. O gosto desagradável impregnou sua boca. Josselyn começou a sumir diante dos olhos de Arifa e os demais.

— Kerdon, o que você está fazendo? — indagou Arifa supondo que estava usando seu medalhão.

— Eu nada!

Na verdade, ela não estava sendo transportada, sua pele e suas roupas foram sendo tomadas por uma forte escuridão e na pouca iluminação do salão, deu a impressão de sumir. A escuridão então escorreu para o chão, saindo de seu corpo que ficou visível novamente.

"Não deverias ter mo despertado!" Josselyn escutou uma voz alta em sua mente. Tapou os ouvidos, mas aquilo não fazia efeito algum.

"Por favor, só precisamos de ajuda. Conhecemos Iovük e Rayera" explicou Josselyn.

"Que és tu? O que queres?"

"Meu nome é Josselyn. Estamos presos. Sinto que o medalhão pode nos libertar, só não sei como usá-lo".

"E por que eu deveria ajudar-te? Hã, escrava?"

"Precisamos salvar uma cidade... Há um ataque por parte das trevas."

"Trevas, de que tipo de trevas tu falas?"

"Demônios, mortos-vivos..."

"Já cumprimos nosso propósito, escravazinha. Deixai-me em paz."

"Não... Entendi o que está pensando. Mas os demônios voltaram. Um novo elo entre a terra e os abismos foi constituído."

"Mas não é possível! Quem faria tal tolice?"

"Alguém que foi enganado, assim como o senhor, não é?"

Josselyn sentiu uma torrente de vergonha e raiva subindo em sua mente. Isso a fez gemer.

— Josselyn! Tudo bem? — indagou Arifa. Ela ignorava aquela conversa interna que ocorria de modo veloz entre as mentes de Josselyn e do vetmös ligado ao seu medalhão.

— A mente dele é muito forte — disse Josselyn entre dentes.

Edwain ajoelhou-se ao seu lado e tomou-a pelas mãos. — Sinta o jii fluir para você, Josselyn. Use a força do bracelete.

Josselyn sentiu seu corpo inteiro se arrepiar ao ser invadido por uma forte corrente de jii. Usando-o, aumentou suas defesas e expulsou a mente que estava se misturando à dela de modo indesejado.

"O quê? Não é possível! Como fizeste isto, escravinha?"

"Meu nome é Josselyn e não sou escrava alguma! E o senhor, Gorgul, vai me ajudar a sair daqui." Josselyn pressionou a mente do feiticeiro envolvendo-a.

"Tu te mostras forte e talvez, digna. Deixa-me ver com teus olhos o teu problema."

Josselyn abriu o canal para Gorgul usar seus sentidos. Arifa se assustou quando os olhos de Josselyn se tornaram completamente negros como os da Capitã Ailynn.

— Mas isto é fácil — disse Josselyn com uma voz dois tons mais grave que a sua. Josselyn ficou de pé e um feixe de escuridão saiu do medalhão atingindo a parede atrás da porta removida por Kerdon. Em poucos instantes, a parede de pedras passou a borbulhar e derreter, mas não como lava aquecida, e sim com uma lama fria que escorreu até formar um buraco grande o suficiente para eles atravessarem.

Josselyn tirou o medalhão do peito e arfou aliviada. Ela trazia a caixa de madeira numa pequena bolsa a tiracolo. Encaixou o medalhão de Gorgul ali, um tanto abalada pelo contato que teve com ele.

Então viu, ao lado de Arifa a figura de Iovük.

— Ele não é tão gentil como nós — explicou o espírito. — Mas ainda sim, o poder dele é grande e será útil.

— Pelos Deuses, pensei que ele ia dominar minha mente.

— Sim, não fosse o caso de você ser uma mentalista treinada, certamente ele faria isto.

— E agora, Iovük?

— Você está falando com alguém, Lady Josselyn? — indagou Edwain.

— O espírito do medalhão de Arifa, Iovük.

— Quanto a esses medalhões, o que são? De onde vieram?

Josselyn não respondeu — Ele me disse que é melhor você descobrir por si mesmo. Ele quer que você use este aqui. — Josselyn entregou o medalhão que continha uma gema rosada.

Edwain aceitou, passando a corrente por cima da cabeça até ele descansar sobre seu peito. Olhou para baixo e indagou. — Eu já deveria saber de algo?

— Ele explicou que o contato com o espírito pode ser mais veloz, ou lento, de acordo com a compatibilidade e sintonia entre a mente do espírito e a do usuário. Ele também disse que o poder do líder deles, Urkan, o iluminado, poderá ser de grande valia no caso de conflitos com as forças das trevas.

— E agora? — indagou Arifa.

Kerdon passou de lado pelo buraco na parede e disse — Venham, vamos dar uma olhada.

Edwain seguiu Tassip.

Iovük disse a Arifa e Josselyn — Eu sinto as trevas por perto. É preciso que se preparem para o pior.

"O que você sente exatamente, Iovük" indagou Arifa, que podia escutá-lo, mas não vê-lo.

"Muitas presenças malignas. E dor, sofrimento de milhares. Eles já estão matando. Será preciso agir quanto antes."

Escutando isso, Arifa passou pelo buraco, viu haver uma sala ampla com paredes curvas e janelas fechadas. Dava para ouvir gritos ao longe. Havia uma passagem que dava para uma escadaria que descia.

— Vamos ver lá fora, depressa!

Quando abriram a janela, tiveram uma visão privilegiada de grande parte de Whiteleaf. Havia uma plataforma mais para o alto, com construções grandes e fortificadas. Mais abaixo, a cidade se dividia em níveis separados por muralhas internas. Boa parte dela estava tomada pelas chamas e via-se pessoas correndo e lutando contra o que parecia ser uma imensa horda de mortos-vivos. Estavam sendo massacrados.

— Por Forlon! — Exclamou Edwain.

O Coração de TleosOnde histórias criam vida. Descubra agora