O corpo de Rencock foi recolhido pela manhã e para evitar o risco dele se tornar um morto-vivo, foi queimado perto do rio e seus restos foram atirados no mesmo.
Arifa ficou muito mal durante a cremação, mas se esforçava para não demonstrar. Além de Ralf e sua família, alguns curiosos vieram para a cerimônia e um padre da igreja de Situr, exortou a coragem dele em confrontar o espectro. Certamente um valoroso filho de Aianaron, comentou. Em seguida, encomendou a alma de Rencock aos Deuses.
Isso é mais uma das muitas ironias da vida. Sua alma ser encomendada aos velhos deuses, quando ele próprio era devoto do Deus Único do prior Yaren. Rencock se foi, assim como o cavaleiro Mirth. Ele era muito admirado em Kamanesh e meu pai gostava muito dele. Ambos se foram. Eles me passavam alguma segurança. Cada vez mais, sinto que tudo está ruindo. Que iremos todos perecer. O consolo que é Rencock não estava deixando uma família para trás... Talvez agora, ele possa encontrá-la, do outro lado.
Arifa estava tensa, rangendo os dentes.
A morte agora me faz companhia constante! Há cada vez mais de demônios e mortos-vivos! Eu quero uma morte simples! Não posso suportar a ideia de ter minha alma dominada por um demônio, ou então, ficar presa ao mundo como zumbi ou espectro, condenada a vagar e atormentar os vivos! O que poderia ser um destino pior que este?
Josselyn tocou-a no ombro e disse — Vamos, é hora de irmos.
— Onde vamos? — ela indagou com os olhos aquosos.
— Voltar para Kamemesh. Eu e Kerdon conversamos e é melhor contar o que descobrimos a nossos superiores, não creio que continuar aqui e confrontar o espectro seja uma boa ideia.
Arifa suspirou aliviada. Temia que fossem prosseguir com o trabalho de destruir, ou expulsar o espectro.
— E então, Ralf? — indagou Josselyn.
— Podemos ir assim que desejar — o grandalhão respondeu.
— Vamos pegar nossas coisas e o Kerdon no Liliu e partiremos em seguida — ela informou.
Kerdon ficara na estalagem, exausto. O cão espectral havia sugado muito de sua energia vital. Josselyn achou melhor que ele continuasse descansando e foi cuidar da cremação de Rencock, logo cedo. Tighas acompanhou a cerimônia em silêncio. Arifa não o ouviu dizer uma palavra sequer naquele dia, uma raridade completa, mas compreendia os motivos.
Finalmente, Arifa, Josselyn, Kerdon e Tighas se retiraram de Situr, no barco de Ralf, rumo a Kamanesh.
E horas depois, navegando, o silêncio permanecia sendo o pano de fundo daquela viagem. Voltar para casa tendo falhado na missão que receberam, e ainda, sem Rencock, estava sendo algo muito penoso para todos eles.
Ralf tentou animar o grupo com alguma conversa ou piada, por uma ou duas vezes, mas, o silêncio pesado logo retornava e se estabelecia. Então, o grandalhão percebeu que fora um tolo e mostrou algo que surpreendeu a todos: seu vozeirão. Ele entoou uma velha canção num tom bastante melancólico.
O barco desce o rio,
O rio cai no mar,
Saudade mostra ao homem,
Que é hora de chorar.
Kerdon e Josselyn o acompanharam na cantoria, mas Arifa, que estava sentada na proa, apenas enxugou as lágrimas que desciam num choro contido e silencioso.
Pobre Rencock!
E foi num clima melancólico que o restante da viagem se desenrolou.
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O Coração de Tleos
FantasíaAtenção, se você não leu os livros anteriores, cuidado com spoilers da sinopse. Depois dos eventos ocorridos em Herdeiros de Kamanesh, Arifa Desbrin se vê envolvida na eminente possibilidade de sua terra natal sucumbir ante o avanço dos demônios. Pa...