CAPÍTULO 31

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Maria Valentina Guzmán

Saio de mais uma aula e vejo uma chamada fazendo meu celular ascender sobre o banco, em modo silêncio, e o nome que vejo na tela não me surpreende em nada. Então apenas o ignoro, jogando o aparelho dentro da bolsa e a fecho, colocando a alça sobre meu ombro.

- Muito bem. Então, até amanhã meninas. - me despeço das minhas pequenas alunas e saio exausta daquela sala, desligando o ventilador de teto antes de trancar a porta.

Mais um dia finalizado. Um dia a menos na minha conta, e agora era só sobreviver ao próximo.

Me despeço de quem encontro pelo caminho antes de sair do prédio da ONG e faço o trajeto a pé até a pousada, sem deixar de perceber o carro que passava diversas vezes por mim, durante todo o percurso.

Patéticos. Deveriam ter a mesma cara de pau de me procurarem pessoalmente.

Entro no prédio colorido de dois andares, cheios de plantas em vasos nas janelas, e cumprimento a doca Carlota assim que atravesso a sala e sigo para o meu quarto.

Solto a alça da bolsa deixando ela cair no chão, chuto meus calçados e passo a camiseta por cima da cabeça arrancando minha roupa no curto caminho de meia dúzia de passos até o banheiro, onde ligo o chuveiro e me enfio de baixo da água fria.

Até posso ouvir minha mãe gritando comigo para não deixar minhas coisas jogadas no quarto. Minha tia teimando que eu ainda pegaria uma pneumonia por tomar banho na água gelada. E até meu pai reclamando com elas para deixarem minha vida livre. Mas eles não estavam mais ali, nunca estariam, nem pra reclamar ou me defender, muito menos para ver a garota que me tornei.

É, não foi fácil chegar até aqui. Abri mão de muita coisa. Inclusive o luxo e conforto de uma bela casa, uma cama cheia de almofadas, uma comida fresca e quentinha na hora que eu quisesse, para viver sozinha, e livre como meu pai me ensinou.

Não, ele não ia querer me ver assim. Ele me ensinava, sempre dizia que tinha que ser dona do meu nariz, saber cuidar de mim e ter minhas próprias responsabilidades e conquistas, mas no primeiro sinal da minha liberdade, sempre tinha alguém atrás de mim para garantir que eu conseguisse o que eu quisesse e me adolasse. Um exemplo disso, era o patético carro que eu sabia que ficava do outro lado da rua cuidando dos meus passos nos últimos dias. Herança de uma pai desconfiado e coruja, que me deixou sobre os cuidados de um tio protetor demais.

De um tio não, uma padrinho e uma tia. Só que, ele não imaginava que esse padrinho, interditasse sua esposa, dizendo que ela era incapaz de gerenciar minha herança, colocando ela em mãos de pessoas bem mais doentias do que ele.

Do que eu estou falando? Um dia eu conto essa história melhor. Agora eu termino de me enxaguar e saio do banho pegando a toalha para me secar.

Depois do banho tomado pego meu celular na bolsa e vejo as dezenas de chamadas e mensagens perdidas, e entre todos os números que me causam tédio eu vejo o dele.

Gael. Mais uma vez eu fugi dele, eu quebrei minha promessa e sai sem dizer nada. Mas eu sabia que havia falhado, outra vez, e estava fugindo das mesmas perguntas que ouvi centenas de vezes em minha vida.

O que aconteceu com você?

O que te fizeram?

Quem é o culpado?

Quando foi isso?

Quantos anos você tinha?

Ninguém nunca fez nada?

E a resposta era sempre não, não e não. Eu não vou falar sobre isso. Eu não vou responder. E não, ninguém nunca fez nada. Até porque, o que eles fariam? Iam prender? Matar? Fazer pagar uma fiança ou indenização? Não, obrigada. Nada disso apagaria o que já estava cravado na minha mente. E nem o Gael podia fazer isso por mim. E olha que eu achei que poderia.

GANGUESTER. Missão Colombiana - O Jogo De Conquista.Onde histórias criam vida. Descubra agora