Bons amigos

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Honestamente, acho que ninguém gosta de ficar presente no chamado: silêncio desconfortável. 
É estranho, sentimos que o ar pesa subitamente, e assim nos impeça de respirar e pensar com clareza, nossos pensamentos ficam descontrolados, o que nos leva a não saber o que dizer.  Mas infelizmente esta experiência ocorre mais cedo ou mais tarde em sua vida. Não há escapatória. 
E tragicamente para mim, isso é algo que ocorre muito enquanto estou ao lado de Adrien. Que bem, é meu vizinho o que torna quase impossível evitá-lo, ainda mais com ele sendo… Bem. Ele. 
Passamos toda a viagem de táxi assim, em quietude, o único barulho que ouvíamos era o do trânsito e do veículo deslizando pelas ruas molhadas de Paris. Ao chegarmos no prédio, eu auxiliei Adrien a pegar o elevador e abrir a porta de seu apartamento. E eu teria ido embora, simplesmente o ignorado e entrado em meu apartamento. Como a parte racional do meu cérebro mandava fazer. Se antes, o Agreste não houvesse tocado levemente em meu antebraço, me fitado com seus olhos verdes imploradores e me dito: “– Entra. Por favor.” 
Eu não queria aceitar sua proposta, não era só porque ele havia me pagado uma corrida de táxi que eu tinha o perdoado por ser um babaca. Mas como disse, o silêncio desconfortável nos leva à confusão de pensamentos. E desta maneira, eu concordei com seu pedido estúpido.
Adentrei o local, acomodei-me no sofá espaçoso da sala e  Adrien sentou-se na outra ponta. Estávamos distantes, mas o suficiente perto para sentirmos o incômodo um do outro.
– Quer alguma coisa? Tipo uma água. Ou um suco, talvez?
Eu o encarei com dúvida a respeito daquele ato de estranheza. Não tinha certeza se aquela era sua forma de quebrar o gelo, mas se era, então ele teria de melhorar sua estratégia.
– Que foi? – O loiro franziu o cenho. – Como você mesma diz sou babaca. Não mal educado! 
– Uh… Não quero nada, mas obrigada. – Murmurei as minhas primeiras palavras desde que chegamos no prédio. E assim voltamos ao silêncio.
Não sei por quanto tempo ficamos assim, só sei que isso me irritou tanto ao ponto de chegar a parte mais perigosa de estar em quietude: Ser impulsivo.
Onde simplesmente paramos de pensar e agimos. E dependendo da situação, isso é muito perigoso. 
– Por que me pediu para entrar? – Falei com a voz séria e determinada. Afinal, não estou aqui a nada.
Adrien por sua vez mexeu-se tentando encontrar uma posição confortável para ficar com o tornozelo. 
– Eu gosto da sua companhia, Mari. – Adrien sussurrou e apertou suas mãos uma na outra. – Você tem algo, uma coisa diferente que te torna fascinante. É por isso que estou detestando cada segundo em que você se afasta mais… Mesmo sabendo que lá no fundo você está coberta de razão.
Adrien terminou sua fala e abaixou sua cabeça para focar-se em suas mãos. Ato o seu que agradeci aos céus. Eu odiaria que ele me visse com as bochechas coradas. 
Meu coração batia forte e meu rosto esquentava à medida que fitava Adrien, e enquanto o analisava, lembrei-me de uma frase dita por ele para mim a muito tempo atrás: “– Te achei interessante.” Na época, foi fácil pensar que sua fala não passava de apenas mais uma de suas ações para me irritar. Contudo, agora o observando, noto que talvez eu estivesse errada. E talvez, naquela hora ele estivesse sendo tão sincero quanto estava sendo ao dizer essas coisas agora há pouco. 
Tentei assimilar tudo de uma só vez, refletir sobre o que de fato suas palavras que me tocaram significam. Mas tudo o que consigo é uma grande dor de cabeça e pensamentos embaralhados. 
Fito Adrien que esperava ansioso por uma resposta minha.
– Uau. – É tudo o que sou capaz de proferir por instantes, fecho meus olhos e tento concentrar-me em nossa conversa, não poderia voltar ao silêncio. Já havia prolongado o anseio dele por tempo demais. – Eu não fazia ideia que era tão importante para você.
– É… Acho que eu também não sabia. – Adrien murmurou baixinho ao ponto de eu quase não conseguir ouvi-lo. E isso apenas me deixou mais constrangida e nervosa que antes, portanto, não me dei tempo de pensar a respeito. Tínhamos um problema pendente para resolver.
– Acho que te julguei mal, Adrien. Você não é babaca, pelo oposto… É um cara legal!
– Não sou?
– Hum, talvez seja só um pouquinho.
Eu o acompanhei em uma risada pequena. Subitamente, não sentia mais os meus ombros tão pesados quanto antes. Era como se boa parte do peso da situação houvesse ido embora com sua confissão. E eu adorei isso.
– Mas eu ainda tenho dúvidas. – Murmurei e o Agreste prendeu toda sua atenção em mim, sua sobrancelha arqueou-se e me fez um pedido silencioso para prosseguir. 
Respirei fundo e tomei coragem para minha próxima fala, que provavelmente determinará para sempre o rumo para nós dois. Mas não podíamos evitar esse assunto, teríamos que conversar com ele mais cedo ou mais tarde.
– Porque pegou minhas revistas? Quer dizer o motivo verdadeiro. E por favor… Não me venha com desculpas sem nexo. Só seja sincero.
Adrien me fitou nervoso e mordeu o lábio inferior indeciso. – Ser sincero? – Ele sussurrou. 
Assenti devagar, e com uma expressão calma tentei passar conforto. 
– Se eu te contar… Vamos poder voltar a nos falar?
– Sim. Nós vamos. 
Adrien anuiu a cabeça e levantou-se com dificuldade do sofá. Fiquei confusa quando ele sussurrou-me : "– Espere aqui." E depois sumiu em direção ao seu quarto. 
Esperei impaciente por poucos minutos que mais me parecem uma eternidade. Contudo, assim que ele voltou, notei um suas mãos o que aparentava ser uma revista.
– Olha é uma longa história. E eu não sei ao certo como te explicar. Então… Acho melhor te mostrar. 
Ele entregou-me a revista que segurava até então, a qual notei logo de cara ter uma aparência antiga, estava toda amassada e com orelhas nas pontas. E eu perdi o fôlego ao notar a figura estampada na capa.
Os olhos verdes vibrantes e misteriosos. Um sorriso sedutor. Os cabelos dourados como ouro um tanto bagunçados. E a expressão facial um tanto mais jovem do que eu já conhecia.
Bem acima dele, escrita com letras garrafais: "ENTREVISTA BOMBÁSTICA COM ADRIEN AGRESTE." E logo abaixo, como subtítulo estava: Os cinco fatos que o modelo do momento não contou a mais ninguém. 
Meu coração se acelerou, ao ponto de ficar difícil de respirar. Eu não acredito nisso… Depois de todo esse tempo… Como nunca havia percebido? Quer dizer, eu praticamente respiro o ramo da moda! Como posso ser tão tapada assim?
– Você é modelo? – Murmurei em estado de choque.
– Mais ou menos. – O loiro disse e folheou a revista até uma determinada página. E assim que meus olhos se fixaram naquela imagem meu queixo caiu, tenho certeza que se uma mosca estiver voando por aqui ela não se importaria em entrar na minha boca. 
– Ai meu Deus você é filho de Gabriel! Um dos designers de moda mais brilhantes do mundo! – Praticamente berrei de tão espantada. Aquilo não só significava que Adrien era um modelo, ele era o modelo principal da grife Gabriel. 
Os olhos verdes de Adrien se escureceram, o olhar era sombrio ao ponto de dar-me arrepios. – É eu sou filho dele. – Ele disse com a voz amargurada.
Eu engoli em seco, nunca tinha visto Adrien desta forma, tão vago e obscuro. Fiquei tentada a perguntar mais sobre, mas me contive. Recém estávamos nos acertando, talvez seja melhor não acelerar as coisas.
– Então você não queria que descobrisse quem você é?
– Não Mari. – Adrien segredou-me.  – Eu não queria que você soubesse quem eu era.
– Como assim? 
– Eu deixei de ser modelo há pouco mais de um mês.
– Mas isso foi quando se mudou para cá. – Eu ergui a sobrancelha e fiz uma careta duvidosa. Algo de errado não estava certo em sua história. – Por que pegou minhas revistas sendo que parou de ser modelo antes de se mudar? Você já não estaria mais aparecendo nelas.
– Como eu disse é uma história longa e complicada… E sabe, muito pessoal. Então… Podemos falar sobre isso em outro momento? 
Anui com a cabeça e não insisti. Afinal ele já havia me explicado a situação, não iria exigir saber sobre a vida pessoal dele, ainda mais quando ele não estava nada disposto a dividir sobre o assunto. 
Porém não pude deixar de tentar entender tal mistério. E muito menos de o conectar com o que ele havia visto dentro daquele táxi. E embora provavelmente isso seja paranóia de minha cabeça, sinto que isso tudo é algo muito pior do que qualquer coisa que eu possa imaginar.
Meu vizinho sorriu levemente agradecido, sorriso esse que fiz questão de retribuir. 
– Então é isso. – Ele deu de ombros. – E eu juro que nunca quis te irritar e principalmente te magoar, eu só estava com medo do que você pensaria de mim… 
– Oh, Adrien. – Eu falei suavemente e me inclinei para segurar a mão inquieta do ex modelo, numa tentativa de o passar segurança. – Eu com certeza te acharia mais estúpido do que antes. – Eu ri levemente. – Mas agora… Isso soou tudo muito fofo.
– Fofo? – Adrien proferiu com uma expressão ofendida.
– Aham, extremamente fofo.
Adrien cruzou seus braços sobre o peito. – Fofo… – Ele disse num murmúrio. 
Eu não escondi minha risada como resposta de sua careta. Demorou instantes, mas o loiro finalmente descruzou os braços e me acompanhou na risada.
O peso do ar que nos envolvia sumiu completamente e ficamos apenas fitando um ao outro em silêncio. Um sorriso pequeno permaneceu nos lábios do loiro e seus olhos verdes cintilavam de alegria.
– O que acha de vermos um filme? Eu posso fazer pipoca se quiser. – Disse esperançosa.
– Eu adoraria. Gosta de filmes de terror?
– Não. Eles são apavorantes!
– Essa é a graça.
– Quem se diverte levando sustos? 
– E quem não se diverte? Vamos lá, eles são engraçados! 
– Engraçados? Como filmes de terror podem ser engraçados?! 
– Pelo simples fato de todos os personagens serem idiotas. – Adrien sorriu de lado e passou a fazer gestos com as mãos. – "Ei, olha que legal essa casa que compramos! Sabia que 10 pessoas morreram aqui? Muito legal né? O que pode dar errado?!"
– Olhando por esse lado até que é mesmo engraçado. – Afirmei. – Mas ainda não vamos vê-los. Coloca aí uma comédia.
– Como quiser, Medrosa!
Me limitei a reavivar os olhos e me levantar para ir em direção a cozinha. Quando estava de pé, senti Adrien segurar levemente meu pulso.
Virei-me para ele e esperei ele dizer o que queria. O Agreste analisou-me diretamente nos olhos, era como se ele observa-se minha alma. Atitude sua que causou-me leves arrepios.
– Hey, isso significa que somos amigos agora? 
Eu sorri abertamente e quase tive um surto devido a expressão extremamente fofa que ele fazia.
Meus olhos brilharam e meu coração acelerou-se no peito. – Sim, significa sim.
E assim durante o resto de nossa noite, olhamos filmes e comemos muitos doces. E nos permitimos desfrutar da companhia um do outro, e dessa vez, como verdadeiros amigos.

O cara do apartamento 27Onde histórias criam vida. Descubra agora