Levou longos segundos para que eu conseguisse abrir os olhos novamente, e mesmo assim, não consigo enxergar bem. Eu luto contra a inconsciência, todos meus músculos estão anestesiados – não me deixando mover corretamente. Não sei a quanto tempo estou apagada, e isso me deixa tensa.
Me obrigo a erguer minha cabeça do chão e mover meu tronco, o suficiente para poder virar meu corpo para o lado. Com dificuldade, abro meus olhos que encontram-se preguiçosos. Demorei bons segundos para ver tudo direito, sem minha visão embaçar, contudo pequenos pontinhos pretos marcam sua presença.
Tudo o que não sentia volta para mim, num grande baque de realidade e repentinamente. Todo ao meu redor arde em chamas, um incêndio enorme alastra-se por todos os cantos do meu apartamento. Tudo o que construí ao longo desses anos com tanto esforço está sendo engolido por chamas laranjas. Imediatamente, lembro-me do galão de gasolina que Adrien segurava antes de apagar, obviamente o incêndio é criminoso.
Adrien… Sinto uma dor enorme no coração apenas de lembrar dele. Por quê? Por que ele fez isso?! Isso nem sequer faz sentido! Lágrimas escorrem dos meus olhos, talvez eu não o conheça de verdade…
Volto meu foco para meu redor, eu não posso deixar tudo acabar assim. Não vou deixar ele ganhar.
O calor é insuportável, meu corpo todo sua intensamente, sinto que estou sendo cozinhada aos poucos.
Meus ouvidos detectam barulho, gritos de desespero são ouvidos de todos os lados, o que parte meu coração, não faço ideia de até onde o fogo já se alastrou.
É difícil de respirar, todo o ar do ambiente some aos poucos sendo substituído pelo gás carbônico. Meus pulmões pesam, eu ofego e tosso.
Tento me levantar do chão, em poucos segundos, meu corpo será consumido pelas chamas – e isso parece ser uma péssima forma de morrer –. Levantei meu tronco, apoiando-me em meus cotovelos e mãos. Grito pedindo socorro, mas tudo o que sai é um murmúrio.
Meu corpo treme, e eu volto ao chão de novo, talvez aquela coisa que ingeri com a torta ainda esteja no meu organismo. Ou apenas, inalei tanto O2 que já não seja capaz de lutar. Choro em desespero e soluço, me sinto incapaz, vou morrer sem nem conseguir tentar sobreviver! Isso… Isso não pode acabar assim…
– Socorro… – Sussurro quase sem voz. – Por favor…
Me encolho no chão, sem mais força ou esperanças. É o fim da linha. Ao menos é o que penso, ouço um barulho alto, e depois outro e mais outro. Visualizo minha porta ser derrubada e impactar-se contra o chão. Uma figura esguia aparece e me olha apavorada, seu rosto familiar é rapidamente assimilado por mim e eu me desespero. Não. Ele não!
– Mari! – Adrien grita e tenta atravessar as chamas que nos separam.
– Me deixa e-em paz… Por favor…
Os olhos verdes me olham com preocupação, não tenho certeza se ele me escutou e muito menos entendo o que está havendo. Mas isso não importa, pois tudo o que vejo a seguir é escuridão.Lentamente abro meus olhos novamente, e a primeira coisa que faço é levar a mão à cabeça que dói, assim como todo o meu corpo.
Sinto que estou em movimento, e olho a minha volta com custo. Vejo ruas que não reconheço e as estrelas do céu passando rapidamente pela janela, e noto estar dentro de um carro. Fito o outro lado e meu coração acelera, o desespero me consome e um bolo sobe em minha garganta. Faço o possível para me afastar e infelizmente, ele percebe a minha agitação.
– Ei… – O loiro olhou-me de soslaio. – Até que enfim acordou. Como se sente?
Eu me afasto mais, ao ponto de me grudar com a porta. Minha respiração se acelera, como ele pode ser tão cético?
– Onde estamos?
– Na estrada. – Ele dá de ombros. – Você está muito agitada. É melhor voltar a descansar.
– Para onde estamos indo, Adrien? – Digo séria.
– Estamos em Chantilly, acabamos de sair do hospital local. Você teve algumas queimaduras de segundo grau, porém, são poucas. Você ficou apagada por um bom tempo, me deixou preocupado. – Ele murmura e sinaliza com a cabeça para mim, olho para meus braços e noto que estão enfaixados. É, isso explica a dor.
Sinto algo se mexendo entre minhas pernas, olhando para baixo, encontro Plagg me encarando com seus olhos verdes chamativos. O felino espreguiça-se e em seguida pula para meu colo. E esticasse até chegar em meu rosto e lambe-lo, como se essa fosse sua forma de saber se estou bem.
– Vamos parar daqui a pouco em um hotel, você precisa descansar.
– Estamos a 55 quilômetros de Paris. – Murmuro em choque. – Você acabou de tentar me matar e agora está me sequestrando…
– Do que você está falando?
– O que você quer de mim? Pensei que fosse famoso, o que ganha me sequestrando?! Se sua intenção for pedir resgate, saiba que meus pais são só donos de padaria!
– O que?! Você só pode ter enlouquecido de vez. Eu não tentei te matar, nunca te machucaria!
– Por favor. – Implorei. – Vamos voltar, eu juro que nunca digo nada a ninguém. Eu juro.
Adrien diminuiu a velocidade do carro aos poucos e o estacionou em uma rua qualquer. Um arrepio percorreu minha espinha. Bom, ao menos posso ter a chance de correr.
– Já vi que isso vai ser difícil… – O loiro suspirou frustrado e me fitou intensamente. – Está bem, por que acha que estou te "sequestrando"?
Respirei fundo e o analisei temerosa, apesar de tudo, ele realmente demonstra estar com dúvida e curiosidade.
– Você… Você me deu aquela torta de presente, com tranquilizante ou sei lá o que nela. Depois foi ao meu apartamento, carregando aquele galão de gasolina. Olhou no meu rosto, e me viu desmaiar e não fez nada. E agora, estamos a quilômetros de Paris. Quer mais algum motivo? – Murmuro com a voz embargada.
Adrien permanece em silêncio por um longo tempo, seus olhos verdes escurecem, e sua mente divaga para longe. Ele mordeu o lábio inferior e me fitou de forma indecifrável.
– A situação está bem pior do que pensei… Ele nunca se mostraria assim. – Ele sussurrou aflito. – Marinette, sei que é difícil de acreditar, mas aquele não era eu. Por favor, acredite em mim!
– Então era quem? Seu irmão gêmeo mal?! – Disse cética.
– Não! Está mais para primo gêmeo do mal. – Ele dá de ombros e suspira. – Olha, eu entendo você estar apavorada e tudo mais. Mas por favor, acredite quando digo que só quero te ajudar, Mari. Eu estava apavorado quando percebi que você não havia conseguido sair do seu apartamento, não pensei duas vezes e fui correndo para te salvar… E se agora estamos em uma outra cidade é porque estou tentando te salvar dele.
– Então basicamente, seu primo gemio do mal está tentando me matar e você está me ajudando a fugir?
– Não, Mari. Nós estamos fugindo porque ele quer nós dois.
Fiquei em silêncio e tento organizar meus próprios pensamentos. Isso parece tão irreal, como um drama fictício de filme ao mesmo tempo que faz muito sentido.
Todo aquele mistério envolto do Agreste, os seus segredos sem fim e os olhos atormentados. Agora tinham uma explicação, mesmo que rasa.
Suspiro fundo. Isso é tudo loucura, eu só posso estar num sonho muito maluco!
– Como posso ter certeza de que está falando a verdade?
– Abre o porta luvas. Tem uma foto nossa, lado a lado.
Concordei com a cabeça vagarosamente e hesitante, abro o pequeno compartimento. O vasculho em busca da dita fotografia no emaranhado de papéis, moedas e remédios. Finalmente encontro um pedaço de papel, do tamanho comum de uma foto. Ela está amarelada e amassada. E a figura de três crianças se destacam. Eram dois garotos idênticos, ambos de cabelos bagunçados e roupas sujas de barro. Embaixo do braço de um deles, encontrava-se uma bola de futebol. E do lado esquerdo, uma garotinha de cabelos loiros e olhos azuis – usando um vestido amarelo – fazia uma cara de nojo os fitando sujos.
– Foi minha mãe quem tirou a foto. – Adrien sorriu triste. – Sou eu segurando a bola, do meu lado meu primo Félix e do outro nossa amiga Chloé. Nesse dia nós três fugimos de casa para brincar. Nossas mães deram risada do estado em que voltamos. Meu pai por outro lado… – Ele negou com a cabeça.
– Como vocês são primos? São idênticos!
– Nossas mães eram gêmeas, fora isso, não faço ideia.
– Acredita em mim agora?
– Talvez. – Murmurei. – Preciso pensar um pouco.
Adrien maneou a cabeça afirmativamente e sorriu pequeno. Em seguida, girou a chave do carro e deu a partida.
Aninho Plagg em meu colo e acaricio seus pêlos sedosos, o gato ronrona, e eu analiso as ruas de Chantilly passando pela janela. Simplesmente, não sei mais o que pensar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O cara do apartamento 27
FanfictionMarinette é uma estudante dedicada da faculdade, uma amiga leal e em suma uma boa pessoa. Contudo, ao conhecer seu novo vizinho - Adrien - que se mudou para ao lado de seu apartamento há pouco tempo. Ela experimenta o inferno na Terra. Tanto pela pe...