A anja e o monstro

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Às vezes, parece que sua vida nunca passou de uma grande mentira. Um sonho inventado que foge completamente de suas mãos. E assim, nada é o que realmente parece ser.
É como se nada passasse de um loop temporal, seu corpo congela e a mente perde-se sem rumo em algum lugar.
É difícil manter-se concentrada em seja qual for o problema, ou em qualquer coisa que ocorra bem em sua frente. E quando se consegue voltar à Terra, tudo o que nos vem à mente é o momento de desespero que acabamos de passar.
E é assim que me encontro, fitando um ponto fixo qualquer sem de fato prestar atenção. Enquanto reflito sobre o que acabei de ver e viver.
É estranho pensar que no começo do dia eu estava feliz e no turno da noite, completamente desesperada. Mas acho que essa é uma das ironias da vida, vivenciar coisas ruins quando menos imaginamos.
E ver Adrien submerso naquela banheira... Eu não sei como descrever direito a situação. Somente sei que foi desesperante, a cada segundo em que ele não abria os olhos, mas meu coração se afundava no peito.
E em pensar que se eu tivesse atrasado mais alguns segundos, a história seria completamente diferente. Eu teria tido a sorte de o trazer de volta se houvesse demorado mais? E se eu houvesse decidido dormir na casa de meus pais, alguém o encontraria a tempo? E mais importante ainda: Por que?
Ela aparentava estar tão bem... O que o motivou a cometer um atentado contra a própria vida? O bilhete escrito por ele pesa em minha destra, e minha mão treme.
"Sinto muito... Mas não aguentei mais."
Leio novamente essa mesma frase e mais uma vez, tento encontrar uma resposta para esse dilema. Pois ao mesmo tempo que ela parecia estar tão explícita naquele pedaço de papel, também não me parecia concreto.
Ou quem sabe eu só esteja louca! Presenciar uma cena como a que vi, com certeza mexeu com cada neurônio da minha cabeça!
Viro minha cabeça levemente para o lado, e vejo pela porta entreaberta do quarto de Adrien, Nino completamente surtado.
Embora não pudesse ouvir, podia ver que o Lahiffe gritava. Os gestos em suas mãos eram rápidos e exaltados. Era óbvio que ele não se encontrava em seu juízo perfeito.
Movendo um pouco a cabeça, pude notar que ele berrava para Adrien. Eu não podia ver o rosto de Nino. Mas via o de Adrien que também estava de pé. O loiro praticamente arrancava seus cabelos e notavelmente estava com raiva e magoado.
Estranhei essa conversa maluca deles, Nino sempre foi um rapaz calmo e compreensível. Não entendi o motivo dele gritar com o melhor amigo, ainda mais num momento tão delicado. Bem, talvez ele só estivesse preocupado...
- É feio ficar espiando a conversa alheia!
Olho em direção a voz feminina que se pronunciou. Encontro Alya de fronte para mim. Ela segurava uma xícara de chá e sorria levemente.
- Eu não estava espiando! Só estava... Observando.
- Nossa, grande diferença! - Alya revira os olhos. E me entrega a xícara com chá. Eu a pego em silêncio, e sinto a quentura do líquido ao dar um gole no chá.
- Não fique pensando muito nisso. - Alya disse após me analisar com seus olhos escuros. - E sim pense no que pode fazer por ele a partir de agora.
Fito Alya de soslaio e por fim suspiro. Ela estava certa, eu deveria pensar no presente e não no passado. - Eu não faço ideia de como você faz isso... Mas obrigada!
A ruiva sorriu pequeno e encostou as costas no sofá. - Disponha. - Ela murmurou.
Dei de ombros e voltei a tomar o chá, e quando estava na metade da xícara, Adrien saio do quarto com Nino em seu encalço.
- Nós não terminamos nossa conversa, Agreste.
- Mas eu já sei o final dela. - Adrien revirou os olhos e se jogou no sofá. Espantei-me quando Adrien deitou sua cabeça em minhas pernas e relaxou todo seu corpo, quase virei o chá em cima de nós dois. Mas tivemos sorte de ter recuperado o equilíbrio a tempo.
- Além de que aqui parece estar bem mais interessante. Então galera, o que vamos fazer?
Nós três olhamos para Adrien descrentes, enquanto ele nos devolveu o olhar com estranheza.
- Está brincando, né? - Alya proferiu o que todos queríamos dizer.
- Uh, não...
Eu o olhei com afeto, queria transmitir confiança a ele. - Adrien... - Murmurei.
O loiro respirou fundo, deixando claro que ele estava exausto e irritado. - Gente, será que podemos não falar sobre isso agora!
- Como quiser. - Nino o olhou com os olhos fumegantes e com os braços cruzados sobre o peito, o moreno estava zangado. Era claro que esse não é o real desejo dele.
- Obrigado. - Adrien sussurrou de olhos fechados. Seu corpo todo estava tenso, e quando seus olhos verdes se abriram novamente, notei que já não possuíam o mesmo brilho que antes apresentavam, eles estavam tão quebrados... Ver isso parte meu coração em vários pedaços pequenos.
- O que acham de nós sairmos, ir em algum bar ou sei lá? - Sugiro a fim de terminar com a quietude que se instalou por todo o local. Talvez a presença de amigos e diversão fosse o que ele precisava agora.
Alya sorri em concordância e Adrien assente com a cabeça. Nós três olhamos Nino que não aparentava estar nada satisfeito.
- Eu... Não acho uma boa ideia pessoal.
Adrien fita o melhor amigo com tristeza.
- Ele tem razão. - O loiro fala depois de um tempo. - Não é uma boa ideia.
Eu e Alya trocamos olhares, e dessa forma deduzi que ela pensava o mesmo que eu: Eles estavam escondendo algo de nós duas.
A ruiva ao meu lado os analisa minuciosamente. - Meninos, vocês querem nos contar alguma coisa? - Alya indaga suspeita.
- É claro que não, amor.
Eu anuo a cabeça mesmo não acreditando nas palavras do Lahiffe. Mas deixo o assunto para lá, assim como a Césaire. O que havia ocorrido ante noite era muito mais importante que qualquer mistério para se resolver.
Olho para Adrien e abaixo minha destra temerosamente, no momento eu não estou pensando, apenas agindo. Assim deixo minha mão acariciarem as suas madeixas louras com delicadeza. A princípio, ele ficou surpreso, mas logo sorri para mim e decidiu fechar os olhos para aproveitar. Eu também sorrio, os cabelos dele eram macios e sua face serena admirável.




Horas depois, Alya e Nino foram embora. Porém seu desconforto em deixar o amigo que obviamente não estava bem era palpável. Os olhos deles estavam tão preocupados... Tanto ao ponto de ser nítido a quilômetros de distância. Contudo, eles tiveram que voltar para casa.
Eu decidi ficar com Adrien em seu apartamento por um tempo indeterminado.
- Não fique aqui se não quiser, Mari. - Adrien murmurou cabisbaixo. - Eu não preciso de babá.
Eu perdi o fôlego por instantes ao fitar suas íris verdes apagadas, ele estava sendo sincero e isso doía.
Eu queria saber como ele estava, entendê-lo e cuidar dele. Eu não iria o deixar sozinho novamente, tinha medo de o fazer e encontrá-lo daquela forma de novo...
- Eu quero ficar. E não para bancar sua babá e sim porque sou sua amiga! E me preocupo com você...
O Agreste manteve-se calado e apertou uma mão na outra.
- Eu não sei o que te levou a fazer aquilo, mas só quero que saiba que estou aqui para você, independente do que precisar.
- Você só pode ser uma espécie de anja. - Adrien sussurrou e me fitou com seus olhos opacos. Ele sorriu triste, um sorriso cheio de dor, que me deixou sem chão. - E monstros como eu não merecem ser salvos por pessoas como você, Marinette.
Eu permaneci sem fala, minha boca abriu-se e se fechou diversas vezes. Eu queria lhe dizer tantas coisas, mas as palavras simplesmente sumiram de minha mente.
Então era isso que ele pensava de si? Para onde tinha ido todo aquele ego do Agreste que eu conhecia? Sorri amargurada, talvez fosse verdade que as pessoas que mais sorriem sejam as mais quebradas.
Eu havia sentido a dor e o peso em suas falas, e embora para ele fossem certezas, para mim eram delírios. Adrien é muitas coisas, mas não é um monstro.
- Nunca mais repita isso. - Eu disse com a voz frágil e meus olhos lacrimejam. - Você não é um monstro!
- Não sou? Como pode saber? Você não sabe praticamente nada sobre mim! Não sabe o que eu escondo!
Assusto-me com sua súbita ira e me encolhi no sofá. Nunca tinha visto Adrien zangado a esse ponto. O loiro por sua vez parece notar o que fez, e me olha com remorso.
- Me desculpe... Eu não queria gritar. Você não tem culpa de nada, só estava querendo me ajudar.
Anui vagarosamente e o analisei de soslaio, Adrien acomodava-se na ponta do sofá e segurava seus cabelos com força.
- Tudo bem. Entendo você ficar irritado. Só não faça de novo.
O loiro concordou silenciosamente. Depois de um tempo decidi me aproximar dele, e delicadamente o abracei.
O Agreste ficou surpreso. E acredite eu também estou. Mas não gosto de ver pessoas que amo sofrendo. O abraço dele é quente e cheio de conforto. E seu cheiro viciante. Me sinto surpreendentemente bem nessa demonstração de afeto.
Adrien se afasta minimamente e me olha com ternura. - Mari... C-como faço para vencer isso?
- Não sou psicóloga. Mas acho que não deixar se abater é um grande passo. E enfrentar os problemas de frente.
- Até que é uma boa ideia... Obrigada, My Lady.
Eu sorri pequeno, e ficamos abraçados por mais um tempo. E quando a destra de Adrien tocou meus cabelos e passou a acariciá-lo meu coração disparou, minhas bochechas coraram.
- Seus cabelos são tão macios...
- O-obrigada. - Disse constrangida e me amaldiçoei por gaguejar. Eu sou uma mulher emocionalmente madura, não mais uma adolescente entusiasmada. E posso lidar com um simples toque no cabelo sem gaguejar!
Subitamente, Adrien para com as carícias e chama-me pelo meu nome. O olho questionadora e ele respira fundo.
- Eu tenho que te confessar uma coisa. Eu não fiz... - Ele trava no meio de sua frase e suspira pesado. Era como se ponderasse se o que diria era o certo a se fazer, os dedos tamborilam em seu colo. E o ar que nos envolvia tornou-se pesado.
O loiro suspirou fundo e força um sorriso. - Eu tenho uma coisa para você.
Ele se afasta e retira um objeto pequeno de trás da almofada do sofá. Eu seguro minha risada, com certeza aquele era um péssimo lugar para esconder coisas.
- Quando vi isso, tive que comprar.
O loiro entregou-me uma caixa preta de veludo, o slogan era de uma joalheria conhecida, e diga-se de passagem bem cara. Foi quando recordei, era a mesma joalheria em que Nino comprara o presente de Alya.
Decidi abrir a pequena caixa e me deparei com um par de brincos vermelhos e com pequenas bolinhas pretas. Apesar do tema inusitado, eles eram lindos e cintilantes, deveriam custar uma fortuna.
- Brincos de joaninha. - Proferi sorrindo. - Comprou na ala infantil, não foi?
Meu vizinho sorriu de volta. - Aham, pensei que ficariam bem em você e na sua personalidade birrenta.
- Somente vou ignorar essa porque gostei dos brincos. - Ri sarcástica. - E embora tenha amado eles, não posso aceitar...
- Por que?!
- Essa marca é incrivelmente cara, Adrien! Não me sinto confortável por ter te feito gastar tanto.
- Bem se quiser pode ir na loja e devolver. - Adrien sorriu maroto. - Mas antes vai ter que tirar os pedacinhos da nota fiscal que rasguei da lata de lixo.
- Mas que merda, Adrien!
- Admita, só está irritada porque deveria ter previsto essa. - Cantarolou.
Eu revirei os olhos. É, ele tragicamente estava certo.
Decidi dar de ombros e aceitar o presente, afinal eles eram tão belos e combinaram com um monte de minhas roupas.
- Obrigada. - Falei animada e coloquei os brincos nas minhas orelhas.
- Então, como estou?
- Linda! - Os olhos de Adrien cintilavam e meu coração disparou. - Você está linda, como sempre...

O cara do apartamento 27Onde histórias criam vida. Descubra agora