Criminosa arrependida

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– Eu consigo. Eu consigo. 
– Você consegue! 
– Eu posso fazer isso! – Murmurei como um mantra e tomei coragem para girar a maçaneta. 
Alya me olhou esperançosa, sentia toda a sua onda de positividade querendo me derrubar. Contudo, como uma âncora, o peso da minha culpa e medo eram mais fortes. Não me deixando me locomover.
Estava trancada no banheiro junto a Césaire fazia já cinco minutos. Ela tentava me convencer que não havia feito nada em relação ao atropelamento, que eu apenas tinha que responder as perguntas que faziam normalmente. Como a pessoa inocente que eu era.
E tudo isso devido ao meu surto sobre conversar com os polícias, que a propósito, me esperavam do outro lado da porta.
Com um engasgo de frustração afastei a mão da maçaneta rapidamente. – Eu não posso fazer isso!
A ruiva bufou indignada e deu um tapa na própria face. Seus olhos escuros me fitavam como se eu fosse a louça suja em cima da pia, por fim ela respirou fundo e andou a passos vagarosos em minha direção me dando calafrios. Alya sorriu doce e depositou as mãos uma em cada ombro meu.
– Marinette, eu já disse que você consegue.
Pisquei atordoada e assenti. Aquilo tinha sido muito melhor do que eu esperava, estava surpresa pela paciência de Alya.
E embora sua linda performance e atuação sensata seja digna de ganhar um Oscar, ela não se manteve por muito tempo no papel. Pois em questão de segundos, eu havia sido empurrada por ela para fora do banheiro e tropecei em meus próprios pés lindamente, e quando pensei em voltar Alya bateu a porta do banheiro na minha cara.
Me virei devagar, e dei de cara com as autoridades me analisando com a sobrancelha levantada. Eu sorri nervosa.
Nós três conversamos por alguns minutos, os polícias eram um homem e uma mulher, e eu fazia de tudo para não encarar os olhos dela, tinha certeza que aquela policial não havia acreditado na minha desculpa de "Problemas femininos" para trancar-me no banheiro.
E eu estava até indo bem! Provando para Alya que eu não era tão péssima atriz quanto ela dizia. Mas como tudo o que é bom dura pouco, bastou uma frase dita pela policial para eu surtar. 
" – Sabe nos informar o motivo da vítima estar fantasiado?"
Aquilo foi como uma contagem regressiva para minha sanidade ir para o espaço. Quase podia ver os fogos de artifício explodindo junto com meu desespero.
Eu primeiro choraminguei e após comecei a chorar desesperada, sentia que tudo o que suportava até então começava a transparecer em formato de lágrimas.
– Fui eu! Eu admito! Mas qual é? Eu só queria fazer uma pegadinha e rir da cara dele. Como iria saber que ele acabaria sendo atropelado! Quer saber que se dane, pode me levar, eu mereço passar o resto dos meus dias em cana!
Os polícias se entreolharam e eu continuei a chorar, sem me importar com mais nada. Apenas pensando em como iria sobreviver na cadeia pelos próximos anos.

(...)

Após longos e longos minutos, com pessoas estranhas tentando acalmar-me, eu parei de chorar.
Está bem, talvez eu tenha exagerado um pouquinho. Mas em minha defesa, fazer drama é humano! Ainda mais se você for eu. Isso, e ser desastrada são minhas marcas registradas. 
Suspirei fracamente, ainda sentia ardência nos meus olhos e o pulmão fraco mesmo depois de ter lavado o rosto e bebido água. Havia demorado um bom tempo para mim parar de chorar, os policiais que me entrevistaram tiveram de dizer mil vezes que eu não seria presa por ter feito uma pegadinha com meu amigo e que embora estivesse na cena do crime, isso não significava nada. E as enfermeiras que quase tiveram que me internar também. 
Fui obrigada a despertar de meus pensamentos quando senti Nino me cutucar, analisei meu amigo que possuía uma expressão péssima. A qual eu não sabia se era devido a preocupação ou por ter desmaiado mais cedo assim que ele ouviu as palavras: Adrien, atropelado e sangue. Talvez fosse até mesmo um misto de ambos. 
O Lahiffe me indicou com a cabeça para ir, era minha vez de ver Adrien em seu quarto onde estava baixado no hospital. Como podia-se apenas entrar um por vez, havíamos nos revezado. Me tornando a terceira e última a ir visitá-lo. 
Anui fracamente com a cabeça em concordância, levantei-me e segui rumo ao corredor até chegar ao quarto de Adrien – que estava com a ela semiaberta. E com relutância a abri lentamente. 
Ao adentrar o quarto, reparei logo de cara as paredes brancas e o lugar bem organizado, e centralizado, a cama hospitalar onde Adrien localizava-se. Ele parecia distraído, com a mente vagando para sabe se lá onde enquanto observava a janela, que deixava aparente a lua e poucas estrelas. O vestido de princesa foi substituído por um dos aventais comuns de pacientes. A perna esquerda e os dois braços estavam enfaixados. A testa e o lábio inferior possuíam um pequeno corte. E os olhos verdes estavam foscos e perdidos.  
Eu o encarei em silêncio, e refleti sobre o estado de saúde dele e em como ele ficaria. E a única palavra que chegou perto para descrever sua situação foi: difícil. 
Me mexi involuntariamente e assim chamei atenção de Adrien por acidente. Ele sorriu fraco e ajeitou-se melhor na cama. 
– Oi… – Ele murmurou.
– Oi…
Nós mergulhamos num silêncio desconfortável, o que era esquisito. Aquela era a única vez em que via Adrien calando a boca desde o dia em o conheci, e agora, nunca desejei tanto que ele falasse algo. 
Limpei minha garganta e coloquei uma mexa do meu cabelo para trás da orelha. – Então... Você está bem?
Adrien me encarou por instantes, era como se ponderasse como responder minha pergunta adequadamente. Por fim ele sorriu fraco, um sorriso quebrado que partiu meu coração. 
– Acho que estou bem tirando a parte de terem passado a tarde retirando cacos de vidros do meu braço, da minha cabeça doer para o inferno e… – Ele parou de falar e desviou os olhos para o lado, era como se estivesse com medo de proferir aquelas palavras. – E… Por eu não poder mais andar. 
Senti uma onda de remorso se expandir por todo o meu corpo, e perguntei-me seriamente, se um dia conseguiria me perdoar por aquilo. Não acreditava no que ouvia, Adrien era jovem, tinha muito o que viver. E agora, parte de sua vida havia sido arrancada dele. 
Engoli as lágrimas o melhor que pude, não queria desabar, caso contrário não tinha certeza se pararia. 
– O que? – Murmurei atordoada.
Adrien ficou quieto por instantes, observando minha reação com dor, deixando claro seu sofrimento com seu olhar desolado. E logo, a curva de um sorriso cresceu em seus lábios, um sorriso sarcástico que foi precedido de gargalhadas. Adrien simplesmente ria, dava tanta risada que pensei que ele desmaiaria a qualquer momento.
E eu fiquei parada em estado de choque, totalmente sem reação. 
– Não é tão engraçado quando a pegadinha desse nível é com você, não é mesmo? – O Agreste disse com humor.
Eu pisquei os olhos diversas vezes e o fitei. – Não acredito que estava tirando com a minha cara!
– É claro que estava. – Adrien revirou os olhos com diversão. – Precisa mais do que um carro estúpido para me tirar área.
– Eu quase morri do coração, Adrien!
– Você desmaiar apenas tornaria tudo mais hilário.
– Oras seu… – Rangi os dentes com fúria. Nem sequer acredito que realmente estava preocupada com ele. Mas é como aquele velho ditado diz, vaso ruim não quebra! 
– Sou o que? Posso saber, Marinette!
– Seu mentiroso de meia tigela!
Adrien me olhou descrente. – Bem, pelo menos eu não sou maluco! – O loiro gritou. 
– Maluca? Eu não sou maluca! Retire já o que disse, Agreste!
– Ah tem razão, desculpe eu não quis te chamar de maluca... – Adrien proferiu com falsa compreensão. Seus olhos verdes ficaram com raiva. – Quis chamar de criminosa lunática!
– Eu nunca cometi um crime na minha vida, está bem! Você está falando tolices!
– Marinette, você cometeu invasão domiciliar, roubou minhas roupas, sequestrou meu gato, o ameaçou e ainda o utilizou como refém! E isso tudo em menos de três horas!
– Eu… – Sussurrei abismada, queria poder me defender, mas não podia. Adrien não estava mentindo, estava absolutamente certo. Eu realmente tinha feito tudo aquilo.
– Ai meu Deus! Eu sou uma criminosa! – Falei e tapei minha boca com ambas as mãos. Meu cérebro entrava em parafusos pela quarta vez só hoje. Andei devagar até a cama, e quando cheguei até ela sentei, sem me importar com Adrien que gemeu de dor ao encostar em sua perna.
– Eu vou ser presa, e não vai ser por atropelamento. Vai ser por eu ser uma idiota! Eu sequestrei um gato inocente, o que tinha na cabeça?
– Provavelmente minhocas. Ou então um parafuso solto.  – Adrien disse, mas eu não dei atenção a ele. Apenas abaixei minha cabeça e a prendi com as mãos. Me sentia uma péssima pessoa, fiquei tão focada em ferir Adrien que não tinha parado para pensar nas consequências, e muito menos nos sentimentos dele. 

Minha garganta secou e um bolo se formou em meu esôfago. Quando percebi já estava aos prantos e sufocando com minhas próprias lágrimas. Eu era um monstro, merecia pagar.
– Você está chorando… – Adrien sussurrou surpreso. E em seguida, sua destra tocou hesitante em meu ombro. O contato de sua mão fria contra minha pele quente causou-me arrepios. 
– Vamos lá, pare de chorar. – Seus dígitos apertaram levemente meu ombro, como se essa e suas poucas palavras fosse sua forma de consolo.
Me afastei levemente, só o suficiente para ele retirar a mão. Não queria que ele me visse assim, uma pessoa que mal conhece e que não gosta aos prantos. Assim, fiz o possível para esconder meu rosto e tentar secar as lágrimas, porém não conseguia, elas insistiam em cair desenfreadas e molhar minha face já .
O Agreste suspirou ao meu lado após ficar um tempo em silêncio. – Hey, está tudo bem. – Ele murmurou como uma afirmação. Senti seu corpo se mexer sobre a cama devagar, e suas mãos dessa vez rumaram aos meus braços e os afastam de meu rosto. 
– Olhe para mim...
Desta vez permaneci sem reação, queria entender até onde ele queria chegar com tudo aquilo. E a única explicação que encontrei, assustou-me. Talvez ele realmente estivesse apenas tentando ser legal comigo.
Vagarosamente ergui a cabeça e fitei seus olhos verdes calorosos, que encaravam as minhas orbes azuis molhadas.
– Tudo vai ficar bem.
– Não tem como saber disso. – Murmurei e abracei meu próprio corpo. Mantive-me um pouco mais calma, porém só o suficiente para conseguir falar o mínimo. 
Adrien negou com a cabeça. – Posso afirmar que não será presa.
– Isso soou muito otimista. – Afirmei com a voz embargada. – Como pode ter tanta certeza? 
– Porque mesmo que descobrissem seus crimes. – O loiro ironizou e depois sorriu. – Eu não daria queixa.
Por instantes fiquei em estado de choque. O Agreste parecia estar sendo sincero em suas palavras. Pela primeira vez desde que nos conhecemos, Adrien estava sendo gentil. E estranhamente na pior situação possível.
– Por que quer me ajudar? Nós nunca nos demos bem. 
– Eu sei, mas… Só sinto que é o certo a se fazer. Sei que é uma boa pessoa e que nunca faria mal a ninguém de propósito, Marinette. – Adrien sorriu e seus olhos verdes brilharam com compaixão, tudo nele exalava tranqüilidade, qualidade que jamais pensei que ele tivesse.
Meu coração bateu mais forte e um arrepio passou por cada centímetro do meu corpo. E mesmo assim ainda sentia-me em paz.
Adrien e eu nos encaramos em silêncio. Isso até o loiro quebrá-lo e fazer uma careta de desaprovação. 
– Na verdade você é boa demais para fazer tudo isso sozinha… Alya te influenciou a fazer tudo isso não foi?
Sua indagação tirou todo o ar ameno do ambiente, tanto pela pergunta em si como pela o momento inapropriado. 
– É talvez tenha sido isso. – Falei e dei uma risada sem graça. E em seguida franzi minha testa ao notar o sentido de toda sua frase. – Ei! Eu sou perfeitamente capaz de planejar uma vingança sozinha, ok?! 
– Aham, e eu não roubo suas revistas de moda! 
– Espera um pouco, era você todo esse tempo?! – Disse espantada. – Tem ideia de quantas vezes eu liguei para a editora dessas revistas reclamando!
O loiro sorriu sarcástico e me olhou desafiador. – Sempre.
Me levantei irritada e sufoquei um grito. Aquela altura do campeonato já havia substituído o pranto pela ira. Não acredito que estava quase considerando que Adrien era uma boa pessoa.
Com certeza devem haver diversos trabalhadores inocentes de uma revista me odiando nesse exato momento.
Respirei fundo e andei a passos pesados em direção a porta. Precisava sair dali o mais rápido possível.
– Ei para onde está indo? – O loiro perguntou.
Com a destra ainda na maçaneta da porta, virei-me apenas o suficiente para encarar seus olhos.
– Eu vou comprar bolinhos de desculpas para uma tal de Janne! 
E então com os nervos à flor da pele, eu bati a porta e saí dali com passos pesados.
Depois de uma tarde maluca dessas, eu precisava urgentemente de um calmante.

O cara do apartamento 27Onde histórias criam vida. Descubra agora