Bons sonhos

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O sol ilumina parcialmente meu rosto e aquece meu corpo. Uma leve brisa primaveril bate contra meu peito. O clima está perfeito e o dia lindo. O que chega a parecer piada comparado a meu mau humor, minha mente divaga sem minha permissão ao dia anterior, as cenas da discussão ainda rodeiam minha mente de forma incessante. Era impressão minha, ou todos os meus problemas parecem ser apenas sobre o Agreste desde que o conheci?
Ando vagarosamente, quase que arrastando os pés, meus olhos vagueiam ao meu redor – procurando algo interessante para se fixarem e desviar minha atenção – e ao não encontrar nada do tipo suspiro alto.
Uma mão toca delicadamente a minha destra e alguém chama por meu nome, o que me faz encarar o indivíduo ao meu lado que quase havia esquecido-me da existência. 
Visualizo Luka, que mantém uma feição preocupada, seus olhos me observam com compaixão e o peito sobe lentamente conforme sua respiração. Seu convite para sairmos foi irrecusável, sua companhia era sempre agradável e leve. Um dos motivos de ter me apaixonado por ele no passado. 
– Você não me parece muito bem. Está tão dispersa. – Ele murmura. – Ocorreu algo?
– Não. – Sorrio forçado.
– Não precisa mentir para mim, Mari. Entendo se não quiser conversar, só saiba que estou do seu lado se precisar.
– Obrigada, Luka. – Digo e paramos de andar, sentamos um ao lado do outro em silêncio confortável. E eu disponho de segundos para tomar coragem para falar, se Luka não entendesse meu problema, ninguém mais entenderia.
– Para ser sincera eu não sei qual o problema, eu só sinto que tem algo errado… – Suspiro fundo e aperto minha cabeça entre as mãos. – Eu nunca me imaginei estando onde estou, Luka. E isso é tão complicado.. Sinto que ficar perto é um erro, mas ficar longe é pior ainda. Eu simplesmente não sei mais quem sou e todas minhas certezas parecem ter me dado adeus por causa de um mistério que eu não sei se vou encontrar a solução e muito menos se o fim vai me agradar…
– Sabe, Marinette. Quando eu te conheci, senti que éramos perfeitos um para o outro, sua melodia era suave, lenta e obstinada. Era o som de uma sonhadora apaixonada. – Ele me olha de soslaio e sorri pequeno. – Mas agora, ela está diferente, porque você mudou muito. Sua música interna está mais ritmada e animada, sem perder sua leveza e graça. Mas essa mudança fez com que seus instrumentos pararem de ter sincronia, sua razão e emoção estão tocando partes diferentes da música. E isso te deixa indecisa. 
Encolhi meus ombros e tentei refletir sobre suas palavras, às vezes era complicado entender suas metáforas a respeito de músicas, mas nada que eu não conseguisse entender com uma boa interpretação e tempo. E ironicamente, sua metáfora fez um sentido enorme para mim.
– E como faço para voltar a tocar em sincronia? – Murmuro.
O músico sorriu. Retirou sua guitarra das costas e passou a dedilhar-lá suave, formando uma melodia tranquila. Algumas pessoas o reconheceram e começaram a gravá-lo de longe, pareciam entender que o momento era privado. – Isso é simples, Mari. Converse com o Adrien, e decida se você o quer mesmo com todos os problemas dele, ou se prefere seguir sua vida e voltar a colocá-la nos eixos. 
Eu o encaro abismada sem saber o que falar, Luka embora compreensível não é uma pessoa muito direta. Por isso, seu conselho me assusta. – Como você…?
– Como eu sei que está falando dele? Eu vi o jeito que vocês se olham, Mari. E com certeza, não é um olhar de amigos. 
– Acha que eu o odeio? – Digo malandra.
O azulado ri graciosamente. – Não, é algo muito mais intenso que isso.
– É, talvez esteja certo. Obrigada, Luka. Você sempre sabe o que dizer.
– Disponha. Eu realmente estou torcendo por vocês dois.
Dou um sorriso terno e encostei minhas costas no escorado do banco, olho para um casal de namorados que andavam de mão dadas e gargalham do outro lado da rua. E me pergunto, se isso é o que realmente quero.
Minha mente volta instantaneamente para a minha briga com Adrien, lembro de seu corpo tremendo, de seus olhos vermelhos pelo choro, do silêncio desconfortável entre nós dois. E também que o efeito do calmante que o tinha dado demorou, entretanto, o remédio o fez dormir um sono profundo e agitado. Não sabia o que se passava em sua cabeça, que espécie de sonhos ou pesadelos ele estava tendo. Apenas o observei uma última vez, o dei as costas e horas após tomei coragem para bloquear temporariamente seu contato. 
Balanço meus pés e analiso o céu, hoje é um dia lindo e a música tocada me deixa relaxada e traz clareza aos meus pensamentos. O mesmo casal que havia avistado antes se aproxima de nós dois para apreciar a música. Eles se abraçam, e assim, eu me vejo obrigada a sorrir.



As cores do céu dançavam acima de minha cabeça, era uma mistura de laranja com roxo que davam indícios ao entardecer. O sol se punha preguiçosamente no horizonte, dando aos poucos, lugar a noite.
Encaro meu prédio por segundos antes de tomar coragem para adentrá-lo, parecia sempre ser um desafio voltar para casa desde que encontrei Adrien na banheira, é muito provável que talvez tenha desenvolvido alguma espécie de medo a respeito disso.
A sensação de estar sempre sendo observada é algo que me acompanha toda a vez que estou relativamente próxima ao meu prédio, as sombras parecem brincar com minha mente – fazendo-me crer – que algo esconde-se atrás delas. Um arrepio percorre toda a minha espinha apenas por pensar nisso, as noites são sempre sombrias por aqui desde aquele dia, contudo saber que ainda não anoiteceu me dá uma espécie de conforto. Ao menos dessa maneira, posso enxergar a minha volta com mais clareza. 
Por fim entro em meu prédio, o porteiro me cumprimenta como de costume e eu retribuo com educação. Vou em direção ao elevador, e impaciente, espero ele me levar até meu andar. As grandes portas se abrem e eu não tardo a sair, ando em direção ao meu apartamento, mas antes paro na porta do apartamento de Adrien, penso em bater e entrar, porém deixo a ideia de lado, preciso me acalmar e pensar muito antes de ir conversar com o Agreste. 
Respiro fundo e sigo meu caminho, entro em meu apartamento e me permito dar um suspiro de alívio.
– Lar doce lar. – Murmuro.
Minha boca seca implora por água e sem muita escolha, vou para a cozinha, sirvo um copo de água gelada sem pressa, e assim, noto algo incomum dentro da minha geladeira. Após beber a água, retiro com cuidado a pequena vasilha de plástico vermelho. Ela vem preenchida de torta, a cobertura é de chantilly e conta com pequenos granulados e uma cobertura de chocolate. Preso na vasilha, havia um pequeno bilhetinho preso, cujo o qual estava escrito: 

Apenas um presente digno de uma Lady!
Com amor,
Adrien!”

O doce parecia delicioso ao ponto de me fazer salivar, contudo me causa estranheza, sei que Adrien é habituado a ser imprevisível, mas normalmente seus pedidos de desculpas são mais diretos. A letra que o bilhete foi escrito é mais bruta, totalmente oposta dos outros bilhetes que ele já me mandou com a caligrafia perfeita. 
Dou de ombros e tiro uma foto do presente inusitado e mando-a para Adrien com a legenda: “Não sei se isso foi um pedido de desculpas. Mas não é de meu fetiche dispensar comida! O que acha de eu ir ai mais tarde? Precisamos conversar seriamente.” Ao não receber nenhuma resposta dou de ombros, talvez ele esteja ocupado. 
Não demorou mais nem um minuto e começo a devorar a torta, dando uma garfada atrás da outra. Ela era deliciosa e doce, sua cobertura apenas torna tudo melhor, contudo no finalzinho sinto um gosto meio amargo – o que é algo inusitado – morei numa padaria durante anos da minha vida, e nunca senti esse sabor em torta nenhuma. Largo o garfo devagar e analiso o melhor o doce com medo dele estar estragado.
Subitamente, sinto uma grande tontura, minha visão embaça e pontinhos pretos dançam na minha frente, minha cabeça dói e minhas pálpebras pesam. Tento me levantar, mas minhas pernas tremem e me fazem tombar no chão e cair deitada. Tento chamar por ajuda, mas não consigo. Mas o que está havendo? 
Com o pouco de visão que me resta, vejo o vulto de uma pessoa entrando em meu apartamento, os pés e parte do tronco é tudo o que consigo ver. O sujeito está inteiro trajado de preto, e carrega um galão de gasolina em sua destra, cujo o qual tem um cheiro forte. Ele se aproximou de mim vagarosamente e se abaixou em minha frente, e dessa vez consigo visualizar totalmente seu rosto. 
Meu coração acelera e meu sangue gelou, seus olhos verdes estão tão frios, pela primeira vez sinto medo dele. Lágrimas singelas escorrem de meus olhos. 
Ele sorri de lado. – Bons sonhos, Marinette. – Segreda-me.
– Adrien… – O nome sai de meus lábios num fino sussurro.
E então, minha visão inteira escurece e eu paro de sentir tudo.


Beba água, a última coisa que você precisa é pedra no rins! <3

E vota, porque se não eu choro.

O cara do apartamento 27Onde histórias criam vida. Descubra agora