🩸: o caçador e a ameaça soturna

183 23 43
                                    


9 anos depois

2003

Encarou o remédio em sua mão, a única coisa capaz de fazê-lo dormir.

Chovia como todos os dias de outono, mal se via a luz da lua durante a noite, e ainda que um pouco de luz atravessasse as nuvens cinzentas seu calor era frio, inexistente.

Por vezes Frank pensava em se matar quando o clima estava assim, parecia adequado, morrer no silêncio e na calmaria da chuva.

Não era como se alguém fosse sofrer com sua partida. Os anos fizeram questão de desfalcar seu rosto da mente de qualquer um que um dia já o tivesse conhecido.

Morrer, neste caso, estava mais ligado a uma decisão racional de eliminar sua vida que de nada servia. Ainda sentia que era capaz de transformar sua dor em amor. Seus terrores existencialistas não o haviam definhado completamente, se houvesse uma chance de mudar se agarraria à ela, mas já havia se passado tanto tempo que sua esperança era ínfima.

Nove anos atrás havia feito uma escolha da qual não podia voltar atrás.

Ter suas memórias apagadas incluía até mesmo se esquecer de como falar. Quando pediu por eutanásia, eles lhe disseram que não fazia parte do acordo. Optou, então, por ser um caçador.

Era um escravo agora, como seu pai havia sido um dia. E as coisas eram muito piores do que as histórias que lhe haviam sido contadas.

Outrora, lhe fizeram acreditar que o governo fazia vítimas de atrocidades cometidas por vampiros os caçarem em nome de um revanchismo moral, que em dado momento virava uma obrigação governamental, sem direito de remissão. E em parte, era exatamente isso. Se Cave não tivesse deixado de lhe contar que todos os vampiros os quais ele era ordenado a matar eram nomades, ou desertores de clãs. Os verdadeiramente perigosos faziam parte do governo, eram a autoridade. Seus nomes não apareciam em lugar algum, seus rostos também não. Mas eles estavam lá. E esses Frank nem sequer sonhava em chegar perto. Não duvidava que se o fizesse sua sugestão de eutanásia seria revista com mais delicadeza.

Cave odiou todos os vampiros em vida, e os matou com prazer. Frank se sentia mal. Não gostava de ser um algoz. Se sentia como o vilão de um filme. Levando um fim amargo à criaturas do abismo do mundo, que sequer haviam pedido para serem criadas.

As circunstâncias o transformaram no que ele era hoje. Vinte e nove anos e ninguém para amar. Boates costumavam ser o único lugar onde encontrava calor humano.

Por vezes sua mente voltava para aquele dia fatal. Para aquela cidade. Aquela floresta. As duras recordações embalavam sua cabeça como o mar embala as algas e os peixes.

O rosto do vampiro já havia desaparecido de sua mente, apenas alguns lampejos de olhos verdes e cabelos pretos persistiam em sua memória, seu nome... tinha certeza que era francês ou algo do tipo.

Engoliu a pílula. Ambien sempre o fazia dormir como se estivesse em coma profundo. Era exatamente o que ele precisava na maior parte dos dias. Apertou o copo de água e ingeriu o remédio. Em alguns minutos, mal conseguia se manter sentado.

Deitou-se em sua cama e encarou o saco plástico preto no canto do quarto, seu formato era redondo, uma cabeça recém cortada, a parte de baixo do saco estava úmido de sangue. À qualquer momento federais entrariam em seu apartamento, recolheriam a cabeça e deixariam três mil em espécie sobre a mesa de jantar. Frank já conhecia a programação. E odiava estar acordado para vê-los inspecionar tudo.

Sentiu-se grogue, drogado, e dopado. Significava que o remédio estava fazendo efeito. Deitou a cabeça no travesseiro e descansou. Mas tão logo... acordou, e de imediato sentiu como se não pudesse mover seu corpo. Seu tronco e seus braços pesados como uma rocha, sua cabeça tão longe que sequer tinha certeza se tudo não passava de um sonho.

Parecia ter sido atingido por 10 tijolos.

Ainda era noite e o Ambien agia em seu sistema mais forte do que nunca, não deveria estar acordado, era impossível estar acordado. Tinha certeza de que havia acabado de se deitar.

Seus olhos vagaram pelo quarto. A cabeça não estava mais lá, os federais já haviam passado em seu apartamento. Mas por que algo parecia estar errado? Tentou levantar, mas estava muito abatido para isso.

Sentiu algo estranho no outro canto do quarto. Seu corpo conhecia a eminência do perigo, humano ou vampiro. Arrastou o braço pela cama, pegando um canivete debaixo do travesseiro. Uma Karambit de faca prateada. "Quwem quwer que você sweja, é mewlhor aparecew." Sequer sabia se havia mesmo alguém lá, mas precisava deixar a sua dominância clara. Era como quando se é criança e imagina que há fantasmas na casa, é preciso aumentar o tom e ameaçar a entidade como se sua vida dependesse disso.

Por um momento tudo permaneceu silencioso, como se estivesse se comunicando com um estrangeiro que não falasse seu idioma. Mas de repente, algo pulou em sua direção, sobre si, e segurou seus dois pulsos ao lado de sua cabeça.

O coração de Frank disparou, mas ele não fechou os olhos, encarou determinadamente seu inimigo da noite.

De primeira, a pouca luz lhe cegou de visão, mas uma nuvem cinzenta fez questão de se mover no céu, fazendo com que a lua lá fora iluminasse um pouco o quarto. A Karambit antes tão segura em sua mão afrouxou até cair de volta na cama.

Aqueles olhos verdes, aqueles cabelos pretos... seu rosto agora tão nítido, Frank arregalou os olhos.

Uma espécie de fúria nadava naquelas íris alienígenas, seu aperto forte o suficiente para prendê-lo, mas leve o bastante para não esmagar seus ossos. O peso de seu corpo precisamente calculado para não machucá-lo. Tudo naquele encontro gritava grandiosos 'aindas'. A criatura o olhava como se, com a força sintática de seus pulsos, fosse jogá-lo do outro lado do mundo a qualquer instante.

"Gerard..." Seu nome escapuliu de seus lábios como se sempre estivesse estado ali na ponta de sua língua.

"Humano." Ele falou baixinho, quase sussurrando contra o seu rosto, e o encarou com olhos fascinantes. "Olhe o que você se tornou." Ele disse, franzindo as sobrancelhas levemente. "Não te vi por quase uma década. E agora você é um assassino."

Estava muito chapado, temia. Mal conseguia formular uma frase coerente sem balbuciar. E por mais que tentasse, sua cabeça estava muito bagunçada para tentar salvar sua própria vida.

"Você virou a escória do mundo. E por isso merece morrer." Ele decretou, e Frank sentiu um pingo de suor cair de sua testa. Tentou se soltar ao impulsionar o corpo para cima, mas só ergueu os quadris o suficiente para eles encostarem nos dele e caírem novamente na cama. Seus olhos abriam e fechavam lentamente, era como estar na maca hospitalar prestar a morrer, prestes a receber a injeção letal.

Balbuciou algumas coisas incoerentes, a química em seu sistema não o ajudava, era uma presa paralisada por uma picada eminente, prestes a ser devorado vivo, e nada podia fazer. Começou a ter apagões de repente, seu cérebro não deveria estar acordado enquanto o Ambien agia tão agressivamente em seus nervos.

O vampiro lhe disse coisas que pareceram vir de muito longe. Sua voz ecoava como um sopro em seu rosto. Cada vez mais distante até não restar mais nada, a não ser a escuridão completa.

†††

eu demoro demais pra postar EU AVISEI

my sweet vampire † frerardOnde histórias criam vida. Descubra agora