10 minutos. Nem sinal de emergência. Rodei a casa. Procurei bilhetes, sinais de aviso. Voltei pra sala. Com raiva, bati em uma estante sem perceber. Dali, caiu um pedaço de papel dobrado com o nome "Joana" escrito.
Discretamente, abri o papel. O pânico ainda estava me invadindo. E em poucas palavras, ela se despedia:
Minha filha, nada disso é culpa sua. Pergunte ao papai. Cuide bem dele como eu nunca pude cuidar. Ele precisa de você. E agora, mais do que nunca, você vai precisar dele.
Eu sempre vou te amar.
Com amor,
Mamãe.
Não faço ideia de que tipo de amor ela estava falando.
Ou por um momento ela esqueceu desse amor.
Mas eu não sei se posso criticá-la. Por um momento, aliás, mais de um, eu também...
20 minutos. Nem sinal. O sangue subiu.
— Joana — corri até ela. — Não sei se aconteceu algo, mas eu vou levar sua mãe pro hospital. A ambulância está demorando.
— Deixa eu ir com vocês, por favor!
— Não, não, não... — fiz carinho em sua cabeça. — Você precisa garantir que a casa vai ficar segura. Que ninguém vai roubar. Ou sequestrar. Até sua mãe voltar. Ela conta com você. Pode fazer isso?
Ela insistiu mais uma vez, mas... no final, se convenceu. Não a deixei trancada, claro. Mas pedi pra ela ir na casa de algum vizinho caso ela se sentisse sozinha. Chorando, ela me abraçou, perguntando se ia ficar tudo bem com a mãe dela. Eu não sabia responder.
Procurei o carro mais velho da rua. Mas antes que eu pudesse voltar pra dentro da casa pra pegar o corpo da dona Sandra, um barulho ensurdecedor chegou na porta da casa. Finalmente, os palhaços chegaram.
— Finalmente, né? — bati palmas com raiva. Eles nem me olharam na cara. Saíram entrando na casa.
Em menos de 30 segundos, checaram seu pulso e sua pressão e a levaram numa maca pro carro. Pedi pra acompanhá-la. Eles me autorizaram. E enquanto via a Joana aparecer na porta, ainda em choque, procurava manter seu olhar no meu, mesmo que de longe, mesmo enquanto desaparecíamos no horizonte.
Dentro do carro, eu sacudia as pernas, impaciente.
— Ela está viva?
— Está, sim. — um dos socorristas respondeu, sem me olhar nos olhos.
Respirei fundo, aliviado.
— Ela tomou um vidro inteiro de remédios.
— Você viu ela tomar?
— Não, mas o vidro estava do lado dela, e ela estava...
— É cedo pra afirmar. Ela pode ter tomado outra coisa também. De qualquer forma, vamos checar ela no hospital.
Eu tive vontade de reagir. Mas não dava. A situação era mais séria que eu imaginava. Ah, se eu tivesse tido a mesma chance com o Charles...
Olhei meu celular. Já eram 21h50 da noite. Estava rolando algum desafio no aplicativo, porque ele não parava de acionar novas notificações. A festa deve ter realmente começado. Realmente mesmo. Mas eu tinha mais coisa pra me preocupar.
Chegamos no hospital às 22h05. Como eu não era nada da diretora, foi quase impossível cooperar. Prometi que ia checar as informações com a filha depois. Fui acompanhando a maca móvel até uma grande porta, de onde outra maca acabou saindo e quase colidiu com a nossa no corredor.
Mas eu mesmo acabei colidindo com alguém bravo. Brava. E pequena.
— Ai, olha por onde anda, seu ot... — ela me olhou de cima a baixo. — Marcelo?
— Geléia?
A maca que ela estava acompanhando saiu andando junto com outro cara do lado em pé. Era o Matheus.
E quem estava na maca?
— Tá fazendo o quê aqui? — acabei deixando levarem a mãe da Joana corredor adentro.
— O Vitor. Tive que trazer ele pra cá com o Matheus. — ela respirou com raiva. — Ele teve uma overdose.
Encostei na parede do corredor abismado.
Então não foi uma noite muito divertida pra nenhum de nós.
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Rascunhos
Teen FictionUm reencontro de velhos amigos, uma noite, um suicídio e uma pergunta: por que ele fez isso? E por que o que ele fez está mexendo comigo? Marcelo precisa lutar contra os pensamentos autodestrutivos não apenas seus, mas os de muita gente ao redor.