PT 1 | Capítulo 24 | Atlas

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Me mostre o caminho, Senhor, pois eu estou a ponto de explodir.

Pela primeira vez na vida, eu surtei. 15 reais gastos para descontar meu ódio num cara que eu nunca mais ia querer ver na vida. Talvez nem fosse realmente vê-lo. Quase todos os copos conseguiram atingi-lo em cheio, tamanha foi a mira. Um estilhaço de vidro cortou o braço dele. Mas outro copo, infelizmente, pegou em um policial que estava a metros de distância do Marcus.

E quando o copo o atingiu e se quebrou em seu uniforme, ele identificou de onde estava vindo a chuva de ataques. Correu até mim pra me conter, já que tinham se acabado os copos, e quando ele chegou perto de mim, mais uma vez eu me descontrolei. Havia um corte enorme em seu rosto, perto da bochecha.

E lá estava ele... sangrando, com um corte bem feio na cara.

O cara que abusou da Geléia por anos. Só me lembro de desferir um tapa e um soco em seu rosto, até outro policial vir me segurar enquanto eu gritava muitas palavras e ofensas no ar. Pro Marcus, pra aquele cara. E aí eu apaguei.

Acordei em um hospital. De novo. Igual o do dia do acidente. Sei porque a voz da enfermeira é a mesma, mas dessa vez ela estava verificando se eu estava catatônico ou se respondia ao estímulo da lanterna em sua mão.

— Ele está respondendo, que bom — a enfermeira saiu e deu lugar ao rosto da minha mãe.

— Filho... — ela colocou a mão sobre meu ombro, depois sobre minha testa. Senti uma pontada de dor. — O que você estava tentando fazer?

Comecei a respirar mais forte, me sentindo sem ar. Lutando para responder algo que a fizesse entender a natureza da minha dor. Não era simples assim.

— Calma, filho — ela faz carinho sobre minha testa. Parece ter um galo enorme ali. — A Bruna veio te visitar com a tia Sola...

— Eu não quero vê-la.

Por alguns segundos, minha mãe fez silêncio, olhando para trás. Respirou fundo e, mesmo sem olhar nos meus olhos, ela dirigiu sua fala a mim:

— Como assim, você não quer ver sua prima? Ela está louca perguntando por você, ela precisa de você.

— Não, mulher — em poucos segundos, consegui sentir minha voz ganhar potência. Sentei na cama. — Escuta bem o que vou te dizer. Ela não precisa de mim. Eu sou um monstro. Se eu ficar perto dela, é capaz de ela se machucar ainda mais.

— Não fala uma besteira dessas, garoto — ela enraiveceu a voz.

— Besteira, não, mulher. É a verdade. Porque se eu tivesse denunciado esse cara antes, ele nem teria chegado perto da Bruna — por um momento, fizemos silêncio até minha mente rebobinar tudo o que era possível para dar mais uma resposta. — Aliás... se eu sou um monstro, você também é. Sabia o que estava acontecendo comigo. Mas a pior parte é que, quando aconteceu com você, você não teve a coragem — senti o coração acelerar, o tom de voz subir. — de denunciá-lo. Eu só continuei o ciclo. Mas isso me torna tão desgraçado quanto você. O ciclo não precisava nem ter começado. Nós dois somos pessoas terríveis. Não à toa eu sou seu filho. Só falta me fala que eu também sou filho desse cara.

Ela deixou o quarto antes que eu terminasse todas as minhas sentenças. Deitei na cama, esperando que ela afundasse no chão e que a terra me engolisse vivo. Fechei os olhos esperando aquele tipo de morte sem dor, sem sentimentos. O som daquela coisa entrando na minha veia não me deixava dormir. Me revirei na cama várias vezes. Até esperei a Bruna entrar por aquela porta, mas acho que ela resolveu ser deixada em paz. Melhor pra ela.

Por volta das 22h, eu acordei com o susto de uma porta batendo logo atrás de mim.

— Esse aqui é o quarto?

Vi a enfermeira entrar com um ser muito parecido com o da escola. Rogério. Olhos vendados, talvez pré, talvez pós-cirurgia. Ele entrou com um sorriso muito grande no rosto. A enfermeira fechou a porta após ele e ele foi tateando a sala chamando meu nome.

— Responde, por favor, meus olhos novos estão descansando.

Sentei na cama e peguei o braço dele estendido no ar. Ele sorriu.

— Olha aí meu garoto.

— Não sabia que tinha sido comprado por você. — brinquei, puxando-o aos poucos para se sentar na cadeira ao meu lado.

— Tsc, pára de palhaçada — ele disse, soltando o braço da minha mão. — E aí? Como tá o galo na cabeça?

— Você não vai querer saber. Mas acho que a sua cirurgia correu bem, não é? — encostei os dedos em sua venda.

RascunhosOnde histórias criam vida. Descubra agora