PT 3 | Capítulo 9 | Quando eu crescer

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Oi

Cheguei em casa há uns 20 minutos

Será que os pais dela apoiavam alguns comportamentos dela?

Já que ninguém se machucou, eu vim pra casa

Será que eles sabiam?

Aquilo não parava de me torturar, mas pelo menos minha situação parecia estar melhorando. Demorei pra perceber que havia, pelo menos, umas 8 conversas esperando resposta minha. Três eram tirando dúvidas de Física e Matemática, uma era da Lena perguntando se eu conhecia ou sabia onde encontrar um bom DJ, o grupo da escola estava discutindo esse negócio de procurar DJ, uma era do meu tio me mandando uma notícia , uma era da tia Solange falando algo da Bruna e uma era da Sabrina.

O professor Marcos Vinícius, de Matemática, enviou um e-mail pra todo mundo, avisando que teríamos uma prova na próxima semana. Absurdo, mas necessário, segundo ele, já que precisávamos fazer um ótimo trabalho pro vestibular daquele ano. Assim, ele saberia como ou quanto estávamos afiados. Quem era mais ou menos fracassado nesse âmbito.

Então abri a janela de sua conversa. Já estava suando, coração batendo forte só de ver o rosto dela.

Oi bb

Que fofa.

Pd me ajudar a estudar pra pv de Matematiqua?

Ops

Foi o corretor

Não acho que nenhum corretor no mundo da nossa língua faria isso, mas tudo bem.

Oi :)

Como posso te ajudar, linda?

Eu só precisava de uma oportunidade de mostrar que eu era o cara pra ela. E queria tanto ficar sozinho um pouco pra conhecer aquele sonho de moça. Mas e o Vitor? Se ele soubesse, ia ficar muito, muito, bravo comigo. Ele estava conseguindo, finalmente, ficar menos sozinho do que antes, descobriu (ou já tinha, sei lá) um talento que o fez encantar muita gente (inclusive o professor, e se fez o Pablo ficar bravo, superando um valentão, é porque ele realmente era bom demais). Não sei como era seu passado, mas pra ter que chegar ao ponto de precisar de um amigo imaginário pra aguentar a vida, imagino que tenha sido um passado muito mais tenso do que o meu. As coisas mais tensas que me aconteceram foi perder uma prima pro suicídio e não conhecer meu pai, mas isso não me fez ficar maluco.

Passei a desejar no meu íntimo que ela, por conta própria, me escolhesse, e preferi não forçar a situação. E que, sei lá, talvez com o talento dele, ele conseguisse uma garota "melhor", apesar de não ter ninguém melhor do que ela naquele lugar. Não sei se ele tinha um gosto pessoal muito exigente, ou se estava esperando uma oportunidade como essa há muito tempo.

Estou com dificuldadi da matéria tda

Tda msm rs

Preciso estd do início

Tem alguma hr dispnv?

O celular começou a bombar de mensagens. Ainda não tinha olhado totalmente o grupo da minha turma, mas estava muito agitado, e acreditei que não era por causa de um DJ apenas. Mais uma notificação. Era o Isaque.

Faça seu login como aluno e divirta-se!

Era o link pro download do app. Já estava no Google Play e não parecia ser tão pesado. Antes que pudesse responder à minha rainha, decidi dar uma de difícil e deixei ela esperando. Baixei o app e me cadastrei. Pediram um cartão de crédito ou de débito para completar. Sim, era arriscado demais, mas se o Isaac estava responsável, (difícil de acreditar) não ia tentar clonar nossos cartões (muitas testemunhas, ele poderia ser expulso da escola, ele se arriscaria? Se foi genial pra criar o aplicativo, pode fazer muito mais).

Mais por medo da pressão popular (e por estar no comitê de organização da festa), realizei o procedimento. E lá estava a interface. Apenas algumas coisas mudaram desde a última reunião. No app, tinha a opção "lançar desafio", que eram desafios que os "espectadores" (os que apostavam ou não se algo ia acontecer) poderiam propor a qualquer aluno, mas não era obrigatório cumprir. Quem quisesse cumprir, tinha 24 horas pra aceitar e cumprir o desafio. Outros apostadores poderiam propor valores a este desafio, por isso, era como uma tentação impossível de resistir realizá-lo. Por um lado era bom, se alguém tivesse perdido no que fazer para impressionar os usuários e/ou quisesse arrecadar mais do que os outros. Dependendo do conteúdo...

Outra opção era o "anonimato". Dependendo do conteúdo, a pessoa que faria o desafio não precisaria revelar sua identidade (nem fisicamente, nem no app). Essa opção podia ser ativada somente na hora de postar o desafio, e depois o usuário voltaria a ser conhecido, mas ninguém precisaria saber que foi ele. Ah, ele deveria fazer o desafio mascarado ou fantasiado ao máximo para não ser reconhecido. O mais curioso é que o Isaque programou o aplicativo pra apagar todos os vídeos depois de 14 horas. Nada podia ficar registrado por muito tempo. Incrível como um jogo tão livre tinha tantas regras. E nem tinha começado ainda.

Muita gente já estava logando numa velocidade incrível. E já tinha um desafio programado pra acontecer às 21h. Eram quase 19h. Até meu coração acelerou com o título e a descrição. "Eu nunca...", e em letras menores, com um ícone preto ao lado: "tirei a roupa num trânsito movimentado". O usuário era anônimo. Com certeza, estava com vergonha de fazer aquilo, mas atiçou muito a curiosidade. Embaixo, em vermelho: aposta mínima de $0,10, piscando como uma lantejoula de Natal. Mais ao lado: 151 pessoas já fizeram suas apostas.

Não ia fazer aposta nenhuma, mas pra ver como funcionava, decidi entrar. A tela estava preta com um tipo de enquete: Anônimo VAI TIRAR A ROUPA na frente de geral? SIM - $ 0,10 | NÃO - $ 0,10. Mais em baixo: o conteúdo poderá ser visto apenas pelos apostadores. Por incrível que pareça, dava pra votar mais de uma vez, o que significa que você subia o valor da sua aposta aos poucos. Era como reagir a uma live de Facebook. Você poderia reagir dez mil vezes de várias formas diferentes, mas por um preço fixo. Já tinha gente comentando de tudo: onde eles vão fazer isso? Quero só veeeer e até façam valer meus 10 cents por essa...

É muito tenso pensar assim, mas estávamos curiosos, ansiosos e angustiados pra ver algo na nossa tela de celular. Estávamos buscando aventura diante de algo menor do que nós. Era quase como uma desvalorização saber que, às vezes, preferimos marcar um encontro ou dizer pra uma pessoa que a amamos através de algo tão significante do que pessoalmente. E agora, as pessoas mal podiam saber onde aqueles adolescentes malucos (a.k.a. nós) iam (e se iam, afinal era uma aposta) enquanto não apostassem, depositassem sua confiança num aplicativo para saber qual fim aquilo teria.

Não dava tempo de discutir a moralidade daquilo. Era pro nosso "bem". Pra formatura que sonhávamos. E qual seria essa, no fim das contas?

RascunhosOnde histórias criam vida. Descubra agora