Ainda não fazia parte de nenhuma tribo em especial, mas só de saber que eu não era mais um intruso completo, veio um alívio sobre mim. Geléia começou a se misturar um pouco mais com os professores, passou a pegar livros na biblioteca e, vez ou outra, estava jogando pingue-pongue com outros alunos, pareciam frutos do trabalho grupal que ela estava fazendo... e lá estava o Vitor lutando contra o isolamento. Sério, ele estava realmente se esforçando. De vez em quando, andava com o Isaque, que não andava com muita gente mas parecia ser gente boa. A Jaque, vira e mexe, tirava dúvidas de História e Biologia, matérias nas quais ele fazia toda a diferença, e ele, de alguma forma, se sentia especial por isso. Aos poucos, ele virava monitor e, quem sabe, consequentemente um amigo leal.
E toda vez que aquela visão de céu azul passava por mim, era certo de deixar meu dia mais contente. Às vezes, arrumava as conversas mais aleatórias só pra poder puxar papo com ela. Pesquisei sobre os "assaltos" naquela região e descobri que, realmente, o índice estava subindo muito. Enquanto a polícia não patrulhava aquela área...
O Méier tá perigoso?
Sim
Preciso virar um Bolt
Ela marcou a segunda opção, sorrindo. Aquele sorriso acabava comigo.
Mas ainda não dava pra levá-la em casa. Estava sempre com as amigas e ia num shopping ali perto. E não, não dava pra dar uma de maluco e segui-la. Ela ia se assustar.
Finalmente, parei com a preguiça e respondi o Marcus. Expliquei que foram dias um pouco tensos e que tinha perdido um amigo nas férias. Ele disse que faria o possível pra vir logo. Estava resolvendo mais um negócio pessoal e depois estaria aqui no Rio.
A reunião que estava marcada para aquela sexta foi remarcada pra sexta seguinte. Perdi a preguiça e fui procurar meu long no achados e perdidos. Sim, estava lá. Respirei aliviado e fui pra reunião. E quem veio sentar do meu lado?
Pablo e sua trupe. Do outro lado, a Geléia tentou sentar, mas o Vitor veio primeiro. Então ela ficou atrás de mim. Sabrina estava com as amigas, não notou muito a minha presença. A diretora entrou, junto com nossos professores. Rogério estava sentado de frente pra gente. Lena, Grazi, Jaque e Marcus foram selecionados como representantes das turmas do nosso ano, o que parecia ótimo e preocupante ao mesmo tempo. O Marcus não era tão cabeça dura assim. Agora eu tinha que ter cuidado pra não confundir o meu tio com o meu representante de turma. Pedro também entrou pra anotar a pauta da "reunião".
Nossa diretora era uma pessoa do tipo séria, mas não do tipo "não tire minha paciência". Só não gostava muito de brincadeiras, mas era tolerante até certo ponto. O problema é que turmas do 3º ano sempre estão agitadas com tudo. Com isso, ela já estava acostumada.
Então, ela já chegou avisando que cada um teria a sua vez de falar. Apenas um aluno por vez podia falar, e dúvidas... era só levantar a mão. Sem bagunça, sem algazarra, sem sermos... nós mesmos.
Rogério levantou, com ajuda da Lena, e comentou sobre o grupo de apoio. Falou da importância de não retermos nada dentro de nós, que não havia nada de errado em pedir ajuda... Aquele discurso me parecia familiar. Me lembrei do cara do cemitério, da conversa com o Vitor... Será que, algum dia, ele gritou por ajuda?
Me perdi no meio do que ele estava falando até ouvir a palavra FORMATURA.
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Rascunhos
Teen FictionUm reencontro de velhos amigos, uma noite, um suicídio e uma pergunta: por que ele fez isso? E por que o que ele fez está mexendo comigo? Marcelo precisa lutar contra os pensamentos autodestrutivos não apenas seus, mas os de muita gente ao redor.