PT 2 | Capítulo 16 | Pra onde você foi?

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Ah, sim, a diretora sobreviveu. Por isso ela expulsou ele da escola. Ela recobrou a consciência crítica-moral (a mesma que parece ter sumido naquela noite da festa), e além de ter dado uma baita bronca nas duas turmas do terceiro ano por terem consumido bebida alcoólica (oba, ninguém morreu nem matou embriagado!), ela também veio ter uma conversa "séria" comigo.

E aí descobri a expulsão do Vitor de uma forma bem terrível. Quando eu era o próximo a ser atendido pela diretora, vi ele sair da sala, olhando pra baixo como se estivesse procurando algo no chão. Mas a parte bizarra não é essa. Nem pai nem mãe dele apareceram na escola. Ele estava por conta própria, então. Seus olhos estavam vermelhos. Talvez de chorar. Talvez de se drogar.

A noite no hospital foi bem tensa. Com a diretora, foi até menos pior. Ela acordou depois de umas quatro horas. Óbvio que eu tive que ficar no hospital. E eu fiquei tão nervoso pelo que aconteceu que nem pensei em ligar pro pai da Joana pra avisar do acontecido. Mais uma vez, eu era "o babá" de alguém. Já podiam me chamar de Steve Harrington (só faltava comprar o spray da Farrah Fawcett, mas como um jovem brasileiro, só me sobrava o laquê da Aspa que me deixava com caspa), sem eu nem ter matado um Demogorgon ainda. Ou matei?

Se havia um Steve Harrington em mim, também havia um Will. Eu me sentia em um universo paralelo boa parte das vezes. E agora, sonhos bem bizarros estavam invadindo minha mente. Que eu não sabia explicar porquê, como eu estava sonhando aquilo. Um dia, sonhei que estava nos Jogos Vorazes (explique como eu sonhei com isso?), no meio de uma grande quantidade de bestantes. E adivinha quem estava comigo? A Bruna. Mas o mais bizarro é que teve um momento, quando os bestantes pularam em cima de nós, um deles começou a afogar a Bruna e eu conseguia ver o rosto dele, prendendo a Bruna debaixo de sua lança. E o rosto era meu. Depois, a figura que a afogava se tornou em mim mesmo. Nós dois, debaixo d'água. Eu matando ela. E aí soou o canhão e eu acordei num susto. Eu tinha explicações racionais pra tantos eventos na vida... Ou tentava. E pra isso, eu não conseguia.

Olha aí. O garoto confuso e perdido dentro de si mesmo. Eu era um Will. Não sei no que pensar de pior.

A Geléia explicou que o Vitor topou fazer um desafio do #EuNunca na noite da festa. Tinham 17 alunos com embalagens de cocaína pra usar do lado de fora da escola. Ela não quis falar quem eram, e o Isaque tirou o vídeo do ar. Mas a escola inteira sabia. E eu ouvia seus nomes por alto. Mas isso não me interessava. Parece que ele estava tão revoltado naquela noite que topava qualquer loucura. E acabou topando. Algo deve ter tirado ele muito do sério pra ele fazer uma burrada tão grande. De acreditar em pessoas que só o fariam chegar à quase morte.

Geléia percebeu que tinha algo errado com o Vitor quando foi pro lado de fora com o Rogério. Eles conversaram bastante na festa. E o papo parece ter sido bom, porque todos os dias na escola eles estavam juntos. Até eu estava almoçando com ele, mas me perdia no meio dos meus pensamentos. Não éramos próximos ainda. E mesmo assim, ele deu um fora no Pablo quando ele veio me encher, na hora do almoço, perguntando se eu tinha pegado alguém na festa. Bom... quando eles foram pro lado de fora, viram o pessoal reunido numa roda e alguém filmando. O Matheus (o RPG, mas por incrível que pareça, o Matheus representante de turma estava no meio da roda curtindo com a cara do Vitor, segundo o relato da Geléia) estava dando uns amassos numa garota do lado de fora, não parecia ser da nossa escola. Ela percebeu que tinha algo errado. O pessoal da roda começou a ficar eufórico. E de repente... Eles começaram a sair correndo. Ela só lembrou da imagem de alguns... Tipo o Marvin... Também viu a Grazi... o nosso querido representante... E só ficou ali um cara desmaiado. Do lado de uma "mesa improvisada" com um pó branco em cima. Só um pouco dele sobrou.

Geléia sabia que o Matheus RPG estava de carro. Ela deixando o Rogério sozinho, mas ele entendeu que a causa era urgente. Até quis ir no hospital ou denunciar pra polícia o que aconteceu, mas eles sabiam que se chamasse qualquer "autoridade", poderiam acabar com a festa. Ele a admirou pelo companheirismo. E eles se tornaram companheiros. Então ela puxou o Matheus dos amassos, ele tentou beijar ela, ainda meio lúcido, e ela deu um tapa enorme na cara dele. Por isso eles não se olham nem nos corredores. "Eu não virei 'umas' cervejas, eu virei 'duas' cervejas... eu tô bem." Se está bem, então vai levar o Vitor comigo pro hospital AGORA!, e foi o suficiente pra fazer ele ligar o carro na velocidade da luz, com os olhos vermelhos, desesperado com a Lei Seca, desviando as ruas principais, pra finalmente chegar no pronto-socorro.

Naquela madrugada, ele teve duas crises respiratórias. Dois dias depois, uma crise de abstinência. Naquela madrugada, o "mozão" da diretora soube do ocorrido e ficou com ela pelo resto de suas horas restantes naquele lugar. Eu dormi um dia inteiro e... não tive coragem de explicar pra minha mãe o que aconteceu. Talvez ela tivesse um ataque de nervos e denunciasse a diretora. E ela tinha motivos de sobra.

Na segunda depois da festa, 45% da turma faltou. Até nas aulas da tarde. Na terça, desceu pra 15%. E na quarta-feira... simplesmente aconteceu. O Vitor cruzou o olhar dele com o meu de forma... quase que assustadora. Por que ele usou toda aquela quantidade de droga? Qual a necessidade? Por acaso o "Fábio" sumiu e, mais uma vez, não podia fazer nada por ninguém no mundo real? Será que não era mais fácil ele inventar outra forma de lidar com a "dura realidade"?

Eu achava ele idiota. A Geléia achava que armaram pra cima dele. E algumas horas, eu concordava com ela. Mas eu tinha minhas dúvidas se ele foi "obrigado" a fazer aquilo mesmo. Mas alguém registrou o que ele fez. Aliás...

É uma pena que a vida não seja como a matemática perfeita dos meus cálculos do simulado. É realmente uma pena não conseguir enxergar as variáveis, ter que aceitar tanta coisa sem, no mínimo, um "aproximadamente".

Pra mim, no entanto, o que a diretora fez não foi diferente do que o Vitor fez. Talvez o Vitor não tenha feito com uma intenção "suicida", mas talvez fosse mais "experimental" (ou não, a Geléia insistiu muito pra me convencer que ele não era nada daquilo), enquanto a "dona Sandra" ia realmente deixar uma garota sozinha e trancada dentro de uma sala. E com que cara a menina ia enfrentar a realidade de que "sua mãe morreu depois de engolir um monte de remédios"? Ué... remédios não deviam curar pessoas ao invés de matá-las?

Meu instinto egoísta me dizia que toda mãe podia ter uma nova filha, mas nem toda filha podia gerar uma nova mãe. Então, sim, eu fiquei com raiva da diretora. Mas acho que era algo passageiro. Como quando fiquei revoltado de ter que salvar a vida de uma garota que eu mal conhecia. Como quando o Charles esqueceu de todo mundo que estava do lado dele, inclusive eu. Demorou pra compreendê-la, mas eu consegui. E quando consegui, me senti bem.

Mas o rosto da garotinha sempre voltava pra minha mente. E... o rosto da Bruna vinha. Mas eu confiava que a tia Solange e a tia Katia, pelo menos, estariam vigiando ela de alguma maneira.

Quando o Vitor saiu (como se algo muito maior do que a própria raiva da direção da escola tivesse possuído ele por dentro), eu levantei e encostei na porta da diretora. Ela pediu que eu entrasse e me acomodasse. Ficamos alguns minutos em silêncio. Ela olhando para uns papéis na mesa. Talvez não soubesse como começar o assunto, e dava pra perceber que ela não estava lendo absolutamente nada porque seus olhos não acompanhavam nenhum ritmo padrão de leitura.

— O que aconteceu com o Vitor? — ela continuou olhando os papéis. — Suspenso? — nenhuma reação. — Expulso? — ela fez um "sim" com a cabeça.

RascunhosOnde histórias criam vida. Descubra agora