Camila
Aliso os cabelos da menininha adormecida com a cabeça em minhas pernas.
Estou na casa de Shawn, sentada no sofá de frente para a televisão, a qual transmite os créditos finais de uma animação da Disney sobre uma garota corajosa que sai pelo oceano à procura de sua história. O desenho animado é bom – Ellie não pode dizer o mesmo, uma vez que não se manteve acordada por tempo suficiente. Seu corpo mole está entre nós dois, os pés no colo de seu pai, e tudo o que se pode obter dela agora é um ruído baixo, um tipo de ronco agradável de ouvir.
Seu cansaço é justificado: passamos a tarde juntas, fazendo "coisas de garotas" em um salão. Isso elevou sua potência ao nível máximo; nunca imaginei que algo tão simples pudesse deixá-la naquele estado de euforia, falando pelos cotovelos com todo mundo. Ainda estou tentando entender como um serzinho deste tamanho pode ter tanta energia. Se eu não estivesse aqui nesta manhã, diria que a menina consumiu uma dose excessiva de cafeína.
Eu poderia ter ido pra casa no minuto em que o sono a pegou, mas a mão de Shawn, apoiada no encosto do sofá e massageando minha nuca de maneira tão distraída, me impediu de levantar a bunda do lugar. Seu toque lento tanto me acalma quanto excita, tornando difícil manter a mente concentrada.
Oh, bom Deus, eu acho que preciso de um pouquinho mais de força de vontade aqui, sim?
— Eu... Ãh — limpo a garganta — Eu acho que é hora de ir... — digo baixo, para não despertá-la.
Ele interrompe o movimento, mas não retira sua mão.
— Fique.
Viro-me para encará-lo e encontro sua atenção fixa em mim. A televisão é a única a iluminar a sala e, mesmo na pouca luz, a intensidade em seus olhos me faz respirar com dificuldade.
— Eu vou colocar Ellie na cama. Fique para uma taça de vinho, Camila. — sua voz baixa, séria, alastra arrepios por minha cintura.
Tudo o que consigo fazer é concordar, em um aceno de cabeça.
Meu vizinho sustenta o olhar em mim por um longo momento. Nas íris escurecidas, leio uma mensagem clara: já não adianta tentar fugir. Estou entrando nisso sem nem saber, de fato, o que estamos fazendo. Minha única certeza é a de que não me sentia desta maneira há muito tempo.
Covardemente, desvio de seus olhos e passo a focar no rosto de sua filha. Espero ele se levantar.
Enquanto Shawn se prepara para pegar a criança, tomo meu tempo percorrendo o bom corpo do médico – aparentemente, consegue algum espaço em sua agenda para treinar. A calça jeans surrada se agarra à sua bunda e cai no quadril espetacularmente, como se a peça fosse feita sob medida pra ele. Do mesmo modo, a camiseta cinza de gola "V" ajusta-se aos seus braços e peito. Em seu pulso, um bracelete artesanal de tiras finas em couro trançado concede despojamento à aparência. Atraente, principalmente agora, de pés descalços tocando o chão.
Aqueço quando pego seu sorriso de maus modos me mirando.
— É melhor você não me olhar assim.
— A-assim como?
— Como se quisesse o mesmo que eu.