Camila
Shawn dirige compenetrado no caminho de volta para casa. Depois que saímos do hospital, pouco conversamos, tornando o silêncio no interior do veículo quase ensurdecedor.
Avalio seu perfil por alguns instantes, ainda no uniforme de socorrista, muito sério, prestando atenção no trânsito à nossa frente e… mantendo certo distanciamento de mim. Ele ficou no hospital, esperando o efeito da glicose comigo, ao meu lado, por mim. Isto é uma prova do quanto se importa… e só me faz sentir-me como uma fraca por fugir.
Limpo a garganta, pensando no que dizer para quebrar o silêncio.
— Este carro não é seu.
Impressionante, quanta sagacidade, Camila, me repreendo.
— É do JP. Ele levou ao hospital para mim.
Enrugo meu lábio para o lado, desconcertada pela resposta sem emoção. Estamos sem jeito um com o outro. Até alguns dias atrás, tudo fluía tão bem entre nós, e agora mal sei como puxar um assunto decente.
— JP é uma abreviação para…? — mando a próxima questão estúpida em que consigo pensar.
Shawn tira a atenção da direção, brevemente, e estreita seus olhos, olhando-me com atenção.
— Por que o interesse? — apesar da fachada tranquila, sinto o território familiar em sua fala.
Quero rir, feliz por este pequeno pedaço dele.
— Ciúmes, doutor?
Um meio sorriso corta o canto de seus lábios quando volta seu rosto para a avenida.
— Alguns hábitos não mudam.
Deus, eu amo isso, a energia, a vibração que sinto em sua presença.
— É reconfortante saber que não sou a única, apesar de tudo. Por falar nisso, encontrou sua amiguinha no hospital? — não escondo a ironia na palavra “amiguinha”, mesmo não tendo qualquer direito sobre ele. Eu o perdi no momento em que me afastei.
O que era para ser uma provocação altera seu semblante. Noto o pulsar do músculo de sua face ante o aperto da mandíbula, até mesmo o caroço em sua garganta move-se de maneira diferente, parecendo engolir algo ruim.
Mas que raio…?
— Emanuelle não é uma amiga, Camila. Acho que nunca foi. Eu apenas demorei a descobrir — a secura me surpreende.
Meu rosto formiga, não gostando nada de como ele parece incomodado a respeito disso.
— O que ela te falou? — é a única explicação que encontro.
Provavelmente a mulher lhe disse aquilo de eu ser uma distração… Mas não sei se explicaria a forma rígida como se corpo de repente se estabeleceu, parecendo guardar a ferocidade para si.
— A pergunta certa é o que você me falou — olha-me novamente, de maneira intensa.
Oh, merda. O que foi que eu disse?