Camila
Chego ao meu apartamento junto com a claridade da alvorada. Outra vez. O latejo na cabeça e dormência nas juntas são apenas indícios de que passei mais uma noite em claro. Isso acontece há exatos seis dias. Seis dias sem Shawn. A definição de minha última semana se resume a viver no piloto automático, evitar encontrá-lo, e sofrer com isto.
No trabalho, o ambiente está se tornando insustentável. O imbecil precisa apresentar uma nova coleção a um grande cliente, e ontem reclamou de minha pouca contribuição nas reuniões de criação. "Me preocupa este seu estado ausente", foi o que ele disse. Tive vontade de rir de quão patético ele é, agindo com superioridade o tempo todo quando é dependente do que eu faço, como se sua própria capacidade de criar não existisse.
Estou por muito pouco de mandar tudo pelos ares. A LeCher era um sonho, mas hoje já não sinto a mesma emoção em estar lá.
Diante da pia do banheiro (ainda enrolada na toalha, depois de um banho escaldante como autopunição), jogo água fria no rosto para tentar enfrentar o dia e... paro, observando meu reflexo no espelho parcialmente embaçado. Cansada, pálida, sem vida, olhos avermelhados. Esta sou eu. E não encontro ânimo para fingir estar melhor.
Visto-me sem muita expectativa. Nada de maquiagem também. E (assim como tenho feito na última semana, desde que Ellie teve alta no hospital e voltou pra casa), antes de sair, ligo para a portaria, querendo saber se Shawn já foi trabalhar. Tão somente depois da confirmação de sua saída é que faço o de sempre: à surdina, passo no apartamento dele para ficar alguns minutos com a Matraquinha.
Evitá-lo é tudo o tenho feito. Estou agindo como uma covarde com esse homem, porque, honestamente, não tenho forças para terminar tudo frente a frente. Ao invés disto, optei por desligar meu telefone e dormir todos esses dias no apartamento de Peter, vindo pra cá somente de manhã, logo que o dia clareia... não para me vestir, mas para passar alguns minutos com sua filha, desfazendo nossos laços pouco a pouco, sem que ela sinta o baque ou sofra com isso. Ao contrário de mim.
No fundo, é melhor assim. O melhor que eu faço para todos é me afastar.
Quando contei ao meu irmão o que houve, não precisei explicar muito, Peter compreendeu meu estado. Abraçada a ele, chorei por horas, como a mesma mulher que fui um dia. Sempre que fecho os olhos, a imagem de Ellie se mistura com a de Clara, ambas desfalecidas em meus braços. Acho que só quem já passou por algo assim pode entender o medo, medo não, o pânico, a impossibilidade, a angústia.
Diante da porta deles, sorvo uma respiração profunda e dou duas batidas de leve. Mari está de volta para cuidar de Ellie. É ela quem atende, e não a Matraquinha. A mulher me lança um olhar benevolente, parecendo saber o caos em que me encontro.
— Bom dia, Mari.
— Bom dia. — diz, afastando-se para o lado, a fim de que eu entre.
Ao colocar os pés para dentro, me surpreendo ao encontrar Ellie no telefone. Enquanto conversa com quem quer que seja, ela parece, não sei, tímida, arranhando seu pezinho no tapete, ombros encolhidos.
Percebendo que estou observando, Mari explica atrás de mim.
— Um coleguinha da escola, Gabriel, pediu que a mãe ligasse para ele conversar com a Ellie. O garoto estranhou a ausência dela e se preocupou.— percebo o contentamento embargado de Mari —Acho que ela está fazendo um amigo.