24.

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Camila

Sinto um toque muito macio pousando no meu rosto, quentinho, suave, leve. Tão bom que me convida a não abrir os olhos de imediato, apenas desfrutar um pouco mais.

Lentamente, sem pressa, abro e encontro íris expressivas, esverdeadas, como as de seu pai, concentradas em mim. Sua respiração quente chega a tocar meu rosto de tão próxima, compartilhamos o mesmo travesseiro. A mãozinha viaja pelo meu rosto, trilhando um caminho que seus olhos também percorrem. Há uma emoção comovente na contemplação.

Descanso minha mão por cima da dela, contra minha bochecha.

— Bom dia, Ellie — sussurro.

Seus lábios se curvam em um sorriso tímido.

— Você dormiu na minha cama?— o tom de voz baixinho, imitando o meu, me faz sorrir também.

— Aham, eu queria saber como é dormir na cama da Cinderela. 

Os olhinhos se trancam nos meus, hipnotizados pelo que eu disse.

— Você gosta da Cinderela?

Mais cochichos.

— Sim, gosto, mas sabe o quê? — com o dedo polegar, aliso sua mão abaixo da minha — A minha princesa preferida é a Bela.

— Eu também adoro a Bela... — ela delibera, encantada por minha escolha.

Sou eu a suspirar. Deus, eu não me vejo mais ficando longe desta menina. Não me vejo. Como isso é possível?

Trago sua mãozinha até minha boca e planto um beijo em sua palma.

— Você está bem? — murmuro.

— Aham — a resposta, segura, faz parecer que a noite anterior nunca aconteceu.

Avalio sua expressão atrás de alguma pista de que a menina se lembra, mas Ellie tem esta peculiaridade: ela absorve o momento ruim e ele simplesmente deixa de existir. Tenho notado isso desde que a vi no saguão esperando a discussão entre Shawn e sua mãe acabar. Eu só não tenho certeza se o comportamento é bom para ela, no final das contas.

— Camila...? — ela sibila.

— Sim, Ellie?

— Meu papai sabe que você dormiu aqui?

Pigarreio, refletindo uma resposta.

— Na verdade — a voz grave de Shawn nos surpreende; vindo da porta, parecendo ali há algum tempo nos observando —, eu também dormi, filha.

Sim, nós três adormecemos na cama da Cinderela. Se alguém tivesse me dito algo assim há alguns meses, eu teria rido e desconsiderado a ideia. No entanto, na última noite, mesmo apertada entre eles, imobilizada, cuidando para não me mexer muito e acordá-los, eu simplesmente fechei meus olhos e curti o momento – um vislumbre do que poderia ter sido a minha vida há alguns anos. O sonho de viver uma paixão, o casamento prematuro, uma linda bebezinha não planejada... e, no instante seguinte, tudo ruindo à minha volta.

Respiro bem fundo. Olho-o por cima do ombro, sem me desconectar de Ellie.

— Bom dia — ele diz agradavelmente rouco, ancorado contra o batente, os olhos mirando os meus, intensos.

Não sei bem dizer o que se passa em sua mente agora, mas posso ter uma ideia, a partir das batidas fora de compasso em meu peito

— Bom dia... — respondo baixo. Mudo meu olhar para a menina — Agora tenho de me arrumar para o trabalho, mocinha... — bato suavemente na pontinha de seu nariz.

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