Shawn
Desde o minuto em que a reconheci dentro do veículo, estou tendo de aplicar um esforço extra para manter a mente concentrada e fazer o meu trabalho. Ter Camila na condição de vítima sendo socorrida é algo que eu jamais esperava, estou tomado de tantos sentimentos que pouco sei como gerir: saudade desta mulher, irritação pela distância de merda colocada entre nós, um incômodo no peito por ser ela a precisar de ajuda, e agora me forço a sustentar a impassibilidade diante de suas palavras.
Eu deveria pedir que Camila poupe suas energias. Há uma séria possibilidade de concussão para esta batida acima de sua sobrancelha. No entanto, ainda que não me orgulhe aproveitar deste seu estado, opto por deixá-la falar. Mesmo embriagada, esta é primeira conversa (se é que se pode chamar assim) que temos em muitos dias.
Prendo seus olhos nos meus, querendo entender o que, de repente, ela está dizendo. Que porra de história é essa de Manu dizer à Camila que ela me distrai?
— Quando ela te disse isso? — sondo, calmamente.
Camila enruga os lábios em um beicinho desgostoso.
— No dia em que eu deixei aquilo acontecer à Ellie... — soluça e tenta segurar a boca, mas sua coordenação e reflexo estão afetados demais para isso — Ela me deixou lá fora, Shawn, disse que você tinha me mandado ir para casa e nem sequer me deixou ver a Ellie!
Lágrimas tomam posse de seus olhos.
— Ela me pediu para me afastar de você...Eu a odeio... mas aquela cobra tem razão. Eu preciso mesmo me afastar de vocês, eu não tenho capacidade para cuidar da Matraquinha, vou acabar machucando a todos.
A paixão na maneira como cada frase sai em meio às lágrimas, parecendo realmente ferida, me atinge forte pra caralho.
Diana olha para trás, para nós, em silêncio, me fazendo saber que chegamos ao HC.
Não pressiono mais Camila. Ela precisa de atendimento, fazer exames e checar se há algum dano em decorrência da pancada, e certamente receber uma dose de glicose para combater todo o álcool em seu organismo. Calo-me, em verdade, para assimilar e compreender o que acabo de descobrir... até mesmo nas entrelinhas.
Médicos de plantão levam uma embriagada e falante Camila para receber atendimento.
Confiro o relógio do celular. Já é hora de encerrar o turno, e mesmo que não fosse, não pretendo deixá-la aqui sozinha.
— Diana...
— Fique, Shawn. — Diana toca meu ombro— Eu levo a ambulância de volta ao batalhão —ela muito provavelmente ouviu tudo o que foi dito entre nós.
Enquanto minha mulher passa pelos cuidados necessários – sim, Camila é minha mulher —, me encarrego de esclarecer algo que eu já deveria ter feito.
Aperto as extremidades da mesa em que estou escorado e a espero em seu consultório. Aproveito o tempo para botar os pensamentos em ordem.
Dizer à Camila para se afastar de nós? O que, raios, ela pensa que está fazendo tentando interferir na minha vida desta forma? Embriagada ou não, o que Camila disse revelou um lado desconhecido de Emanuelle. Deixar minha mulher para o lado de fora do quarto de Ellie, fazê-la acreditar que eu não a queria lá... Que tipo de pessoa é essa? Nós nos conhecemos há tantos anos, como alguém pode simplesmente esconder uma face tão obscura?