Shawn
Lutar contra a morte diariamente transforma a maneira como você enxerga a vida. Frágil, a uma linha fina de romper a qualquer minuto.
Sangue, oxigênio, alimento, somos um grande sistema de pendente de tantos fatores acontecendo simultaneamente, e que irremediavelmente foi criado com uma validade. Pode não ser hoje, ou amanhã, mas eventualmente acontecerá. Tudo está determinado a ter um fim, é uma ciência exata. Eu deveria acatar isto com naturalidade... mas quando este conhecimento também se aplica a alguém a quem se ama, você simplesmente não pode aceitar.
Quando o eixo central de seu universo se aproxima daquela linha, tudo o que você faz é fechar os olhos e pedir, com toda a sua maldita força, para que o que quer que tenha criado a todos nós interceda e reverta a ordem natural da existência. É nesta hora que você se dá conta de que a ciência não é a responsável por mover o mundo, e sim a fé.
O intervalo entre nascer e morrer, curto demais, está atrelado a uma decisão maior de um Ser superior. Tudo dependente de sua vontade. Pela segunda vez, estou fechando meus olhos e pedindo a Ele que devolva minha filha para mim, assim como fez há alguns anos. Eu amo esta criança de uma maneira impensável. Eu daria minha vida por ela, se me fosse permitido.
Aliso seu rostinho sereno, deixando que minhas lágrimas escorram livremente.
— Fique bem, filha. Fique bem.
O som da porta sendo aberta me faz olhar, por reflexo.
— Oi... — a enfermeira da ronda retorna para as checagens.
Confiro o horário no relógio do monitor. Quatro e quinze da manhã. Estou tomado de tanta consternação que mal consigo respirar. Tenho medo de quebrar a qualquer minuto e não estar aqui quando ela acordar.
— Oi, Elis.
Esfrego meus olhos.
— Vá tomar um café, doutor. Eu ficarei aqui por alguns minutos.
Minha mente reluta contra a ideia. Meu corpo, no entanto, pede que eu me aproxime de uma janela aberta e inspire profundamente, para afastar este marejo na boca do estômago. Tenho de estar forte por Ellie.
— Eu vou, mas não demoro. Obrigado.
Ela sorri.
Beijo o topo da cabeça da pequena.
— Papai estará de volta em breve —murmuro.
Assim que saio do quarto, encosto minha testa contra a parede fria. Preciso ser forte, por minha filha, eu preciso. Não posso falhar com ela, não de novo.
Sinto uma mão apertar meu ombro, abro os olhos e encaro, por sobre ele, Robson, o chefe da enfermagem.
— Ela vai ficar bem.
É o que todos dizem.
Meneio a cabeça.
— Obrigado, cara.
Não espero por seu olhar de comiseração, recupero-me e sigo pelo corredor para fora desta ala. Necessito de ar. Necessito urgentemente de ar. É como se este lugar me impossibilitasse de respirar e...