A mãe que você deixou para trás

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Depois de um dia cansativo de trabalho, Otávio passou pela entrada do prédio comercial em que ficava o escritório em que trabalhava. O entra e sai de pessoas era sufocante, o vapor quente vindo da rua deu choque térmico em sua pele acostumada com o ar-condicionado. Entre as pessoas que circulavam por ali, apenas uma estava parada. O advogado ergueu o olhar para o homem apoiado sobre a moto e sorriso faceiro aberto em sua direção.

Era difícil não sorrir de volta para Tales, ele tinha uma energia que contagiava. Embora estivesse com raiva pelo amigo ter sumido nos últimos tempos, não conseguiu expressá-la, aproximou-se pronto para dar um abraço digno de matar a saudade. Taleco riu com gosto ao sentir os braços do amigo o envolverem.

— Por onde você tem andado, seu problemático!? — Otávio reclamou segurando o rosto do amigo.

Olhou bem nos olhos castanhos do mais alto, procurou por algum arranhão pelo rosto, mas só encontrou aquela pele alva de sempre, uma pintinha perto do nariz e outra no queixo, o sorriso metálico de aparelho.

— Também senti sua falta. — respondeu — Vamos tomar um café? Preciso falar com você.

Otávio assentiu temeroso. Como advogado, sabia que certos tipos de conversa com Tales não costumam ser animadoras, dava até um frio na barriga quando ele falava daquele jeito. Dizia levar seu trabalho com frieza, porém, quando se tratava do melhor amigo, era diferente; não conseguia ser imparcial e odiava Tales metido com encrenca.

Sentaram-se nos fundos da cafeteria mais próxima do trabalho de Otávio e pediram dois cafés.

— Desfaz essa cara, eu não fiz merda — o amigo avisou com o jeito descontraído de sempre.

— Então, o que está rolando? - perguntou.

O sorriso aumentou no rosto do rapaz e ele passou a mão pelos próprios cabelos.

— Queria que você fosse o primeiro a saber pela minha boca. — anunciou deixando Otávio curioso — Eu vou ser pai, — contou — a Ana Clara está grávida.

O advogado não deixou de sorrir, contudo deu um gole no café com certa preocupação. Tales é muito alto astral para ver a vida do mesmo jeito que ele, Otávio não pôde deixar de pensar que seu amigo é um cara de ficha suja que trabalha com negócios ilícitos e vai ser pai.

— Parabéns! - exclamou fazendo um hi-five com seu amigo de infância — A Ana Clara não tinha terminado com você?

— Tinha. — respondeu baixando o olhar para sua xícara de café e diminuindo seu sorriso — Eu disse que ela tinha terminado de uma hora para outra, né?

— Não foi de uma hora para outra. — interferiu Otávio — Convenhamos que você vacila bastante.

O rapaz deu de ombros cabisbaixo. Não podia discordar.

— Ela terminou assim que soube que estava grávida. — falou — Queria dar um futuro melhor para o nosso filho e, nesse futuro, eu não cabia. — disse as palavras como se fossem navalhas cortando a sua boca — Sabe o quanto isso dói? — indagou direcionando os olhos castanhos ao amigo — Saber que eu sou lesivo para mulher que eu amo, para o filho que eu mesmo fiz. — pausou mexendo no café com a colher de plástico — Eu tive uma longa conversa com a Ana Clara, me fez perceber o quão mal eu tenho feito para minha família, para todo mundo que me ama. Para você — ergueu os olhos para Otávio.

O advogado respirou fundo. Aquilo era verdade. Ele tinha traçado um futuro ao lado de Tales, entraram para faculdade juntos, era para terem aberto um escritório de advocacia só deles, morariam juntos até os dois se casarem e matricularem seus filhos na mesma escola. Contudo Tales escolheu outra vida, começou a se aventurar nas corridas de moto e apostar dinheiro, então descobriu o contrabando de peças e os roubos. Quando percebeu, já tinha uma ficha criminal de tamanho considerável.

O que você deixou para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora