O carnaval deixou Otávio melancólico. Ele achava que estava superando o luto, passou por várias fases até ali — a negação, a revolta, a tristeza que parecia não ter fim, a saudade descontrolada, a fase de querer falar do Tales o tempo todo, a fase em que lembrar dele doía, a fase em que as memórias boas confortavam —, achou que já pudesse bater o martelo de que o luto tinha passado, mas o carnaval chegou. No feriado do ano passado, Tales estava brigado com a Ana Clara, então os dois foram farrear numa festa à fantasia com os amigos da antiga. Eles faziam uma festa daquela desde os dezesseis anos.
A lembrança do ano anterior não deixava esquecer que eles se fantasiaram de Kiko e Chaves. Otávio teve que rir mesmo com os olhos cheios de lágrimas, eles eram muito bregas um com o outro e precisava admitir isso. Na foto, o copo de cerveja na mão de Tales estava quase vazio, o rosto dos dois amigos estava avermelhado e Otávio já tinha perdido seus óculos. Foi uma ótima festa. Teria curtido mais se soubesse que era a última.
O grupo dos garotos voltou a se agitar perto do carnaval para combinar a festa daquele ano. Vendo que Otávio não se manifestou, Gustavo mandou uma mensagem no privado para convencer o amigo de infância a ir. O advogado não teve ânimo para procurar uma fantasia, improvisou qualquer coisa com a velha camisa do Fluminense que tinha em casa só para dizer que estava vestido de jogador de futebol. Sua mãe mandou uma travessa de empadão de frango e ele lamentou que aquele seria o primeiro carnaval deles sem a torta salgada da tia Sílvia. Os garotos se animaram ao vê-lo chegar com as latas de cerveja, recebeu abraços calorosos antes que tivesse tempo de se ajustar na festa.
Para animar e incentivar Otávio, Vitor, que faltava a festa todos os anos, apareceu. Um coro de gritos animados preencheu a laje da casa do Fernando e começou a zoação pelo fato de Vitor ser evangélico e estar naquele ambiente cheio de cerveja.
— O pastor liberou? — provocou Gustavo.
— Maior ainda! Minha esposa liberou — gargalhou cumprimentando os amigos.
Aquela galera toda se conheceu na rua, moravam em pontos diferentes da Rua Belém. Alguns se conheceram jogando futebol na pracinha, outros estudaram na mesma escola particular do bairro, outros frequentaram a igreja que fica perto da praça. E, assim, a galera deles foi sendo formada. Os acontecimentos da vida foram o distanciando. Vitor e Fernando se casaram; Gustavo até teve um filho, porém é o primeiro separado do grupo; Leandro se mudou para o interior do estado e só voltava em datas festivas; Otávio se tornou um advogado ocupado e Tales... Todo grupo grande de amigos de infância tem que ter alguém que morreu jovem.
Bebendo se tornou mais fácil de superar a falta do seu amigo sonso ali. Sabia que, naquele momento, se o mundo fosse justo, Tales estaria ao seu lado fazendo stories da mesa de bebidas, tirando fotos de Otávio contra a vontade dele e o chamando de gostoso só para provocá-lo. Em algum momento da festa, o branquelo iria inventar uma mistura de bebidas improvável que faria todo mundo vomitar até o fígado no dia seguinte. Depois que estivesse bem alto, iria até a caixa de som tirar as músicas de festa e trocar por Tim Maia. Ele amava Tim Maia.
— Ei, cara! Você está bem? — Vitor perguntou.
Otávio assentiu por mais que não estivesse tão bem assim.
— Você está bem? — retrucou apontando para o copo de vodca com suco de abacaxi na sua mão.
— Eu sei beber. — defendeu-se — É um copo só, logo eu volto para o meu suco. — explicou — Vim só por sua causa, sei que o resto do pessoal iria estar louco demais para te dar atenção. Eu imaginei que o carnaval seria mais difícil para você, vocês dois aproveitavam cada segundo do feriado até a quarta feira de cinzas.
Ele umedeceu os lábios pensativo, todos os últimos carnavais passavam como um flashback em sua memória.
— É muito estranho que ele não esteja aqui. — olhou para a festa ao redor — Parece que tem algo errado, aí dá uma sensação esquisita de angústia... — fez careta.
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O que você deixou para trás
RomanceTales passou a vida buscando aventuras e liberdade sem parar para perceber todas as coisas boas que o cercavam. Otávio passou a vida arrumando tudo o que o melhor amigo bagunçava e, com a morte dele, não foi diferente. Mesmo vivendo a maior dor da s...