Ainda na missão de mexer no celular de Tales, Otávio pensou várias vezes se devia fazer aquilo, mas se viu movido por um instinto que não sabia de onde vinha. Selecionou o ícone com a foto da mulher de cabelos descoloridos e óculos escuros, riu do nome selecionado por ele: "Rabujenta". Clicou no ícone com o microfone e o aproximou de seus lábios.
— Boa noite, Pamela! É o Otávio aqui. Não sei se você soube que sua mãe deixou o celular do Tales comigo, eu sei a senha. Resolvi te mandar umas mensagens dele para você que eu vi aqui, nenhuma foi visualizada, não sei se você bloqueou ele ou apagou as mensagens. Enfim, são áudios bem importantes gostaria que você escutasse.
Diferente das mensagens antigas, ela visualizou e digitou um "ok" como resposta. Então ele enviou. Não pôde deixar de dar play novamente nos áudios, andava viciado em ouvir a voz de Tales.
— Oi, Pamela-cara-de-panela! — ele riu na mensagem de voz — Já parou para pensar que vai fazer um ano que você não fala comigo?E já é quase natal. — continuou — A mãe falou que você vai passar o natal na casa da sua sogra e eu sei que é porque eu vou passar o natal aqui, fiquei muito chateado com isso. Aliás, fico chateado toda vez que você está aqui, me vê e finge que não viu. — ele ficou em silêncio por um tempo — Apesar disso, eu não te julgo e te entendo. E nem consigo sentir raiva de você por isso, viu? Eu não tenho esse direito. Eu sei que, quando você me olha, você vê todo dinheiro que gastou na minha educação jogado no lixo, todo tempo que você dedicou a mim desperdiçado. Eu fui seu primeiro filho, tenho ciência disso. E eu também vejo você e Marcela como minhas mães. Eu te amo, irmã, e eu sei que você me ama. Nem adianta me olhar com aquela cara de nojenta que eu sei que você me ama muito! — gargalhou para descontrair — Desculpa por tudo, Pamela. Amo você! Dá um beijo no Bento. Diz que o tio Taleco está com saudade. Responde essa mensagem, por favor.
Sentiu uma sensação de dever cumprido ao enviar esse e outros áudios.
Ainda estava assustado com tudo o que aconteceu, lembrava-se de seu encontro com Tales como se fosse um fato e não um sonho, apesar de saber que estava dormindo. A saudade doía menos desde aquele encontro, a lembrança do amigo estava mais vívida em sua mente e se pegava pensando nas informações que ele lhe passou. Mesmo não sendo um cara místico, estava seguindo cada orientação sem pensar duas vezes.
Assim como fez ao apertar a campainha do pequeno apartamento com aqueles potes quentes nas mãos. A porta se abriu revelando a garota mais baixa que ele com duas trancinhas no cabelo loiro escuro, vestida num pijama de frio cor de rosa que a deixava adorável, seus pés estavam cobertos por meias com estampa de ursinhos e a ponta de seu nariz estava avermelhada. A imagem seria adorável se ela não estivesse com os olhinhos levemente inchados e a feição melancólica.
— Otávio! Aconteceu alguma coisa? — ela questionou com a voz levemente fanhosa.
— Você estava chorando? — perguntou intrigado.
Ela negou com a cabeça e lhe deu passagem para entrar, coçou o nariz e fungou.
— Está frio, deve ser a rinite. — respondeu — A que devo a visita?
— Minha mãe mandou caldo de abóbora para você — disse erguendo o pote coberto por pano de prato.
— Mentira! — os olhos brilharam e ela abraçou o pote com toda a pressa do mundo.
— Cuidado porque está quente! — avisou indo até o sofá-cama.
Várias cobertas estavam por ali, a TV estava pausada num vídeo de uma música do Caetano Veloso. Chutou os tênis ficando só de meias e colocou as pernas para cima do sofá-cama, passou a mão pelo estofado procurando o controle remoto e encontrou uma fotografia, uma imagem de Tales abraçado à cintura da namorada. É claro que ela estava chorando.
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O que você deixou para trás
Roman d'amourTales passou a vida buscando aventuras e liberdade sem parar para perceber todas as coisas boas que o cercavam. Otávio passou a vida arrumando tudo o que o melhor amigo bagunçava e, com a morte dele, não foi diferente. Mesmo vivendo a maior dor da s...