O pós-parto que você deixou para trás

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Otávio colocou a chave na fechadura, mas não girou, dava para ouvir o choro de Tales do fim do corredor. Respirou fundo e girou a chave para entrar no apartamento. Todo dia era assim, procurava passar uma vez por dia para ver seu afilhado, às vezes antes do trabalho, às vezes depois.

Assim que abriu a porta, bateu os olhos em uma Ana Clara devastada, de olheiras fundas, cabelo preso num coque desgrenhado, roupa cheirando a leite e o peito preso na boca do bebê que finalmente se calou. Ela emagreceu mais rápido do que ele pensava, amamentar e dormir pouco estava sugando todas as suas energias. Queria poupá-la de alguma forma, mas a maioria das coisas estava fora de seu alcance. Aquela conexão surreal entre mãe e filho tinha um preço, não dava para substituir Clara na vida do bebê.

— Eu nem vou perguntar se está tudo bem — ele murmurou fechando a porta atrás de si.

Ana Clara soltou um suspiro cansado e foi se sentar no sofá.

— Jéssica o levou para tomar vacina ontem? — perguntou a seguindo.

— Levou. Por isso que ele está assim. — encarou seu bebê faminto com pena — É a vacina mais pesada, a pediatra avisou que seriam 24 horas difíceis. Ele já deu febre, não consegue dormir por mais de uma hora... — sua fala foi interrompida pelo garotinho largando o peito dela para chorar.

Em quinze dias de Tales nesse mundo, Otávio já perdeu as contas de quantas vezes ele viu os peitos de Clara. Sempre tentava desviar o olhar, não ficava encarando e ela agradecia o respeito já que era algo que acabava fugindo de seu controle. Ana Clara puxou o sutiã de amamentação de volta lamentando o recomeço da choradeira, o pequeno ficava vermelho, fechava os punhos e gritava alto. O padrinho pegou o menino dela vendo o quão desesperada a loira aparentava.

— Shiiiiu! Sem choro. Vem para o colo do dindo — ele chamou acomodando o menino em seus braços.

O choro diminuiu de intensidade ao perceber o tom de voz masculino, Otávio resolveu se aproveitar da vantagem natural que tinha sobre o garoto e começou a conversar com ele. Não deixou de reparar a casa meio bagunçada ao redor deles, Ana Clara ainda não podia fazer qualquer esforço por conta da operação.

— Onde está sua mãe? — perguntou caminhando pela sala para conseguir vislumbrar a porta da cozinha.

— Saiu para resolver umas coisas do salão — respondeu.

Otávio teve que conviver um pouco mais com a mãe das Anas enquanto a quarentena de Clara durasse. Ao menos a bruxa estava dando aquela assistência no puerpério da filha. Conviver com ela era horrível, ele sempre precisava morder um pouco a língua para não provocar uma briga no apartamento.

— Eu não consegui cochilar nem dez minutos desde ontem, meu cabelo está coçando de tão sujo, eu sei que estou cheirando a leite... — o tom de voz dela era de quem estava a um passo de se jogar da janela.

— Calma! Vai lá tomar um banho, eu fico com ele.

— Ele vai chorar — argumentou.

— Ele está chorando no seu colo, não faz diferença. Toma um banho demorado e lava a cabeça, eu dou conta — garantiu.

Ana Clara forçou um sorriso no rosto cansado e saiu pelo corredor caminhando devagar por conta da cicatriz dolorida da operação.

— Acho que você também está precisando de um banho, rapaz. — disse cheirando a cabecinha do menino — O que acha de uma águinha morna? Bem relaxante, você vai gostar.

Antes de pegar Tales no colo, Otávio não sabia nada sobre procedimentos com bebê e, depois de uma semana, ele se sentia capaz de abrir uma creche. Esquentou água no fogão tendo o bebê em um braço só, providenciou um banho de banheira vendo uma evolução ao perceber o bebê com os olhos pesados ao ser acariciado pela água morna.

O que você deixou para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora