A dança que você deixou para trás

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Afastar não foi uma boa ideia, só fez mal aos dois, então Otávio cedeu e resolveu que não dava para evitar se aproximar. Ana Clara reclamou da rotina, só vivia as mesmas coisas todos os dias. Aliás, estava cansada de estar grávida e só sentir dor nas costas, queria se distrair um pouco, entrou numa fase do luto que enjoou do próprio choro, queria sair, ver gente, lembrar que ficou viva apesar das dores. O advogado também precisava admitir que suas tentativas de sair da rotina não foram bem sucedidas.

Levou-a para a Noite dos Advogados, um barzinho bem chique no Centro da cidade que era point de muitos advogados na hora do happy hour, ele conheceu o lugar assim que entrou na profissão, o dono era um advogado que não quis exercer a profissão. Aquele lugar era mais do que só um bar, dava para conhecer gente da mesma área e fazer ótimas parcerias de trabalho. Muita gente que não era do meio também frequentava, o ambiente era legal, tinha música ao vivo no fim de semana, a comida era boa, tinha mesa de sinuca, transmitia os jogos de futebol mais importantes no telão e tinha noites com DJ para o pessoal dançar.

Ana Clara não destoou do ambiente, acertou bem na escolha da calça de couro e do blusão largo, as botas de salto deram um pouco de nervosismo em Otávio, o medo de que ela desequilibrasse fez com que segurasse em seu braço toda vez que passavam por algum terreno irregular. Estava calado, meio desconcertado, perdeu a fala desde que a viu com aquele batom vermelho. Os cílios não eram dela, ele reparou por serem muito escuros, os cílios de Ana Clara são completamente dourados.

Ficou feliz de tê-la levado ali, ela parecia animada por estar fora de casa, comentou que nunca foi muito de balada, não gosta do conceito de ficar até tarde num lugar que não tem onde sentar e nem uma mesa bem farta de comidas. Por falar em comida, ela teve que furar a dieta que a obstetra passou e matar o desejo de comer um prato bem cheio de batatas fritas. Achou curioso que Ana Clara come as batatas só com maionese. Comia com tanto gosto que já tinha feito valer a viagem.

– Nossa! Acho que ele gostou das batatinhas – ela sorriu acariciando a barriga por cima da blusa cinza.

Otávio não conteve o sorriso. A mesa era estreita, do tamanho de uma caixa grande de pizza, dava perfeitamente para ele passar sua mão por baixo da mesa e sentir com suas próprias mãos a movimentação animada que acontecia dentro dela.

– Não é estranho estar num lugar que todo mundo trabalha com a mesma coisa? – mudou de assunto olhando ao redor.

– Tem bastante gente de fora. – murmurou – Em qual área você vai trabalhar quando acabar a faculdade? – puxou assunto.

– Com um bebê a caminho? Não sei se o mercado de trabalho vai estar de braços abertos para mim. – riu de nervoso e mordeu uma batatinha – Serviço social é uma área muito difícil e mal remunerada, a sociedade ainda enxerga esse estudo como caridade. – introduziu – Eu gostaria muito de trabalhar com a população de rua, sou apaixonada pelos estudos que explicam as várias causas que levam uma parte da população a ficar sem lar. Agora, que eu vou ter responsabilidades de mãe, eu sei que vou ter que me aplicar no mestrado para dar aulas e conseguir um dinheiro a mais.

– Mesmo sabendo que o mercado era difícil, escolheu esse curso? – questionou e deu um gole no refrigerante.

– É coisa de sonho. Eu não me imagino fazendo cabelo pelo resto da minha vida. – respondeu – Desde que eu tenho consciência que sou mãe, eu fico muito preocupada com o futuro, em como eu vou manter o Tales sozinha, nas coisas não darem certo, em eu não conseguir concluir a faculdade e o que isso pode custar para nós dois - admitiu.

– Não precisa se preocupar, – negou com a cabeça – eu nunca vou deixar faltar nada para vocês. – prometeu – Você pode estudar, não precisa se preocupar com o salário que vai ganhar. Faça chuva ou faça sol, não vai faltar o leite do Tales, a vestimenta, a escola, o plano de saúde. Eu vou dar conta.

O que você deixou para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora