Os cuidados que você deixou para trás

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Otávio batia o sapato social contra o chão impacientemente. Separou aquele dia porque só teria uma audiência pela manhã, mas não contava que demoraria tanto. Suspirou encarando o SmartWatch em seu pulso percebendo que já passava da hora do almoço, tentou se acalmar e focar no final da audiência de forma que sua pressa não prejudicasse seu cliente, porém não pôde deixar de respirar aliviado quando foi liberado daquele martírio embora seu cliente não tenha tido a mesma sorte e tenha continuado preso.

Depois de almoçar, a corrida começou ao buscar Talequinho na creche e levá-lo para a casa de Ana Clara por mais que ela não estivesse em casa, arrumou o menino com a roupa mais bonita que tinha. Tanta antecedência era motivada por já saber como sair com um bebê custava um mínimo de duas horas tentando sair de casa. E não estava errado. Quase saindo de casa, Tales sujou a roupa inteira causando uma crise de nervos em seu padrinho.

— O que te deram para comer nessa creche, garoto?! — Otávio ralhou afastando o garoto de perto da sua roupa e o colocando sobre o trocador como se fosse um saco de batatas — E você ainda ri? — questionou irritado para o garotinho de sorriso quase debochado — Quer estragar nosso encontro!? Eu ainda preciso pegar as flores, vamos impressionar a mamãe...

Ao ouvir falar da mãe, o sorriso se alargou no rosto do menino e ele mexeu os bracinhos animado.

— Sim, a mamãe. — o padrinho confirmou — Não quer vê-la? Então colabora com o dindo.

— Diiindo!  o menino repetiu deixando Otávio todo bobo.

O passo a passo foi feito: As flores, o combustível a mais no carro, o neném no bebê conforto, todos os lanchinhos do afilhado em uma bolsa, nada poderia dar errado. Otávio suava mais que o normal, estava nervoso e sabia que não deveria. Modéstia à parte, ele sempre foi um bom conquistador.

Estacionou o carro em frente ao abrigo municipal para mães que vivem nas ruas, esse era o lugar em que Ana Clara estagiava. Nunca havia estado ali, só ouvia relatos com muito brilho nos olhos da loira e, de fato, o ambiente se parecia com o que ela dizia, muito colorido e acolhedor.

 Sons de outros bebês foram ouvidos assim que adentrou o ambiente, aquele era um ambiente de acolhimento temporário para mulheres e seus bebês com menos de três anos de idade que foram encontradas nas ruas pela assistência social da prefeitura, algumas têm problemas com dependência em drogas e estão recebendo apoio psicossocial.

Otávio já decorou essa história inteira, Ana Clara falava de tudo o que estava vendo e aprendendo com tanto entusiasmo que ele já sabia os nomes e as histórias de todas sem sequer conhecê-las.

Parou na entrada vendo a loira no meio do salão falando. Não sabia ao certo o que ela estava fazendo, contudo estava falando com algumas pessoas e apontando algo. E ela era linda fazendo isso.

Talequinho também ficou muito feliz em ver a mamãe e soltou gritinhos histéricos conforme quase pulava do colo do padrinho para sair correndo atrás da mãe embora ainda não soubesse andar.

O instinto falou mais alto e aquele som de bebê pareceu particular demais diante de todos os outros abrigados no local. Ana Clara olhou para trás e ruborizou inteira quando seus olhos bateram no buquê de rosas nas mãos do advogado. Ele tentava equilibrar o menino agitado em um braço e afastar as flores do alcance de Tales com o outro. Todas as outras mulheres no local voltaram sua atenção para o buquê e Clara sentiu isso. Aproximou-se envergonhada e pegou o filho do colo do moreno ainda mantendo os olhos no mais alto, Otávio estremeceu ao perceber a surpresa nos olhos dela. Por alguns instantes, esqueceu-se do que deveria fazer, planejou tanto e as palavras lhe fugiram de sua boca.

— Oi... — Ana Clara disse quebrando o silêncio entre eles.

— Oi — ele respondeu e avançou um passo na direção da loira.

O que você deixou para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora