As canções que você deixou para trás

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— Tem certeza que está bem para ficar tanto tempo em pé? — perguntou dona Amália.

Ana Clara deu de ombros. É claro que sua barriga pesava, se sentia cansada e fadigada, sentia-se sem ar sempre que o bebê pressionava seus pulmões e precisava correr para o banheiro quando o garotinho em sua barriga pisava em sua bexiga. Resolveu esconder que sabia que seus pés estariam inchados mais tarde e os nervos de seus punhos ficariam dormentes devido aos movimentos excessivos nas mãos.

— Grávida, não inválida — respondeu.

Otávio olhou para a loira em tom de condenação e ela fingiu que não viu. Ele que massageará os pés dela mais tarde e ouviria as reclamações de dores nas costas. Mas o que fazer? Ela seria mãe, precisava do dinheiro.

— Eu trouxe minhas coisas de maquiagem — disse ela alisando os cabelos artificiais do aplique que dona Amália comprou.

— Ah, eu amo sua maquiagem! — a mulher falou — Não quero abusar das suas costas.

— Não abusa nada! — desdenhou — Vamos fazer um olhão preto para combinar com o penteado — sugeriu com um sorriso animado nos lábios.

O advogado bufou.

— Para quê isso? — Otávio perguntou.

— Vou jantar com o Paulo, não me espere acordado. — avisou a mãe tendo seus cabelos desembaraçados por Clara — O que me lembra: Aninha, deixa esse penteado bem firme, viu? Ele tem que durar a noite toda.

— Pode deixar, dona Amália — a moça riu entendendo do que a mulher falava.

— Eu não sou obrigado a ficar ouvindo essas coisas... — Otávio resmungou — Estarei no meu quarto de fones de ouvido escrevendo um habeas corpus.

Clara começou a trançar a base do cabelo da mulher enquanto ela relatava como conheceu Paulo anos atrás, namoraram por um tempo e o motivo do término foi a vida embaraçada dos dois à época. Amália não parecia apaixonada, parecia estar se divertindo, contava sobre seu namorado com certo encanto, porém nada de brilho no olhar, planos para o futuro ou empolgação, era só um momento muito bom. No mesmo assunto, a morena falou de outros ex-namorados e o que viveu com cada um deles.

Descobriu que dona Amália tem só 44 anos, é viciada em academia, costura vestidos de noiva para um ateliê renomado, adora fazer mudanças radicais no visual, tem botox na testa e usa lentes de contato porque enxerga tão mal quanto o filho. Se é para falar de amor, só um nome faz sentido para ela: Otávio.

— Eu era uma menina quando conheci o pai do Tavinho, — contou sentindo os dedos da jovem prender o aplique ao redor dos seus cabelos naturais — ele era mais velho, tinha trinta anos e eu só dezoito. A única coisa que arrumei no Rio de Janeiro sendo nordestina, sem estudo e grávida foi um emprego com limpeza na empresa que ele trabalhava. Era contador, não era rico, só vivia bem melhor do que eu. A gente se apaixonou de cara, contei minha história, nós fomos morar juntos. Ele se ajoelhou, me mostrou uma aliança e perguntou se podia ser pai do meu filho - relatou.

Clara não comentou nada porque tinha alguns grampos presos entre seus lábios para facilitar o trabalho. Percebeu a mulher respirando fundo para continuar a história.

— As pessoas diziam que não era amor, que era necessidade da minha parte, ele foi o único a me estender a mão. — continuou ela — Só eu sei o que eu sentia, Ana Clara. — colocou a mão sobre o peito — Otávio foi meu príncipe encantado, ele é a motivação de eu ter vindo para o Rio de Janeiro. Buscava por ele sem nem saber.

Ana Clara não deixou de se emocionar com o relato.

— O sentimento diminui depois da perda? — deixou sua curiosidade falar mais alto.

O que você deixou para trásOnde histórias criam vida. Descubra agora