Depois de muita correria, clientes presos, habeas corpus pelas madrugadas e audiências de custódia, era um dia tranquilo no escritório finalmente.
Otávio estagiou naquele escritório durante a faculdade e foi efetivado, o salário era bom, mas, no fundo de seu coração, ainda cultivava o sonho de abrir seu próprio espaço de advocacia criminal.
A arquitetura do lugar era de um conceito muito aberto, as paredes eram todas transparentes deixando o ambiente mais chique e os advogados com menos privacidade. Otávio vivia com a persiana fechada para ter um mínimo de sossego ao trabalhar. Se olhasse pela parede de vidro, conseguiria se visualizar mais jovem por aqueles corredores com seu amigo do lado.
Tales estagiava com Direito Civil enquanto ele sempre gostou da área criminal, encontravam-se na pausa para o café e aproveitavam para comentar sobre a vida dos advogados que trabalhavam ali, seu amigo amava uma fofoca e Otávio não negava que gostava de ouvi-lo.
Já no final da faculdade, o rapaz começou a se envolver com corridas de moto e a decepção veio quando ele rejeitou a oferta de trabalhar naquele escritório para se dedicar às apostas. Otávio ficou um tempo sem falar com ele depois daquilo, se sentia traído, eles planejaram fazer tudo juntos até o fim da vida, sentiu-se um lixo ao vê-lo começar a sair com outros amigos, a fazer coisas que nunca achou que Tales fosse capaz.
O advogado levou o copo de café aos lábios, tendo seu corpo apoiado sobre sua mesa. À sua frente, as persianas fechadas não eram suficientes para que ele não escutasse o som de documentos sendo digitados e telefones tocando.
O seu celular tocou e ele nunca rejeitava uma ligação de Ana Clara, não importava o momento, até porque a garota nunca liga em seu horário de trabalho.
– Oi, Clara – cumprimentou encarando os próprios pés e girando o copinho de café em sua mão.
Um som de choro se ouviu do outro lado da linha, ele jogou o copo de café no lixo exasperado com a ligação.
– Aconteceu alguma coisa? – perguntou nervoso.
– Não, – ela fungou – desculpa, é que eu fiquei emocionada. Eu estou na clínica onde eu faço ultra – disse ela com a voz chorosa.
– Está tudo bem com o bebê? – questionou ainda sem acreditar se seu choro era somente de emoção.
– Desculpa te ligar na hora do seu trabalho, – ela ignorou sua pergunta – você foi a primeira pessoa que eu pensei em ligar. É claro que eu também ficaria emocionada se fosse menina, eu estou chorando a toa o tempo todo. – riu entre as lágrimas tagarelando sem parar – Deu para ver o sexo do bebê, é um menino – contou e voltou a chorar de emoção.
Dava para sentir o sorriso dela apesar do som de choro. Otávio finalmente relaxou, caminhou de volta para sua cadeira e se sentou ali julgando-se incapaz de continuar de pé. Sua mente começou a trabalhar muito rápido tentando montar um rosto para aquela criança, para aquele menino que já começava a tomar forma em sua mente e, em breve, estaria em seus braços.
– Menino? – perguntou meio abobado – Isso é maravilhoso! – exclamou – Também seria se fosse menina.
– Sim. – ela concordou – É que já dá para imaginar como ele vai ser, dá para pensar num nome, dá para escolher as roupinhas... – divagou – Tem um menininho dentro de mim! – falou voltando a embargar a voz.
Um estalo despertou Otávio. Sim, tem um menino dentro dela!
Parece que só naquele momento percebeu que seu trabalho não acabava no parto, ele teria que cuidar daquele menino, levar no médico, ensiná-lo a andar, buscar na escola, comparecer nas apresentações de dia dos pais – porque seu afilhado não pode ficar sozinho no dia dos pais –, ensinar a andar de bicicleta, levá-lo aos jogos do Fluminense, orientar sobre o primeiro beijo, conversar sobre sexo, colocar camisinha na carteira dele, levá-lo para se alistar no Exército, fazer sua matrícula na faculdade... Deus!
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O que você deixou para trás
RomanceTales passou a vida buscando aventuras e liberdade sem parar para perceber todas as coisas boas que o cercavam. Otávio passou a vida arrumando tudo o que o melhor amigo bagunçava e, com a morte dele, não foi diferente. Mesmo vivendo a maior dor da s...