A rotina de Ana Clara era milimetricamente planejada, cada segundo era extremamente precioso. Acordava cedo, lavava as roupas do bebê, dava um jeitinho na casa, amamentava, colocava roupa de ginástica, colocava o menino no carrinho, passava protetor solar, prendia o cabelo num rabo de cavalo e saía para caminhar (ela tentava emagrecer e o garotinho acabava pegando o sol da manhã), arrumava tudo para passar o dia fora, deixava Tales na casa da dona Sílvia, passava seis horas no estágio, buscava seu filho no fim da tarde, amamentava novamente, estudava, deixava o bebê com Otávio e ia para a faculdade. Todos os dias, a exata mesma coisa.
Seu menino já começava a provar alguns sabores diferentes, Ana Clara tinha preferência em amassar as frutas para o filho começar a se acostumar com comida sólida. Além disso, com a sua ausência durante o dia, ele já tomava fórmula na casa da avó desde os quatro meses. Com isso, nem sempre Tales estava tão animado para mamar no peito e ela vinha percebendo que não era mais o alimento favorito do filho. Mesmo sem qualquer palavra, Clara já tinha notado a indiferença do bebê em relação ao leite de peito, mas nunca tinha sido rejeitada antes.
Encarava com as sobrancelhas unidas o rostinho do seu bebê se virando para o outro lado, os cantos de seus lábios entortaram para baixo e a testa dele franziu tal qual o pai dele fazia quando estava irritado. Ela tentou mais uma vez puxar o rosto dele para si e encaixar o seio em sua boca, porém a mãozinha minúscula espalmou contra seu seio e... Empurrou?
Aquele gesto magoou seu coração de uma forma que nunca pensou que uma pessoa tão pequena pudesse fazer. Sentiu uma lágrima escorrer pelo canto do olho, ficou desnorteada. Esqueceu-se que o tempo estava passando, precisava amamentar logo para sair para a faculdade, seus seios ficavam doloridos durante o dia todo por estarem cheios demais. A dor pareceu ter triplicado quando tentou forçar uma terceira vez e Tales começou a chorar. Ele não queria, não deveria gostar mais do sabor depois que provou outras coisas, não deveria se agradar do cheiro e era pequeno demais para se importar com o elo de ligação magnífico que eles tinham por meio da amamentação.
Ana Clara guardou o seio dolorido dentro do sutiã, segurou o filho em seus braços sem saber o que fazer, não sabia qual o próximo passo a dar na rotina agora que tinha perdido uma tarefa. Seu peito parecia doer ainda mais conforme os segundos passavam. Nem percebeu e estava chorando.
Otávio franziu o cenho para a cena estranha. Estava tudo certo com o bebê, Tales fazia sons com a boca e tentava levar o pézinho à boca. Mesmo assim, Ana Clara parecia abalada, as lágrimas desciam lentamente por seu rosto num choro sem som, seu olhar sobre o filho parecia ter perdido o foco.
— Oi? — Otávio chamou — Aconteceu alguma coisa? — perguntou fechando a porta do apartamento atrás de si.
Clara despertou de seu estado de transe percebendo que já deveria ter passado muito tempo que estava ali já que Otávio já tinha chegado para ficar com Tales e ela ainda não estava pronta para a faculdade. Com uma mão, secou o rosto molhado pelas lágrimas, fungou e respirou fundo. Não conseguiu responder, apenas assentiu com a cabeça.
— Eu não acho que esteja tudo bem. — discordou se aproximando — Não quer compartilhar?
— Segura para mim — ela ofereceu o filho ignorando a pergunta anterior e se levantou.
Ajeitou a roupa e foi para o quarto, Otávio gostaria de segui-la para saber o que tinha de errado, contudo estava na cara dela que queria passar por aquele momento sozinha. Procurou a bombinha de leite no meio de suas coisas, sentia seus seios latejarem a cada passo que dava, nem conseguiria se concentrar na aula com aquela dor. Enquanto tentava entender como aquilo funcionava, sentiu a mancha molhada em sua blusa. Não olhou para baixo, aquilo era deprimente. Fechou a porta do quarto e foi tirar o excesso de leite do peito.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O que você deixou para trás
RomanceTales passou a vida buscando aventuras e liberdade sem parar para perceber todas as coisas boas que o cercavam. Otávio passou a vida arrumando tudo o que o melhor amigo bagunçava e, com a morte dele, não foi diferente. Mesmo vivendo a maior dor da s...