Dez e meia da noite. O telefone toca. O nome que brilha na tela do smartphone é de uma Ana, mas não a que ele está acostumado.
— Oi, Ana Luísa. Aconteceu alguma coisa? — pergunta de supetão assim que atende.
— Oi, Otávio. Tudo bem? É... — ela gagueja sem dar oportunidade dele responder — Desculpa ligar essa hora. Eu estou aqui com a Clara e ela está sentindo umas dores muito intensas desde cedo, ela acha que está na hora. Você poderia nos deixar no hospital?
Desde cedo? Ele ligou mais cedo e ela disse que estava tudo bem. E como Ana Luísa pede uma coisa dessas com naturalidade? O coração de Otávio estava para sair pela boca! Tentou se vestir do jeito que dava, passou a mão pelo cabelo e checou a carteira no bolso. Foi até a sala e começou a falar alto demais para questionar sobre as chaves do seu carro.
— Está no mesmo lugar que você deixou, meu filho, bem na sua frente. — sua mãe sinalizou — Se estivesse de óculos, teria enxergado — murmurou e voltou a se concentrar na televisão.
Só então ele tocou o próprio rosto e voltou para o quarto para buscar os óculos. Assim que deu para identificar onde estavam as chaves do carro, Otávio as pegou e deu partida como um louco. Ana Luísa pediu que subisse e o advogado não fazia ideia do motivo disso ser necessário. Não tinha uma criança nascendo? Precisava ser rápido, porém o cenário que encontrou não era de urgência. A TV ainda estava ligada, a mala da maternidade estava na sala, Analú comia uns biscoitos e Ana Clara estava bem arrumada no único vestido que cabia nela, com os cabelos presos num rabo de cavalo e... Ela estava de batom?
— Você foi rápido — ela comentou.
Otávio avançou até ela e se abaixou diante da loira, apoiou as mãos sobre suas pernas e tentou identificar algum sinal de que estava sofrendo.
— O que você está sentindo? — questionou.
— Ah, eu comecei a sentir umas pontadas nas costas lá pelas sete da noite...
Ela não parecia mal, contudo sua voz estava fraca. Parou a narrativa para respirar fundo e fitava um ponto fixo atrás dele como se estivesse se concentrando muito em algo.
— ...Depois foi como uma cólica menstrual. — soltou um suspiro pesado — Essas cólicas iam e vinham, então eu mandei mensagem para a minha mãe — ela voltou os olhos para a irmã.
Mandou mensagem para a mãe, todavia a mãe não veio. Otávio apertou seu joelho em compaixão para mostrar que estava com ela.
— Já falei com a minha médica, ela falou para monitorar os intervalos das dores e só ir ao hospital se os intervalos durarem menos que um minuto, então acho que está na hora de ir — disse com a respiração acelerada.
— Tudo bem, tudo bem. — Otávio se levantou — Pegou tudo? — perguntou para Analú recebendo sua confirmação — Você consegue andar? — questionou a loira.
Ana Clara assentiu, no entanto segurou no braço dele para empinar a barriga e conseguir ficar de pé. Seu nariz estava gigante, só tinha aquela roupa para vestir, já estava andando igual uma pata manca, aquela criança tinha que nascer ou ela iria estourar.
Ela não estava normal, entretanto estava segurando muito a onda. Dentro do elevador, Ana Clara só fazia respirar fundo, fechar os olhos e mexer os lábios contando o tempo que a dor durava. Otávio a encarava fixamente esperando aquele cenário de gritos e choro como nos filmes, mas Clara se mantinha serena. No carro, Ana Luísa ligou para a mãe e garantiu que ela estaria no hospital.
Ana Luísa falava no telefone com outras pessoas da família enquanto Otávio dividia a sua atenção entre a estrada e o reflexo de Ana Clara no retrovisor agarrando o banco dele de cabeça baixa.
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O que você deixou para trás
RomanceTales passou a vida buscando aventuras e liberdade sem parar para perceber todas as coisas boas que o cercavam. Otávio passou a vida arrumando tudo o que o melhor amigo bagunçava e, com a morte dele, não foi diferente. Mesmo vivendo a maior dor da s...