A tia Sílvia não estava bem, parecia que o tempo agravava a dor ao invés de fazer passar. A família estava reunida depois do que aconteceu naquela semana. Otávio levou Talequinho para ver se a alegrava, mas nem o neto ensaiando ficar em pé sobre o tapete da sala era capaz de puxar mais do que um sorriso forçado. As olheiras fundas, os olhos avermelhados e a pele pálida assustaram o advogado. Assustou a todos.
As meninas se dispersaram pela casa, Pamela estava cozinhando. Os dois genros resolveram dar uma olhada no chuveiro e no motivo dele estar dando choque. Tio Mauro, que é professor de física, foi se meter no assunto deixando a sala ainda mais vazia.
– Vem, Talequinho! – chamou Bento no tapete da sala – Tenta sozinho – incentivou o chamando com a mão.
– Não, Bento, ele ainda não consegue – Otávio explicou segurando o corpo do afilhado no melhor estilo paternal.
Desviou o olhar para dona Amália abraçada à amiga numa coisa só sobre o sofá e abaixou os olhos. Odiava não saber o que fazer.
Ela tinha acabado de voltar do hospital, ingeriu mais antidepressivos que o recomendado. Para um bom entendedor, dá para perceber o que dona Sílvia tentou fazer.
– E a Aninha? – tia Sílvia perguntou encarando seus netos com um olhar distante.
– Está com o pai dela – Otávio respondeu.
– E você fica com o Tales quando ela precisa de um tempo livre? – questionou.
– Sim, tia, nós dividimos – ele disse.
Tia Sílvia respondeu com as sobrancelhas erguidas e um leve suspiro de compreensão saindo de seus lábios.
– Como se você fosse o pai – concluiu a mais velha.
– Sílvia! - Amália chamou atenção.
– Eu sei. – ela disse – O Tavinho cuida de tudo.Sempre.
A mulher grisalha se desvencilhou da amiga sobre o sofá e se levantou com um olhar cansado, ela encarou o bebê interagindo com o primo mais velho de forma enigmática.
– Eu só estou cansada de todos substituírem meu filho – desabafou em voz alta e deu as costas.
– Tia Sílvia...
– Sílvia!
Mãe e filho disseram ao mesmo tempo.
Marcela saiu de perto da irmã na cozinha e veio para a sala com os olhos atentos sobre a mãe. Dava para sentir as nuvens negras acima da cabeça de todos mesmo com o dia lindo lá fora.
Dona Sílvia fechou os olhos se arrependendo do que dissera, Marcela aproximou-se para ampará-la.
– Tudo bem, mãe?
A mulher estendeu a mão afastando a primogênita.
– Você também. – acusou – Todos vocês. – disse de olhos fechados com uma voz estranhamente calma – Todos trocaram muito fácil o meu Tales pelo Otávio. Se eu soubesse que seria assim, nunca teria deixado esse garoto entrar nessa casa – proferiu com muita certeza e saiu pisando duro pelo corredor.
Otávio apertou o afilhado com força ao receber o olhar de desprezo da mãe de seu melhor amigo, a mesma mulher que pagava sorvete para ele quando o buscava na escola, a mesma mulher que o ensinou a temperar carne. Tão mãe dele quanto quem o gerou.
– Mãe! – Marcela alterou a voz e encarou envergonhada os demais na sala de estar.
Tavinho segurou seu afilhado firme em seus braços para conter a dor no peito. Aquilo o atingiu em cheio. Principalmente pelo elemento surpresa. A tia Sílvia era tudo o que ele tinha de família quando sua mãe precisava trabalhar, passava o dia inteiro com ela, aprendeu coisas, ouviu histórias, recebeu o carinho dela como se fosse sua mãe.
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O que você deixou para trás
RomanceTales passou a vida buscando aventuras e liberdade sem parar para perceber todas as coisas boas que o cercavam. Otávio passou a vida arrumando tudo o que o melhor amigo bagunçava e, com a morte dele, não foi diferente. Mesmo vivendo a maior dor da s...