Em quatro anos advogando, Otávio só atuou em caso de crime contra a Administração Pública uma única vez, estava mais acostumado aos crimes de baixo escalão — crimes contra o patrimônio, crimes contra a honra, contra a vida... —, então não entendeu muito bem quando foi convocado para aquela reunião assim que voltou das férias. Ouviu rumores sobre o escritório ter pego o caso do ex-governador, um cara que estava sendo acusado por mais crimes do que o que o jornal estava noticiando.
Olhou de um lado para o outro na mesa de reunião, ele nunca foi muito próximo daquela galera, eram os advogados dos crimes de colarinho branco, um pessoal com muito mais experiência e especialização que ele.
Um dos sócios do escritório explicou todo o caso e sua complexidade numa super apresentação na sala de reuniões. Lá pelo final, ele falou sobre o envolvimento do ex-governador em estelionatos antes de assumir a função pública e isso também implicaria na pena final dele. É aí que Otávio tem que entrar.
Trabalharia junto com Luana, aquela que ele levou para sair no ano passado. A mulher lhe lançou um olhar cúmplice e já enviou por mensagem todos os arquivos que ela tinha referente ao caso. Otávio não imaginou o quanto aquele trabalho iria sugar dele. E tinha que se esforçar, era sua oportunidade de crescer no escritório. Passava todo seu expediente de trabalho trancado numa sala com Luana discutindo estratégias e traçando planejamentos. Percebeu-se gastando seus esforços com aquele caso até em seu tempo livre.
Com um Tales de três meses no colo babando em seu ombro, ele tinha os olhos fixos na tela do notebook com a primeira manifestação do Ministério Público naquele caso. O bebê mexeu a cabeça na direção do padrinho e soltou uma sequência de balbucios irregulares. Aquilo foi suficiente para arrancar um sorriso do mais velho no meio do trabalho tão cansativo. Virou o rosto para o seu bebê encarando os olhos cor de mel e as bochechas gordas, o menino repetiu o balbucio que soava como um "aaaaa", era a única vogal que o menino conseguia reproduzir e Otávio considerava seu afilhado um gênio por conseguir emitir aquele som sem qualquer conexão.
O moreno pegou uma toalha de rosto e limpou a sujeira de baba que o garoto fez, o menino contorceu o rosto num sorriso banguela conforme o padrinho limpava seu rosto. Otávio abriu um sorriso e apertou o corpo gordinho do bebê junto a si, beijou a cabecinha careca e voltou a se concentrar na manifestação do Ministério Público. Ficou fazendo carinho na cabecinha do garotinho para tentar fazê-lo dormir enquanto lia as peças do processo. Funcionou já que o garoto cochilou. Mesmo trabalhando, não queria colocá-lo no berço, só tinha aquele período no dia com o afilhado, tinha dó de tirá-lo de seu colo.
O telefone tocou e era Luana, ela também estava lendo o processo, os dois começaram a discutir sobre o que iriam fazer, Otávio falava baixo com medo de acordar o afilhado em seu colo. A porta do apartamento se abriu revelando Ana Clara de mochila nas costas, ela evitou falar com o advogado ao vê-lo no telefone, trocou de roupa e voltou para a sala, o moreno fez menção de entregar o bebê para ela. Clara pegou seu gordinho, o menino se mexeu assim que saiu do colo do padrinho, resmungou e iniciou um chorinho. O moreno fez uma careta de arrependimento assim que percebeu Tales reclamando, se desconcentrou de sua ligação por alguns segundos, mas logo Ana calou o menino em seu peito e ele pôde voltar a falar com Luana.
— E se a gente se der uma folga desse caso nesse final de semana e segunda voltamos com tudo? — propôs a advogada do outro lado da linha.
— Tem certeza? Quer dizer, o prazo fecha na sexta, seria bom enviar até quarta... — argumentou andando em círculos pela sala do apartamento.
— A gente dá conta, estamos com tudo adiantado. — garantiu — Inclusive, a gente poderia jantar juntos amanhã.
— Jantar? — indagou virando o rosto para a loira na cozinha que mexia na panela enquanto tinha um bebê em seu colo sendo amamentado.
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O que você deixou para trás
RomanceTales passou a vida buscando aventuras e liberdade sem parar para perceber todas as coisas boas que o cercavam. Otávio passou a vida arrumando tudo o que o melhor amigo bagunçava e, com a morte dele, não foi diferente. Mesmo vivendo a maior dor da s...