[Narrado por Luka]
Eu esperava sonhar com algo, mas... apesar de eu saber que as pessoas sonham, eu não me lembro dos meus sonhos. Sério, não me lembro de nenhum sonho que tive. Eu dormi muito bem confortável com meu namorado, e esperava que essa sensação me desse bons sonhos, mas eu não... não sonhei com nada. Pelo menos minha memória dessa noite está vazia e eu nem sei como.
Acordei com um som estrondoso, que era simplesmente o toque do meu despertador, uma buzina de caminhão. Tem efeito instantâneo, acordo na hora.
Anderson: — Uau... nunca me acostumo com seu despertador! — sentou-se na cama e me fez rir com sua cara de sono. Dei-lhe um beijinho de bom dia e fui fazer tooodo o processo matinal.
Eu: — Se quiser, pode dormir mais um pouco, Ande. Quando acordar me encontra lá embaixo. — ele ainda estava no modo-zumbi, sentado na cama apenas de short, olhando pro nada e pensativo.
Anderson: — Acha mesmo que eu vou desperdiçar uma hora dormindo, ao invés de aproveitar esse tempo contigo? — ele riu, se levantou e veio calmamente até mim. — Não, não, não. Estive a semana inteira doidinho pra te abraçar... te beijar... e ter uma daquelas fodas maravilhosas!
Eu: — Você é muito safado, sabia? — ri e o empurrei fraco.
Anderson: — Qual é! Nem um pouquinho? — ele fez biquinho. Revirei os olhos e... segurei o cós de seu short e o puxei contra mim, o recebendo com um beijo.
Eu: — Talvez um pouquinho.
Depois de uns amassos calmos, mas intenso, voltamos pra cama e... não preciso explicar o que rolou. É o que todo casal faz, claro. Transamos por quase uma hora, e, como sempre, foi ótimo com ele. Assim que terminamos e já estávamos satisfeitos, fomos tomar banho juntos. Claro que rolou no chuveiro de novo. Anderson quando pega fogo, ele não para o dia todo.
As semanas se passaram normalmente. Nada de estranho aconteceu, mesmo que... mesmo que parece que eu sempre espero algo inesperado ocorrer. Eu sinto que tem algo diferente no ar, mas eu não consigo entender o que é.
Miguel: — Pessoal, aquele lá no fundo, antipático e extremamente insuportável é o Guilherme. Nem vou pedir pra ele se apresentar, porque eu sei que ele não vai. — Todos olharam. Eu nem tinha percebido o aluno novo ali. — Ele não é novo, só estava viajando, e provavelmente vai viajar de novo pra fugir do colégio.
Guilherme: — Vou mesmo. — a única coisa que ele disse o dia todo. Ele era bem bonito, tão loiro que parecia platinado, com os olhos bem verdes e a mandíbula bem marcada. Por algum motivo, eu não consegui desviar meu olhar de seu rosto. Do nada ele olhou pra mim e... meus ouvidos começaram a zumbir muito forte. Me deu uma dor de cabeça e rapidamente fechei os olhos com força.
Nathalie me perguntou se eu estava bem, mas eu me senti tonto...
Nathalie: — Professor, Luka não tá se sentindo bem. — Miguel olhou pra mim e franziu as sobrancelhas.
Miguel: — Uau, cê é mais bonito ainda de perto... — ele chacoalhou a cabeça rapidamente. — quero dizer, vá à enfermaria, se quiser.
Eu: — Não, tá tudo bem.
Na hora do intervalo, preferi ficar em sala com alguns outros. Há alguns colegas de classe bem irritantes, mas nada que eu não consiga aturar. Tipo aquela Tainá. Garota chata do caralho, eu hein. Ela e o tal Guilherme fariam um belo casal de insuportáveis.
Thomas: — Ah... o-oi. Luka, né? — revirei os olhos.
Eu: — Não, eu não vou sair com você. Eu namoro, amo meu namorado, e você fingir normalidade ao me conhecer não vai dar certo. Vaza. — Nathalie e ele riram.
Thomas: — Você ainda vai ser meu, Anjinho, para de graça. Vou te beijar tão gostoso, que nem teu namorado vai resistir. — ele iria me tocar, mas dei-lhe um tapa na mão.
Eu: — Se toca, garoto. Fale comigo quando você tiver diploma e cuidar da própria vida.
Nathalie: — Pegou pesado.
Eu: — Moleque chato.
Em casa, contei à minha mãe as coisas que eu estava sentindo. Ela queria que meu pai me levasse ao médico, mas eu prefiro que não, mas se tudo isso persistir, eu vou. Caso contrário, sigo minha vida.
Anderson: — Toparia morar comigo?
Eu: — Morar sozinho? Ah, não.
Anderson: — Não, comigo... você e eu.
Eu: — Ande, você trabalha o dia todo. Morar contigo seria a mesma coisa que morar sozinho. — ele olhou pra cima e deu de ombros, concordando.
Anderson: — É, mas e quando a gente for casar? Vamos vir morar com seus pais? Não quero eles escutando a gente transando o tempo todo.
Eu: — Não, Ande, aí é diferente. Isso vai demorar pra acontecer, e até lá eu já me acostumei com a ideia. — ele suspirou e assentiu. — Não é que eu não queira viver contigo. É que eu não curto ficar sozinho sem fazer nada o tempo inteiro. Eu gosto da companhia dos meus irmãos e dos meus pais. Eu te amo e aceitaria você de qualquer jeito. — ele sorriu.
Anderson: — Só tô esperando cê se formar pra gente casar e entupir nossa casa de gurizinhos. — ri e cruzei os braços. — Vou ser um ótimo pai. Pelo menos eu te amamento muito bem.
Eu: — Anderson!!!
Anderson: — Foi mal.
Os meses se passaram. Tudo se passou mais rápido do que eu esperava. Sério, o tempo passou tão rápido, que pareceu um estalar de dedos! Já era fim de ano, e as notícias não paravam de chegar. Nathalie decidiu aceitar as investidas do Luciano e estão namorando. Eu achava ele bem chato e tedioso, mas até que ele sabe conversar e ser idiota o tempo todo, nos fazendo rir. Thay decidiu ir morar na Grécia para estudar, e ficamos sabendo que ele encontrou um amante fixo por lá, só ainda não sei o nome, mas Luigi ficou morrendo de ciúmes, afinal eles são melhores amigos, e um tem medo de o outro se afastar por causa de relacionamentos. A outra notícia que nos surpreendeu, mas não muito, foi que Agnar finalmente pediu Mia em casamento. A festa de noivado deles foi na casa deles, e foi um prazer enorme apreciá-los em toda aquela felicidade. Mas... essa nem foi a notícia mais surpreendente. Descobri que eu serei tio. É, Mia tá grávida. Meu pai e Agnar quase desmaiaram quando Mia contou na festa. Foi bem engraçado. Aggi perdeu toda a cor, como se seu sangue tivesse sido arrancado do corpo. Tô feliz por ele, ele sempre quis criar a própria família e deixar a própria história no planeta.
* * * * *
Último ano no colégio, finalmente. Estou quase me formando no Ensino Médio, e assim que eu sair do colégio, vou poder esquecer toda as besteiras que aprendi, e nunca vou usar, e focar em uma faculdade útil.
As coisas com Ande estão meio... complicadas. Ele anda muito aéreo e não responde mais minhas mensagens. Ele diz que é o trabalho, mas... desde que ele viu o Thomas me abraçando, ele tem se afastado. Eu sinto a falta dele e da relação grudenta que a gente tinha, mas ele às vezes fica birrento e imaturo, e se ele acha que eu vou atrás e pedir desculpas por algo que não tenho culpa, ele está bem errado. Eu não gosto do Thomas, ele só me abraçou de surpresa. Eu gosto do enfermeiro gostoso e ponto final. Mas pro Anderson é difícil de entender isso.
Miguel: — Que cara é essa? Brigou com o namorado de novo? — chamou minha atenção assim que os alunos saíram de sala.
Eu: — Aham. Ele é um idiota inseguro.
Miguel: — Viu você com o Felipe de novo?
Eu: — Não, com o Thomas. Ele só me abraçou.
Miguel: — O Anderson é bem amarelão, né? Que namorado mais frouxo, arrume algo melhor... sei lá, como eu... — estreitei os olhos e ri.
Eu: — Está insinuando que seria um namorado melhor?
Miguel: — Pra você? É claro. — ele se levantou e veio até mim com aquele sorrisão. — Se tentasse comigo, eu seria aquilo que você sempre sonhou. — ri e revirei os olhos.
Eu: — Você é uma pessoa incrível, mas não. Você não está interessado em mim, cê tá viajando. — revirei os olhos e me afastei.
Miguel: — Tenho pensado em você bastante desde que nos conhecemos há dois anos. Eu dei dicas de que tinha interesse em você, mas você é meio tonto.
Eu: — Eu notei, só ignorava mesmo. — toquei seu peito, o mantendo afastado de mim.
Miguel: — Então... o que acha de... no meu apartamento a gente curtir um pouco. Eu beijo bem, eu prometo.
Eu: — Miguel, você é meu...
Miguel: — Seu homem. — ele mordeu os lábios. — Não quis antes porque você era muito novo, mas agora cê já tem dezoito e... eu quero ficar contigo.
Eu: — Não!
Miguel: — Mas, Luka, eu... eu posso me entregar mais do que o seu namorado, que aparentemente nem confia em você.
Eu: — Definitivamente não. Você nem é o Miguel de verdade...
Mi... Miguel de... de verdade?
O que...
De repente tudo perdeu o sentido logo à frente dos meus olhos. É como se tudo perdesse a cor e todo o sentido da existência. Minha cabeça deu um estalo forte e começou a doer, como se algo tivesse estourado dentro dela.
Eu: — Ah!!!
Me curvei rapidamente e larguei a mochila no chão... o chão borrou e deu um bug, como se estivesse cortando e dando glitch. Fechei os olhos com força e rosnei.
Miguel: — Luka! — ele se aproximou rapidamente e tocou meus ombros. O empurrei.
Eu: — Saia! Eu... você não é o-o Miguel...
Miguel: — Claro que eu sou! Migueluz, euzinho. Só porque assumi que quero te pegar, não quer dizer que mudou quem eu sou.
Não respondi. Apenas corri para fora da sala de aula. Os corredores estavam vazios, e... o colégio também. Saí do colégio e fui para a rua. Estava tudo... vazio.
— Luka, você precisa voltar... — escutei uma voz sussurrando nos meus ouvidos.
Eu: — Não... o que é você?! — tapei os ouvidos, mas eu ainda escutava ecos daquela voz tão, mas tão... familiar. — Não, eu não estou... ficando louco...
— Haha, não seja frouxo, meu Príncipe. O relógio está cantando... tic, tac... tic, tac... tic, tac...
Me curvei e me ajoelhei na calçada de olhos fechados. Aquela voz tão descontraída e gostosa de ouvir, tão... parecia acariciar meu coração e me acalmar.
— Achou mesmo que eu iria embora?
Dessa vez a voz parecia vir de muito perto, e bem mais calma. Abri os olhos e vi... botas à minha frente. Botas bem... elegantes. Eram botas pesadas vermelho bordô, com calça preta agarrada às pernas grossas... estava com um casaco de couro marrom fechado, com uma rosa-vermelha no peito esquerdo, e... logo olhei pra cima e pude ver suas feições tão... delicadas. Ele estava com luvas marrons justas às mãos e era muito bonito. Seu rosto era alvo e sem rugas, com a pele lisa e cada detalhe bem desenhado. Seus lábios bem marcados, seu nariz pequeno e fino, seus olhos grandes e inclinados levemente para cima, dando a ele um charme. O que mais me chamou a atenção foram os olhos castanhos esverdeados, como as copas das árvores mais belas, e também o cabelo castanho avermelhado, com um tom de iluminação alaranjada. Dava pra notar claramente que é um ruivo natural. Suas orelhas eram pontudas e se moveram enquanto ele também me encarava com um sorriso oculto, sem mostrar os dentes.
Eu: — Q-quem é... você?
Aquele homem... é como uma criatura mitológica, um... um elfo? Fada? Duende? Algo com orelhas pontudas e toda a beleza reunida num único ser.
— Escutei suas preces. Falou tanto o meu nome, e não se lembra de quem eu sou? Que decepção! Tivemos tantos bons momentos juntos, meu Príncipe. — ele sorriu... na hora que ele sorriu, minha cabeça latejou e escutei um zumbido alto. O homem com as orelhas pontudas passou os dedos pela ponta da orelha direita. — Não te abandonaria aqui. Seus amigos estão preocupados lá do outro lado. — Esticou uma mão, e rapidamente a peguei como apoio para me levantar.
Ao me levantar, de uma piscada de olhos a outra, de repente tudo voltou ao normal. Eu estava parado no meio da calçada, com pessoas passando próximas a mim. Mas eu não estava na calçada perto do colégio. Eu estava bem próximo de casa. Olhei ao redor, procurando o ruivo elegante, mas não o encontrei mas... mas eu sentia como se ele ainda estivesse comigo. Por um momento me senti feliz em vê-lo, mesmo eu não fazendo ideia de quem ele seja.
Entrei em casa em puro silêncio, ainda tentando digerir o que aconteceu. As coisas não estão indo bem pra mim... eu sinto uma certa insanidade em mim.
Passei direto por todos e fui pro meu quarto. Algo estava faltando, e a sensação de que algo muito grande estava faltando em todo lugar só aumentava cada vez mais. Está tudo tão confuso, tão... vazio. Olhar para meu próprio quarto parecia algo sem sentido algum, como se fosse uma visão falsa. Mas como seria, se eu posso tocar em tudo?
Logo meu pai bateu na porta e entrou. Parecia preocupado, mas não é pra menos. Passei por ele e nem o cumprimentei, e eu sempre falo com ele. É bem provável que ele saiba que algo está errado.
Turok: — Quer me contar? — sentou-se ao meu lado na cama. Não falei nada, apenas o abracei de lado e comecei a chorar.
Eu: — As coisas estão tão confusas...
Turok: — O que houve? É o Anderson? Ele magoou você?
Eu: — Não, não é só ele. É tudo, pai. — soltei-o e me recompus. Respirei fundo e ele segurou minha mão, me confortando.
Eu: — Não sei o que está acontecendo comigo, mas eu sinto um vazio tão grande dentro de mim, como se nada do que vejo existisse de verdade, e tudo fosse pura mentira. Tudo buga do nada, eu escuto vozes na minha cabeça, e... — respirei fundo. — Acho que eu preciso de um médico. Eu vejo coisas estranhas também...
Turok: — Você está bem. Isso tudo pode ser apenas estresse da sua formatura. Cê tá estudando demais, se envolvendo demais, e essa discussão que Anderson e você tiveram não ajudou muito.
Respirei fundo mais uma vez. Talvez ele tenha razão. O estresse desse fim de ano deve estar me sufocando demais. Tem muita coisa acontecendo de uma vez isso pode estar me afetando. Não tenho dormido bem nesses últimos dias.
Turok: — Quando eu estava terminando o ensino médio, eu também achei que iria morrer quando entrasse na vida adulta. — eu ri. — eu estava apavorado! Estava tão apavorado, que tentei me acalmar e me aliviar... e depois o Agnar nasceu. — ri outra vez e olhei pra ele.
Eu: — Mas eu não vou surtar e ter um filho do nada.
Turok: — Ah, ninguém sabe, ué. Quando me dei por mim, já estava com teu irmão no colo.
Eu: — Credo, não! Nem gosto de crianças!
Meu pai conseguiu me fazer sentir melhor. Eu gosto de conversar com ele, pois ele sempre teve esse talento para fazer a família se sentir bem em qualquer situação. O humor dele é único.
Os meses se passaram. Estava perto da minha formatura, e eu estava bem ansioso. Estive trabalhando para não ficar ansioso e ativar certas situações desconfortáveis pra mim. Até acreditava que era o estresse a causar tudo, mas... não era. Passei a ter muitos pesadelos, e dessa vez eu me lembrava de cada sonho. Nos meus pesadelos, eu vi Cássio sendo morto por... não sei, umas criaturas horríveis feitas de pedra... também vi Cássio debaixo das garras de um cão ruivo enorme, com os olhos vermelhos como fogo e um vazio incomum em seu olhar, como se nem sentisse mais a própria alma. Cássio não estava com medo, mas eu estava. Vi meu corpo pegando fogo, vi muita coisa estranha, que parecia ser tão real, que me fez ter um conflito com a realidade. No dia da formatura, surtei dentre os outros. Comecei a suar frio... eles perceberam meu nervosismo e... como Anderson estava presente, chamaram ele. Anderson dizia o tempo todo que era estresse causado pela ansiedade, mas eu sentia algo mais do que isso. Fui beber água e fiquei quase meia hora no bebedouro. Comecei a suar e Anderson assumiu que eu estava com febre. Eu estava fervendo em febre.
Turok: — Luka, vamos pro hospital agora!
Eu: — N-não... — empurrei o Ande e ele, passando entre os dois. — Vou continuar, vou ficar bem...
Antes que pudessem me obrigar a algo, fui pro banheiro o mais rápido possível e me tranquei numa cabine. Me sentei no sanitário e respirei fundo. Eu sentia meu corpo em chamas, e meu sangue parecia ferver. Minha cabeça doía de forma excruciante, o que fez eu me curvar e ranger os dentes. Muita coisa surgiu na minha cabeça. Muitas cenas, muita, mas muita coisa em flashes rápidos e confusos.
Eu: — Sut... abooh... — rangi ainda mais os dentes, sentindo minha mandíbula doer. Olhei para minhas mãos e... e de repente vi flashes dos meus dedos circundados por chamas azuis.
Anderson: — Luka, você está bem???
Eu: — VAI EMBORA!!! — soquei a porta com toda minha força. O som do impacto dos meu punho foi forte, e logo senti meus ossos doerem. Chacoalhei minhas mãos e tentei respirar fundo.
Anderson: — Luka...
Eu: — Você não é real... saia da minha vida, saia da minha cabeça...
Anderson: — Luka, cê tá... terminando comigo?
Eu: — Desapareça... — tapei os ouvidos mas mesmo assim escutei seus passos pesados saindo do banheiro
Fiquei mais um tempo tentando me manter calmo, tentando reorganizar minha cabeça, mas meus pensamentos pareciam grandes demais para caber nela, e parecia estar transbordando. Saí da cabine e fui até o espelho à frente da pia. Me olhei lá e decidi lavar o rosto, mesmo sentindo como se meu cérebro estivesse derretendo lentamente. Suspirei e... é hora de sair.
Saí tropeçando pelo corredor vazio... a cerimônia já deve ter começado. Continuei andando e fechei os olhos... até que bati de frente com alguém. Ao ver quem era, uma sensação esquisita percorreu todo meu corpo, como eletricidade.
Guilherme: — Olha por onde anda, porra! Tá maluco?! Quer um socão?!
Eu: — T-talvez... isso fun-funcio...
Agarrei a blusa daquele moleque ridículo e metido e o puxei contra mim. Iria beijá-lo, mas hesitei um pouco. Ele ficou sem reação, com as mãos levantadas à altura dos ombros e com a boca entreaberta. Olhei para seus lábios avermelhados e.. e o beijei, esperando que aquela sensação se intensificasse.
Essa boca... é tão... macia, tão... gostosa... tão... quente. Mas tem gosto de...
Eu: — Falso...
O afastei de mim por um momento. Ele arregalou os olhos ao perceber e... e apenas senti a dor atingir minha mandíbula. Ele me prometeu um soco... e ele cumpriu. Caí pra trás, sentado no chão. O mais estranho é que eu não senti gosto de sangue na boca. Por mais que eu quisesse que aquilo sangrasse e, sim, houve força suficiente pra fazer sangrar, isso não aconteceu.
Guilherme: — Mas que porra... foi essa??? Cê enlouqueceu?! Eu não sou a porra de um viadinho!!!
Me recompus e me aproximei da parede, onde me encolhi e fiquei quietinho. Eu deveria estar com medo, deveria estar... sei lá o que eu devia sentir, mas acabei de desafiar o cara mais chato daqui, e ele iria me matar. Esperei que ele tentasse, mas... ele parecia ter ficado estático, processando algo que não estava na programação. Olhei pra ele pelo canto dos olhos e chorei.
Eu: — Me mate se quiser. Nada faz sentido mesmo...
Desviei o olhar e o vi dar as costas pra mim.
Guilherme: — Que retardado, não se aproxime de mim! Não vou comer você, cai fora! — andava pra longe...
Me levantei e... senti aquele calor retornando.
Eu: — EU NÃO PRECISO DE VOCÊ!!! — gritei com todos pulmões. Corri atrás dele e... aos lados haviam várias portas de salas de aula. Acertei um soco rápido em uma e a fiz se estilhaçar. Arranquei um pedaço de caco de vidro e fui atrás daquele moleque...
Quando eu estava próximo o suficiente, cravei o caco de vidro nas costas dele. Apertei o caco com toda minha força e senti-o deslizar por minha pele. Senti algo molhado escorrendo e... aquele moleque se virou pra mim. Um terror estava oculto em seu olhar desesperado. Ele caiu ajoelhado à minha frente e...
Eu: — Eu não preciso mais de você. — chutei seu peito. Ele caiu de costas, e o impacto afundou ainda mais o estilhaço de vidro, o fazendo atravessar o peito dele. Só fiquei observando e... não consegui sentir nada além de calor.
De uma piscada a outra, ele sumiu. Não havia uma gota de sangue sequer no chão. Olhei para minhas mãos e... limpas, sem ferimento algum.
Eu: — Eu não... não me feri...
Espera, como eu não me feri?! Eu senti o caco deslizando por minha pele, a rasgando. Senti o sangue descendo das costas do Guilherme, mas... não era o meu?
Arranquei minha roupa para a formatura ali mesmo. Corri sem blusa para casa. Ao chegar, fui direto para a cozinha, peguei uma faca e... Não hesitei em enfiá-la em meu peito. Não senti dor... na verdade nem entrou. A lâmina desintegrou em pó de ferro assim que iria penetrar minha pele. Fiz de novo. Liguei o liquidificador e enfiei a mão lá. Engoli em seco um pouco hesitante, mas... foda-se! Liguei e achei que as hélices iriam arregaçar minha mão, mas não. As hélices bateram em meus dedos, mas nada aconteceu. Seja lá o que for que esteja acontecendo, Não quer que eu seja ferido.
Eu: — Mas que porra é essa???
— Feliz, meu Príncipe? — levei um susto. Rapidamente me virei, e aquele cara ruivo com orelhas pontudas estava escorado no intermediário do corredor, com um sorriso simpático no rosto e com um porta retrato nas mãos, com uma foto da minha família. — Tu não podes ferir a si mesmo aqui. Nem mesmo eles podem. — ele arremessou a moldura pro lado. — Hum, está ainda mais sexy do que antes. Papai gosta assim.
Eu: — Quem diabos é você???
— Sou seu maior sonho de consumo, bebê. Quer vir provar? — sinalizou com o dedo indicador para que eu me aproximasse. — Sou tão doce quanto uma pétala de Rosa... ou de Violeta, se preferir.
Permaneci em silêncio o encarando.
Eu: — O que você quer comigo? Tudo isso começou a piorar depois que você apareceu! — ele riu e... mordeu os lábios enquanto me olhava dos pés à cabeça.
— Você só precisa se lembrar. Tudo isso aqui é só um teste... — ele apontou para todos os lados. — para que você aprenda a fortalecer essa cabeça vazia e fraca. Estamos do seu lado, Principezinho. Há muita coisa oculta que não posso te contar agora, que você precisa ver sozinho.
Eu: — Do-do que esta falando? Eu nem ao menos te conheço...
— Ainda. Logo esse rostinho élfico lindo não saíra dos seus mais íntimos pensamentos, meu Príncipe. Mas enfim, aqui é mais seguro do que lá fora. Aqui podemos conversar. Apesar de tudo ser pura ilusão da sua própria cabeça, não seremos feridos.
Eu: — E-e onde... onde estamos? — peguei mais uma faca e... e tentei passá-la por meu braço, mas não cortava de jeito nenhum. Apenas me dava nervoso por eu sentir o corte da lâmina roçando na minha pele.
— Na sua mente. A partir daqui eu não vou mais aparecer. Meu espírito fica fraco toda vez que... — ele desfez o sorriso. — meu tempo está acabando. Só se lembre de mim, meu Príncipe... os Jinni estão...
A imagem daquele homem começou a ter... interferências? Glitches se formaram na pele dele, e eu não pude mais escutar sua voz, apesar de ele ainda estar movendo a boca... e do nada ele desapareceu, como se tivesse sido apagado ali mesmo. Ao olhar pra baixo, a faca não estava mais em minha mão. Eu estava vestido, com camisa e tudo. Escutei risadinhas e... vinham da sala. Enquanto eu estava indo pra sala, passei em frente à geladeira e... ela mudou. Antes era branca, e agora é prateada e bem polida, com diversas funções e botões. A cozinha inteira mudou num piscar de olhos, e estava mais... tecnológica. Vi meu reflexo na geladeira e me assustei. Eu estava com.. barba? Eu tinha algumas rugas no canto dos olhos e parecia bem mais alto e bem mais maduro do que há um minuto atrás.
Corri para a sala. Ao chegar lá, três crianças passaram correndo por mim e quase me derrubaram.
Thay: — Adam! Cuidado, você vai cair se correr assim!
Agnar: — Carmelia! Cuidado! Se forem pro jardim, não toquem nas rosas da vovó! Tem espinhos!
Carmelia: — Tá bom, pai!
Adam — Papai, eu não vou cair! — as crianças responderam e riram.
Thay: — Tá, você disse a mesma coisa nas outras sete vezes que você caiu... ontem. Não sei como você ainda tem joelho!
Apareci na sala e...
Ali estavam minha mãe, meu pai, Marcus, Agnar, Thay e Mia.
Turok: — Ah, oi, Luka. Achei que estivesse se sentindo mal.
Eu: — Não, pai, estou bem. — olhei ao redor.
Agnar: — O que foi, irmão? Parece apreensivo. — olhei nos olhos dele e tentei fingir casualidade.
Eu: — Não, não! Impressão sua, mano. E aí, como vai a família? Mia parece não dormir há meses. — ela riu e concordou. Fui até eles e me sentei entre Thay e Marcus, que também pareciam cansados.
Mia: — A Melinha parece um vampiro sugando todas minhas forças. Ela não para um minuto quieta!
Eu: — Puxou o Aggi. Ele é carente e bobão, mas... quando éramos mais novos, ele parecia uma pilha com pernas.
Sílvia: — É de família. Aggi, Cássio, Carlim e Luka pareciam uma usina de energia quando crianças.
Marcus: — Turok também. — eles riram. — Às vezes eu amarrava ele na cadeira pra que eu pudesse estudar em paz. Ele passava a noite gritando por ajuda, dizendo que eu era um traficante de órgãos e ele estava em perigo.
Turok: — Você era um chato. E continua sendo.
Prestei atenção no que falavam. Eles estavam... velhos. Envelheceram bastante e... não sei o motivo de isso me surpreender tanto. Mais surpreendente do que... sei lá, vinte anos terem se passado em dois minutos.
Escutei passos e me assustei. Agarrei a mão do Marcus com força e me aproximei dele. Não sei como, mas meu corpo sentiu-se mais seguro próximo a ele. Marcus representava uma proteção absurda pra mim naquele momento, uma sensação que eu não sentia vindo do meu pai. Senti-o apertar minha mão e me fitar por alguns segundos. A campainha tocou e... fui atender, antes que minha mãe ou outra pessoa se levantasse.
Ao abrir a porta, vi um homem tão... familiar. Era idêntico ao Aggi quando mais novo, e muito parecido com meu pai. Seus olhos azuis estavam em um forte contraste com o cabelo castanho escuro. Ao sorrir, o reconheci. Ele estava tão bonito adulto. Cássio... Cássio com algo nos braços... era um... uma criança...
Ao ver aquela criança e seu sorrisão, meu coração disparou. Os olhos verdes enormes dele ganharam um brilho fofo e... logo ele abriu os bracinhos ao me ver. Sorri e senti um tipo de felicidade que mal cabia em mim.
Cássio: — PAPAAAAA!!! — ele estava com um algodão-doce na mão direita enquanto segurava a criança com a mão esquerda.
Ben: — PAPAAAAA!!! — ele estendeu os bracinhos gorduchinhos em minha direção. Não hesitei em pegá-lo do colo do meu irmão.
Eu: — Oi, meu amor! Quanta saudade eu tava de você, meu gorduchinho! — dei vários beijinhos nas bochechinhas dele e em seu rosto. Mordi sua bochecha e ele riu e gritou alto. Ben segurou meu rosto com as mãozinhas com cheiro de baba de bebê e algodão-doce e lambeu a ponta do meu nariz, me fazendo rir também.
Sílvia: — Ôôô, Guduxinho de vovó! — ela veio correndo até nós, e Ben gritou e saltou rapidamente pro colo dela. — Vochê tá com fome, Guduxinho???
Ben: — Ah, pa... quer bolinho, bobó.
Eu: — Não, mãe, já chega de doce por hoje. Cass deve ter enchido ele de doce.
Cássio: — Que nada, foram só três algodões-doces, duas barras de chocolate e um pote de sorvete.
Eu: — Não, ele vai passar mal.
Ben: — Mah, papa... bolinho boboiate!
Eu: — Não, bolinho de chocolate só depois do jantar. — ele deitou a cabecinha no ombro da minha mãe e fez uma carinha triste, fingindo que ia chorar. — Não, não adianta. Chantagem emocional não funciona comigo. Banho! — a carinha triste sumiu e ele voltou a rir. Está tirando uma com minha cara.
Sílvia: — Vamos, vou te dar banho. Quer com patinho ou sem patinho?
Ben: — Paxinho... paxinhoooooooooooo.
Sílvia: — Tá bom, com patinho. — ela o levantou no ar e começou a pular com ele nos braços. — Olha o avião carregando o bebê mais fofo do mundo!
Mia: — Melinha! Ben chegou, vá ajudar a vovó a dar banho nele, gata!
Rapidamente todas as três crianças subiram correndo atrás da minha mãe, todas comemorando e felizes pra ajudar a dar banho no Ben.
Ben e essas brincadeiras... é a cara do pai.
Espera... à cara do pai... eu não me lembro... o pai sou eu... e eu sou viado, não iria ter filho com uma mulher. Mano... mas que porra...
Quem é o pai dessa criança?!
Voltei a me sentar bem perto do Marcus. Ele me traz um conforto estranho. Ficar ao lado dele afasta qualquer sensação de que as coisas não estão da forma que deveriam.
Marcus: — Está bem? Está tão quente.
Eu: — Eu não sei.
Marcus: — Se quiser eu te acompanho pro quarto. Você parece que ainda não está bem. — os outros começaram a conversar baixo e olharam pra gente. — tem certeza? Quer que eu te leve ao hospital?
Eu: — Não, eu só... vou pro quarto.
Marcus: — Beleza. Vou contigo só pra verificar se você está bem e... ajudar.
Turok: — Qualquer coisa me chame e eu o levo pro hospital de carro.
Marcus: — Turok, eu também sei dirigir, beleza? Não sei por que tanto você desconfia de mim.
Turok: — Eu te conheço. Você gosta de brincar em todas as ocasiões, e no volante não é lugar pra brincar.
Deixei os dois discutindo pra trás e subi pro meu quarto. Esperava que minha mãe estivesse dando banho no Ben aqui, mas ela foi pro quarto dela. Dava pra escutar as crianças brincando e rindo, e as gargalhadas gostosas do Ben. Melinha, Adam e Dinno amam o Ben de uma forma inacreditável. Se deixar, passam o dia com ele.
Assim que entrei no quarto e me sentei na cama, comecei a ver coisas de novo. Vozes vinham na minha cabeça, e tudo ficou confuso mais uma vez.
Marcus: — Está sentindo aquilo de novo?
Eu: — A-aquilo... aquilo o quê? — ele entrou, trancou a porta e sentou-se ao meu lado.
Marcus: — As vozes... As memórias falsas. O homem que aparece do nada...
Eu: — Ah... — não me lembro de ter contado sobre isso pra ele... e nem pra ninguém. — sim, minha cabeça está doendo e... — antes que eu pudesse terminar, ele segurou meu queixo, virou meu rosto e me beijou ligeiramente, calando minha boca.
Marcus: — Sabe que eu sou o único que consegue te tirar desses pensamentos... — o empurrei um pouco, sem entender o que estava acontecendo.
Eu: — O que esta fazendo???
Marcus: — Estou tentando evitar que você tenha outra crise... sabe... por causa do seu problema. — franzi as sobrancelhas. Ele estava com um olhar preocupado. Passou as mãos por trás da cabeça, tirou o lacinho e soltou o cabelo. Estava muito maior do que eu me lembrava, bem abaixo dos ombros, chegando próximo aos cotovelos. Ele estava tão... bonito.
Eu: — Que... que problema???
Marcus: — A esquizofrenia... esqueceu? O seu diagnóstico feito há mais de dez anos.
Mas que porra... está acontecendo??? Eu não me lembro disso!
Mais uma vez Marcus avançou contra mim e me beijou, me forçando a deitar na cama e se deitando sobre mim.
Marcus: — Vamos fazer como fazíamos antes. Ainda será nosso segredo. Eu te faço feliz e te ajudo, e você me faz sentir tudo o que eu amo sentir quando estamos juntos. — nos encaramos por alguns segundos. Seus olhos estavam fixos nos meus e pareciam... famintos.
Eu: — Mas nós...
Marcus: — Não é errado, não vem com isso. Se tudo isso que a gente sente é tão errado e pecaminoso... então me deixe ser esse demônio.
Não consegui ir contra ele. Ele é muito forte e eu não tenho forças pra enfrentar um homem com o dobro do meu tamanho e da minha massa muscular.
Marcus: — Semana passada foi muito bom. Mas será que hoje conseguiremos superar? — ele sorriu.
Eu: — O quê?! — reuni força suficiente para empurrá-lo. Ele foi com tanta força pra trás, que bateu contra a porta. Meus sentidos travaram de novo. Naqueles olhos eu não via nada do que eu vi nas imagens na minha mente. — Falso...
Marcus: — Ora, seu... — ele veio rápido pra cima de mim e parecia irado. — Eu acabei com meu casamento por causa do que eu sinto por você! Por que a demora pra mandar aquele otário pra fora da sua casa?!
Eu: — Saia de perto de mim! — chutei seu peito, antes que ele me tocasse. Rolei na cama e corri pro banheiro.
Marcus: — O que foi?! Não te comi direito?! Abre essa porra que eu vou te mostrar como eu também consigo não ser gentil! — ele deu uns três socos na porta, mas não abri.
Olhei para todos os cantos do banheiro... Não consegui ver nada com o qual eu pudesse me proteger.
Marcus: — Por favor... Luka, eu amo você mais do que toda essa família... Não me abandone e me despreze da forma que os outros fizeram a minha vida toda...
Parei por uns segundos ao escutá-lo falando dessa forma chorosa. Respirei fundo e minha mente falou mais alto. Cacei nas gavetas... e encontrei. Uma lâmina de barbear.
Marcus: — Vamos embora, o que acha? Eu não ligo pros seus distúrbios. Eu posso ser o pai do Ben e criaremos uma família perfeita!
Eu: — Não! Vá embora!
Marcus: — Acha mesmo que ele é melhor que eu?! Aquele retardado, otário do caralho, se fingindo de bonzinho o tempo todo... abra essa porra!!! — Marcus empurrava a porta com força, e eu me perguntava se os outros estão escutando essa barulheira toda ou não. Deveriam ter vindo me ajudar! São todos falsos inúteis!
Com um estrondo, Marcus conseguiu arrombar a porta. Não pensei duas vezes. Ele vinha furioso pra cima de mim. Com um movimento rápido, passei a lâmina com toda a força em seu pescoço. Ele parou repentinamente, me encarando com os olhos arregalados. Um corte enorme e profundo abriu em sua garganta e o sangue começou a jorrar como uma cachoeira escarlate, descendo pela queda do pescoço ao peito. Ele segurou o pescoço com ambas as mãos, tentando estancar o sangramento, mas não adiantou. Caiu ajoelhado e... deu o último olhar para mim. Vi sua alma vazia, um olhar sem fundo e terrível que me causou arrepios. Ele caiu de lado e começou a convulsionar enquanto perdia todo seu sangue ali.
Eu: — Não vou pedir perdão... A necessidade de pedir perdão é para os fracos.
Larguei a lâmina no chão e fechei os olhos com força quando minha cabeça começou a latejar ainda mais forte.
Eu sou... eu não sou esse que está aqui. Eu me lembro, mas... são tão falhas... eu não sei se consigo mais continuar... é tão difícil...•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••
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ABOOH : Amores Sobre-Humanos
Roman d'amour[+18] O que você faria se descobrisse que não pertence ao lugar onde morou por toda sua vida? E se soubesse que o futuro de sua verdadeira casa está sendo ameaçado junto com toda sua família e você precisa fazer algo para salvar um de seus lares? Q...