Cap 25

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Ela entra devagar na suíte, onde a calmaria reina. Tira o casaco e coloca as coisas em cima da mesa da antessala antes de chegar até o quarto e o encontrar dormindo do mesmo modo em que o deixou. Deita-se em suas costas e beija seu rosto, desejando bom dia.
Ele resmunga e sorri, passando os braços em torno dela, indiferente da posição complicada em que estão.
- Você voltou. – ele diz, com a sua maravilhosa voz rouca matinal.
- Pensou que eu tinha fugido?
- Talvez.
- E nem pensou em ir atrás de mim? – sai de cima dele e sentindo frio pela falta dela, Enrico se deita de costas na cama.
- Estava indo fazer isso agora mesmo. – boceja, ainda sonolento, e a puxa pela cintura até que ela fique com uma perna de cada lado do seu corpo e sentada em cima dele. 
- Só se for em sonho, né?! – Ana anda os dedos pelo peitoral dele.
- Eu já tinha encontrado você lá. Já estávamos na parte em que ficamos pelados.
- Ah, é? – seus dedos param e sua concentração se volta para o rosto dele - Isso parece interessante.
- Com certeza é. – ele começa a brincar com a camiseta dela, só esperando o momento de tirá-la.
- O... – Analu é interrompida pelo celular que começa incansavelmente a tocar. Ela parece levar um choque ao escutar o alarme diferente dos outros que tocam normalmente em seu celular avisando que se estivesse em sua rotina normal deveria acordar, ir para reuniões ou até mesmo comer. Esse tem outro som, lembra um despertador de filme, aqueles bem barulhentos e irritantes. Um estalo a faz se levantar e correr até a bolsa jogada em cima da mesa, deixando-o sem saber o que está acontecendo - Não, não, não, não!
Ao ver o lembrete brilhando na tela entra em pânico. Isso não pode ser real. Como assim já é quarta-feira? Desliga o alarme e confere a data e hora de hoje, vendo que realmente é quarta e que em menos de duas horas precisa pegar o voo de volta para São Paulo.
     Puta merda.
A voz de Enrico, que está parado atrás dela, a tira de seus devaneios. Ele parece preocupado ao perguntar se está bem e o que está acontecendo. Sua mente para, seu corpo não reage e ela se sente completamente perdida.
- Analu, está me ouvindo? – ele estala os dedos em sua frente, que parece voltar a vida, como num passe de mágica.
- Oi, estou. Estou ouvindo.
- Tudo bem? Você ficou parada olhando para o nada. Estava quase ligando para a emergência, achei que estivesse tendo algum tipo de paralisia, sei lá.
- Hoje é quarta-feira, Enrico. Sabe o que significa?
- Dia de feijoada no restaurantes brasileiros? – tenta brincar, mas para quando percebe que, pela primeira vez, a garota não sorri de suas palhaçadas.
- Meu voo de volta está marcada para daqui a duas horas. Menos até.
- Você vai embora HOJE? – questiona entendendo o grau da situação.
- Não vou conseguir, nem se quisesse, pegar esse voo. Está muito em cima da hora e temos questões que precisam ser resolvidas antes de voltarmos para a vida real.
    Vida real. Essas palavras amargam na boca dela, do mesmo jeito que são como uma indigestão para ele.
- Chegou o momento, né?!
- Sim, chegou a hora de conversarmos sobre o que aconteceu nesses últimos dias e decidir o que acontece a partir daqui.
- Então, vamos conversar.
Uma batida na porta chama atenção, Analu diz que é o serviço de quarto e vai receber.  Assina a comanda depois do atendente arrumar a mesa para eles e agradece ao homem, que deseja um bom dia e se vai.
- Vamos tomar café e conversar. Comida sempre nos torna mais proativos e inteligentes. – Ana se senta em uma das cadeiras e morde uma rosquinha. Esperando que ele se sente em frente a ela, onde está disposto o outro assento, fica contente quando Enrico pega a cadeira e coloca ao lado da sua antes de se sentar e lhe dar um beijo no rosto, ao vê-la abrir um sorrisinho. 
- Lu, pode me prometer só um coisa?
- O quê?
- Me prometa que irá falar a verdade durante essa conversa. Sem meias verdades ou pouco caso da situação, se sentir que não quer ou que quer, diga. Apenas fale.
- Eu prometo.
- Eu também prometo.
- Ótimo. Acho que podemos começar com o nosso casamento. Como você quer lidar com isso?
- Você quer saber se ainda quero estar casado com você depois que voltarmos?
- É. – ele a olha com uma expressão de quem não confia nos próprios ouvidos, como se aquela pergunta fosse maluquice – Não me olhe assim, é uma pergunta válida.
- Ok. Respondendo à sua pergunta: sim, quero continuar casado com você. Não pretendo deixá-la escapar assim tão fácil. Sabia o que estava fazendo ao assinar aqueles papéis.
Ela fica meio surpresa pela resposta, embora desejasse profundamente ouvir exatamente isso.
- Quem disse que quero escapar mentiu, não quero nada menos que isso dê certo. Mesmo que ainda não faça ideia do porquê me casei com alguém depois de conhecê-lo apenas a vinte e quatro horas, quero que dê certo. Sinto que temos alguma coisa além dos fatos, além do que se vê.
- Mas?
- Como vai funcionar? Moro em São Paulo, você em Ribeirão Preto. Levamos vidas diferentes, rotinas corridas e trabalhos que exigem muito de ambos. No meu caso ainda estou cheia de problemas familiares e talvez eu acabe me tornando uma megera amargurada por tudo isso, não sei. E se nos conhecermos fora dessas paredes e descobrirmos que somos completos opostos e tudo não passou de uma fuga da realidade? Não quero me jogar em um abismo sem saber se tem água ou pedras no fundo dele. Entende o que quero dizer?
- Completamente. Porém acho que em nada que fazemos na vida temos a certeza do que vem a seguir. Pode parecer um cenário completamente desfavorável olhando dessa forma, mas pense por outra perspectiva, Lu. Quais as chances de dois estranhos sentirem uma conexão tão instantânea a ponto de concordarem em se casar depois de vinte e quatro horas que se conhecem? Falei a verdade naquela balada sábado anoite, essa é a única coisa certa na minha vida, VOCÊ é a única coisa certa na minha vida. Terminei um relacionamento recentemente e isso poderia ser o meu calcanhar de Aquiles, mas se não fosse por isso, não estaríamos aqui tomando café, juntos e casados. As vezes as coisas acontecem porque tem que acontecer. Não tenho como te prometer que vai ser fácil, mas acho que podemos enfrentar tudo se realmente quisermos batalhar por nós. Eu topo. – bebe mais um gole do suco e come uma torrada, esperando o próximo passo dela. Ela fica o encarando, tentando encontrar as respostas naqueles olhos azuis e formatar um plano que funcione bem.
    Começou a conversa ciente de que iria esperar os dias necessários para o casamento se autoanular e depois viveria sua vida solo, como se isso tivesse apenas sido um surto, um momento de loucura e liberdade da realidade. Mas, depois de tanta confiança da parte dele, da verdade em suas palavras e em seus olhos, não sabe como faria para simplesmente esquecer isso e voltar a ser quem era quando não o conhecia.
- Podemos nos ver aos finais de semana.
- Passei os últimos anos indo para São Paulo toda sexta feira atarde e voltando para Ribeirão domingo anoite, posso continuar com isso sem problemas.
- Também falei sério sobre você ser a coisa mais certa da minha vida, Enrico. Posso separar um pedaço do closet, dividir minha enorme cama e meus milhares de travesseiros com você. - ele a puxa para um beijo, cheio de paixão e felicidade - Quero lutar por isso, quero lutar por nós por mais difícil que possa ser.
- Vamos fazer dar certo, linda. – ela concorda e voltam a comer, caindo em um breve silêncio confortável.
- Você tem medo de morrer? – pergunta casualmente e ele franze a testa, sem entender de onde veio essa pergunta – Tem grandes chances de quando meus pais o conhecerem de eles nos matarem, eu não tenho medo de morrer, mas preciso saber para que você possa pensar direito antes de aceitar enfrentar minha loucura comigo.
- Não tenho medo de morrer, apenas não gostaria de que isso acontecesse agora. Queria aproveitar um pouco mais a vida, tipo, ter um cachorro, pular de paraquedas, aprender a montar uma bela lasanha, ter uma família e morar em uma cobertura antes disso, mas aceito o risco.
- Um cachorro? Você não tem medo de cachorros?
- Tinha, no passado. Quero sim ter um cachorro, o que me diz?
- Quero um cachorro, meu sonho sempre foi ter uma cadela daquela raça da Dama de “A Dama e o Vagabundo”, sabe?
- Sei.
- Quero uma tatuagem também, na verdade quero várias. Quero muitas coisas daqui para frente.
- Podemos resolver sobre a tatuagem rapidinho. Nas lojas do hotel tem um estúdio.
- Acha que sou muito louca?
- Um pouco, mas agora até eu fiquei a fim de fazer mais uma.
- Não sei se tenho coragem. – assume e ele ri.
- Você se casou com um estranho, fazer uma tatuagem é fichinha perto disso.
- É verdade. Eu fiz mesmo isso. Vamos marcar uma sessão com o tatuador. – ela pega o celular e o panfleto dos serviços do hotel, folheando-o até encontrar o que procura e marcar para fazer sua primeira tatuagem.
     Em Vegas... parece que muitas coisas acontecem pela primeira vez nessa cidade.

Vegas para DoisOnde histórias criam vida. Descubra agora