Capítulo 22

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Estava lá, com o Miles debruçado no meu busto, me olhando, como se aqueles olhinhos estivessem tentando me salvar de algo, enquanto assistia meu corpo tomar consciência. Meu corpo relaxou com o barulho da chuva calma, mas por algum motivo, fazia a janela parecer ruir a qualquer momento.

Em um movimento calmo, para não assustar o cachorro que estava começando a adormecer, procuro meu celular, que em algum momento da noite, tinha sido enfiado embaixo da coberta.

Sinto uma onda de desânimo ao saber que já deveria estar acordada há um tempo. Resisti aos olhos piedosos me pedindo para ficar, e levantei.
E lá estava a situação que julguei ser motivo de toda a complexidade de meu humor, ultimamente: a escorrência do fluido corporal que anuncia que, nesse caso, felizmente, minha vida sexual não anda tão ativa, e naturalmente não estou grávida.

Corri para o banheiro para realizar a devida higiene do meu corpo, e expulsar a sensação de impureza por estar ensanguentada.

***

Observei aquelas pessoas que carregam a solidão em seus olhos. A aura de quem procura algo passava por mim sem me ver, porque é claro que eu não sou quem aquelas pessoas procuram. Mas não levo para o lado pessoal; no fim, nunca se trata de quem, mas o quê. E eu nem sei qual dos dois é pior.

Anna acena para mim, ao longe, mas o suficiente para que eu note sua expressão aflita. Suas sobrancelhas estavam erguidas de uma forma como se só assim pudessem encontrar a cura para suas dores. Eu já vi aquele olhar antes, naqueles mesmos olhos castanhos. A cólica se misturou com uma frieza, aquela que vem de dentro, quando você já sabe o que te espera.

– Oi, Meg. – agora encaro a garota, tão próxima de mim que me pergunto como isso seria possível há segundos atrás. É claro, graças a suas pernas, sustentadas por uma espécie de galocha super estilosa, que mal parecia uma galocha de fato. O que significa que ela precisou caminhar até a escola, então tem alguma coisa bem errada.

– Oi, Anna. Como você está? – deixei claro no meu tom de voz que aquela não era uma pergunta usual de cumprimento.

Ela engoliu a seco. Então, depois de dezenas de pessoas passando por mim há minutos, com a mínima chance de encontrarem em mim o que procuram, eu vi que ela precisava. E havia uma esperança em sua expressão, como se tivesse acabado de encontrar. Mas como poderia ela tirar água dessa fonte, se essa vive de suas gotas para se manter de pé?

– O Ben desapareceu.

Arqueei as sobrancelhas, surpresa.

– Como assim, ele desapareceu?

– Ele, ah, ele não desapareceu, na verdade. Ele sumiu. Quer dizer, ele está fugindo de algo. Tá, olha, eu vou explicar – pigarreou, recuperando uma força claramente já escassa. – Meu irmão tem algum tipo de problema, que quando as coisas não vão bem, ele some. Simplesmente some. Entende? E eu fico com tanto medo de ele fazer alguma besteira com a própria vida, Megan. Tanto medo. As vezes eu acho que ele some para conseguir drogas, sabe, como se ele estivesse enfrentando uma, hum, como é mesmo o nome?

– Abstinência?

– Isso, isso. Olha, eu sei que você não tem nada a ver com isso. Mas, Megan, você tem alguma ideia de onde ele possa estar?

Na verdade, eu até tinha umas sugestões, mas me pareceu traição dizê-las, ainda que aquela voz soasse tão desesperada. Não podia permitir que invadissem um espaço que não me pertence.

– Anna, calma, ok? Não, eu não faço ideia. – respirei fundo. Precisava de algo que eu mesma necessitava, mas decidi que daria um jeito nisso depois. – Já estão procurando por ele? Tipo, a polícia?

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