Capítulo 16

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Tento desviar a atenção da dor intensa na região das têmporas, e as massageio, enquanto observo titia lidar com as panelas. Falhava em cada movimento, e assim, cada vez mais fiquei com medo de experimentar o que tentava cozinhar com tanta animação e mal-jeito.
Tive vontade de dizer algo para quebrar o clima tenso, acalentado pelo ferver do molho e a recente pressão pega da panela, mas já tentei fazer isso antes, e só de imaginar ser ignorada, como tem acontecido, minha única opção é hesitar.

A casa anda silenciosa na maior parte do tempo, a amizade dela e mamãe também fora abalada. As duas não conversam mais que o necessário.
Não queria que as coisas chegassem a esse ponto; mamãe insistir em nossas interações e eu me sentir tão mal com o remorso que ouvir novamente seus insultos, parece ser cada vez mais considerável. Uma pena que meu orgulho seja tão maior que o meu instinto pacífico, pelo menos para me desculpar. Apenas sinto muito por isso, e principalmente, pelas tentativas de mamãe em fazer que a gente volte a conversar. Posso sentir o seu olhar vindo do sofá, onde como desculpa para ficar perto e total desinteresse, lia o jornal.
Volto para essa dimensão quando sinto meu celular vibrar continuamente, assim que leio o nome de Anna na tela, não demoro mais que dois segundos para ouvir sua voz.

 – Megan? Oi. Ah... eu sei que está tarde... Mas você pode vir aqui agora? eu... eu não sei o que fazer. – a voz da garota do outro lado entregava seu desespero, tal angústia que ela não poderia esconder jamais. Enquanto olhava para certa direção, tentei supor o que poderia estar acontecendo. 

 – Oi, Anna. – olhei de relance para mamãe, para ela saber com quem eu estava falando, já que seu olhar curioso pairando sobre mim começava a me deixar nervosa. – O que aconteceu?

 – É uma daquelas de novo... Meus pais não estão aqui, você pode vir... agora? – ouço a respiração de Anna, e por um segundo, imaginei que o que estava a pedir, fosse mesmo possível de realizar naquele momento.
Mamãe dizia algo baixinho, no qual só consegui entender fazendo leitura labial.

 – Ir agora na sua casa? – repeti as palavras de Anna para que minha mãe entendesse o que estava a acontecer. Pensei no que responderia enquanto mamãe fazia que não com a cabeça; um gesto firme e olhar decidido.

 – Claro, claro. Logo chego aí, tudo bem? Se acalme. – desliguei o telefone antes que o olhar inconformado de mamãe me fizesse mudar de ideia. Respirei fundo em uma tentativa de expulsar os pensamentos que poderiam me causar qualquer pressionamento, o que pareceu em vão. Embora estivesse renegando observações pessimistas, sabia que não poderia contar com a ajuda da minha mãe dessa vez. Se quisesse mesmo cruzar a cidade, com uma determinação que ainda não sei de onde vem, precisava pensar rápido.

Até finalmente encontrar o que procurava, me deparei com aplicativos desnecessários e redes sociais já desativadas. Em uma nota mental, frisei a importância de desinstalar todas aquelas ferramentas inúteis e há tempos não usadas.
Ao clicar no aplicativo de táxi, pude reparar em minhas mãos suadas e frias, enquanto recebia olhares de negação de mamãe, que continuava quieta. Talvez estivesse esperando que eu desistisse; que ignorar sua resposta final fosse apenas uma brincadeira.

Concentrei uma atenção maior quando tive de colocar meu endereço, e necessitei de qualquer que fosse a coisa que me faria lembrar onde a Anna mora. Busquei na memória por detalhes como estabelecimentos próximos e apenas me lembrei de uma lanchonete, ainda que ficasse alguns metros da residência. Digitei Shakespeare cautelosamente, e me perguntei o porquê do nome. Hesitei por um segundo quando vi o valor na tela, que significava ter que abrir mão do único dinheiro que eu tinha no bolso. Me perguntei se aquilo realmente valia a pena.

Levantei do balcão e começo a caminhar apressadamente  para não perder o carro que, segundo o aplicativo, estaria em frente de casa em dois minutos – mesmo que desconfiasse dessa velocidade.

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