O momento em que tudo deu certo

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Junho, 2022

É só mais um dia comum na vida de Catra.

Ela acorda às seis horas da manhã, não mais às cinco, como antigamente. Toma café-da-manhã rapidamente, um copo de água e duas torradas com manteiga, sai de casa quase seis e meia, chega no trabalho pouco depois das sete. Assim como ontem ao final do turno, a VM parece ainda estar com problema, não conseguindo acessá-la de maneira alguma. Por causa disso, tem deixado seu notebook pessoal em casa.

É tão estranho não ser mais a primeira a chegar e última a sair todo dia.

Seus dias finais na empresa estão se aproximando. No dia anterior, entregara seu pedido de demissão no RH da empresa, após o RH da TrapTech contatá-la para oferecer a vaga para a qual havia se candidatado. Ainda ontem, logo após o trabalho, ela passara lá para assinar o contrato. Começaria na empresa no começo do mês seguinte, dali duas semanas, com um salário ligeiramente maior que o que recebe agora.

É uma surpresa e um enorme alívio o leve aumento nas suas finanças. Já tem algumas semanas que não tem mais feito lives, sempre se escorando em desculpas esfarrapadas, mas a verdade é que não pretende mais voltar com elas. É degradante e só faz com que se odeie mais e sinta raiva de si mesma. Sem elas e sem os trabalhos de revisão da faculdade, perdeu boa parte das suas fontes de renda, mas se impressiona com quão pouca diferença isso parece fazer.

É incrível acordar depois das sete, chegar em casa antes das seis, jantar com Luz e Scorpia, jogar videogame com elas quase todas as noites antes de dormir, com Melog ao redor fazendo graça, deitando-se no seu colo, miando desesperado para chamar a sua atenção por comida, água ou carinho e Luz, quase todos os dias, mostrando novas fotos e filmagens que fez de Melog e King.

Até se pergunta se talvez já não esteja na hora de arrumar seu próprio apartamento e finalmente deixar Scorpia em paz, mas é claro que, quando tenta falar a respeito com sua amiga grandalhona, ela insiste que não, que não tem problema algum e que adora a companhia das duas.

É só mais um dia comum na vida de Clementina.

São três horas da tarde, uma hora do seu horário de saída, o qual ela pretende cumprir sem hora extra alguma.

– Clementina? – uma das mulheres do RH adentra a sua sala.

– Sim, Giovana? – indaga, distraída.

– Hã, tem uns caras que querem te ver... da polícia... – ela murmura, nervosa. A supervisora desvia os olhos da tela do seu computador, franzindo o cenho em estranhamento. "Como assim, da polícia?", pensa. Não estava sabendo que a empresa estava sob investigação de novo e, mesmo se estivesse, normalmente não é ela que tem que lidar com isso. Sentindo as pernas levemente trêmulas, Clementina se levanta.

– Okay...? Onde eles estão?

– Erm, por aqui...

Giovana guia a supervisora até o estoque do galpão. Quando chegam ao final de um dos corredores, Catra se surpreende ao ver boa parte da mercadoria fora das embalagens, jogada ao chão, e vários dos empregados do estoque algemados, sentados no canto da sala. Esperava ver no máximo dois policiais, mas tem vários à vista, alguns que entram e saem do galpão a todo momento. Muitos dos funcionários olham para a parede ou para o chão, assustados, incrédulos; um ou outro olha na sua direção, como se cobrando explicações ou implorando por ajuda.

– Que porra tá acontecendo aqui?! – ela levanta a voz, chamando a atenção dos policiais. Um fardado grandalhão na casa dos 50 anos vem até ela, a passos agressivos.

– Clementina Noceda? – ele indaga, cheio de brutalidade na voz.

– Sou eu. Que porra é essa? – ela aponta para os funcionários algemados à parede e os milhares de reais em mercadoria espalhados no chão. O homem, em vez de dar uma resposta, a agarra agressivamente pelo pulso e a derruba violentamente no chão com uma rasteira, algemando-a em seguida – AI, CARALHO! TÁ LOUCO, FILHO DA PUTA?

Do Outro Lado - (Catradora / Lumity)Onde histórias criam vida. Descubra agora