Primeiras páginas

1.5K 55 10
                                    

RAFAEL SOARES

A primeira vez que Rafael ouviu a palavra "oração" tinha dez anos de idade. Desde então, desenvolveu o hábito de orar várias vezes por dia, não importando se estava andando na rua ou confortável em sua casa. Naquele dia não foi diferente.

Acordou às 5h30 de uma segunda-feira nublada de Belo Horizonte, esticou-se o máximo que pôde e se sentou na cama. Fechou os olhos e fez uma pequena prece pedindo por um dia abençoado, porque aquele era realmente um dia especial: seu primeiro dia de trabalho. Esse era o início da sua nova vida pós-missão. Havia chegado há três meses do interior de São Paulo e estava ansioso por um recomeço.

Banho, barba, cabelo, calça social, camisa, gravata, sapatos... Não nessa ordem, mas tudo em ordem. Ouviu sua mãe falar que ele ia perder o ônibus e, olhando para o relógio, percebeu que ia mesmo! Pegou sua mochila, correu para cozinha e levou consigo uma maçã. Olhou para o relógio novamente e decidiu correr. Odiava a ideia de correr todo arrumado, mas era o jeito ou chegaria atrasado justamente no primeiro dia!

Correu o máximo que seus sapatos sociais permitiram, dando até para sentir o livro e o caderno pulando dentro da mochila. É, depois do trabalho teria a faculdade, ou o terceiro round, como preferia chamar. Chegou à parada a tempo de ser o último a entrar no ônibus, mas conseguiu e deu um sorrisinho de canto de boca, satisfeito consigo mesmo. Espremeu-se entre as pessoas na dança do "com licença, com licença" e achou um lugar para por o pé no assoalho e outro para por a mão na barra de apoio superior. As pessoas apelidaram o ônibus desse horário de lata de sardinha e dá para imaginar o motivo.

Após um tempo, percebeu que a corrida o tinha feito suar, o que - na sua visão - era péssimo. Lá estava ele segurando a barra de apoio e suando lentamente. Uma pessoa à sua frente saiu do lugar e, assim, ele pôde ter um pouco mais de espaço, conseguindo agora ficar com os dois pés juntos e segurar a barra com mais facilidade. Passou a mão no bolso para procurar um lenço, hábito que desenvolveu na missão, mas viu que não tinha um. Passou a testa suada na manga da camisa e deixou a cabeça reclinada no ombro, fechando os olhos por um tempo.

ARAÇATUBA - 1 ANO E 8 MESES ATRÁS

- Campbell, vamos comprar água ali no fast food? - disse Soares enquanto ambos missionários desciam a pé a Avenida Brasília, na cidade de Araçatuba. Os missionários sempre se chamavam pelos seus respectivos sobrenomes, então Rafael era o missionário Soares. E assim seria conhecido pelos próximos dois anos.

- Acho que não, eu preferir água de coco - respondeu o americano com seu português adquirido em um ano e meio na missão Brasil Ribeirão Preto.

- Mas o tiozinho da água de coco fica lá do outro lado da Avenida Pompeu, a gente vai andar mais e eu estou muito cansado pra isso - reclamou enquanto secava a testa com um lenço.

- Mas água de coco lá é 500 ml e água no fast food é 300 ml, e é mais cara! Alegria, Soares, vamos beber coco!

Vencido pelo calor de 38 graus das 16h30, ele só deixou que a gravidade o ajudasse a descer aquela avenida. Desde às 13h30 horas que estavam no bairro Nova Iorque tocando interfones em busca de contatos para ensinar sobre o evangelho. Conseguiram apenas falar rapidamente com um carteiro que entregava correspondências pela região, mas fora ele, nenhum outro contato havia sido feito e o cansaço era visível nos dois.

Desceram a Avenida Brasília e, passando em frente ao fast food, Soares tentou mais uma vez convencer o missionário companheiro a comprarem água. O americano saiu andando mais rápido sem dar uma única palavra. Soares ficou um pouco mais atrás, afrouxou a gravata e pensou, talvez pela centésima vez naquele dia, "que calor é esse?". Andaram até o final da Avenida Pompeu de Toledo e lá estava o carrinho de água de coco.

Quando o Amor Acontece: A ProcuraOnde histórias criam vida. Descubra agora