Continuação - 32

85 19 0
                                    



Michelle não se sentiu nem um pouco sozinha por não estar com as meninas por perto. Aquela viagem tinha dado uma volta de 180º em sua vida: passou um bom tempo nutrindo sentimentos equivocados por um missionário – o que a fazia sentir vergonha de si mesma nessa hora – e tinha ido a Salvador pensando em ser namorada dele, mas viu que ele já tinha namorada. Julgou que Marina e Flávia eram insuportáveis e, no fim, era fantásticas! Encontrou sincera preocupação no amigo Rafael, que lhe aconselhou sobre princípios e valores que ela mesma precisava ter por si mesma. E de quebra, percebeu o quanto estava sendo imatura agindo como sempre agira.

Quando havia percebido tudo isso e resolvera desesperadamente estar junto da família que ela havia tratado tão irresponsavelmente, eis que surge Marcos e a pede em namoro. Claro que teriam um intervalo de dois anos pela frente, mas ela estava disposta a assumir esse risco. Enquanto isso, se dedicaria aos estudos e trabalharia em seu novo eu.

Se fosse parar para pensar, lá estava ela, de novo, apaixonada por um missionário. Bem, dessa vez era diferente! Riu de si mesma.

Estava se preparando para ir a Ilhéus e já tinha contado tudo aos pais. Com o carinho que sentiam pelo Maurício, ficaram extremamente felizes, sem nem mesmo terem se encontrado com Marcos. Ela também pediu perdão por ter sido tão ausente e injusta em tantos momentos.

A verdade é que ninguém muda de uma hora para outra, mas os pais sentiram sinceridade nas palavras da filha. Reconheceram que grande parte das atitudes dela estava sob suas responsabilidades. Como quando eles compravam roupas curtas ou apertadas demais para a filha, mesmo sabendo que não deveriam. E quando permitiam que ela quebrasse ou adaptasse uma ou outra regra. O momento era mesmo de mudança e a mala à sua frente simbolizava isso.

Separou as roupas que não condiziam com sua nova atitude e decidiu que não as levaria consigo. Talvez essa simples atitude não representasse muita coisa para alguém, mas para ela foi o divisor de águas. Agora seria a Michelle que deveria ter sido! Como alguns hábitos são difíceis de largar, ela postou uma selfie com a legenda new me, só para constar.

Falou com Marcos ao telefone até que a orelha ficasse vermelha. O bom e velho telefone fixo ainda tinha seu charme. Marcaram um horário e fizeram planos. Planos para a semana, para o mês, para o ano... Planos para além de dois anos. Parecia mesmo que Michelle talvez se mudasse, enfim, para Salvador. Exausta, dormiu abraçada ao telefone.

***

Contra a previsão do tempo que anunciava chuva para aquela segunda-feira, o céu estava perfeitamente limpo. Em breve, o sol nasceria e Maurício tratou de acordar Rafael com mais de uma hora de antecedência. Havia compartilhado com o amigo os planos para a manhã daquele dia e Rafael levantou-se disposto e animado. A segunda prometia ser especial.

Aproveitaram para já despedirem-se de Marcos, que partiria para Ilhéus ainda cedo. Como planejado, Maurício e Rafael iriam à praia. Seu Marcondes levaria o filho e Michelle à rodoviária, deixando Maurício despreocupado da responsabilidade.

Chegaram para buscar as moças, mas não se despediriam de Michelle, que deveria estar no décimo sono uma hora daquelas. Infelizmente, não a veriam mais, mas aproveitaram para deixar um bilhete de despedida na recepção. As garotas tiveram a oportunidade de um último abraço na noite anterior. Marina se deteve um pouco mais, então Flávia adiantou-se e seguiu à recepção sozinha. Os rapazes esperavam no jardim da pousada.

O céu ainda estava escuro e a brisa marinha daquele horário a fez tremer de frio. Não imaginando a temperatura, deixara o casaco no quarto e esquentava uma mão na outra, enquanto sentia o vento forte praticamente traspassar suas costelas. Prontamente, Rafael tirou o casaco de algodão que vestia e passou para ela que, sinceramente, agradeceu. Sentiu-se aliviada por se proteger do frio, ao passo que aqueceu também seu coração por conta de um doce perfume no casaco. Sim, Rafael era cheiroso! Não bastasse o coração descompassar perto dele, teria agora a lembrança olfativa do rapaz para potencializar a coisa toda. Riu sozinha da sua situação.

Seguiram pela avenida Oceânica, em direção ao mirante e Maurício parecia mais eufórico, sorrindo largamente o tempo inteiro. Com facilidade, encontrou um lugar para estacionar e todos seguiram ao local. Os amigos mineiros ficaram encantados com a beleza natural do lugar. Trataram de subir o morro, ansiosos pelo nascer do sol.


Marina olhava para o namorado, todo disposto aquela hora da manhã, e não deixou de achar graça. Ela, apesar de querer aproveitar cada minuto ao lado dele, não conseguia mostrar tamanho entusiasmo por acordar tão cedo. Mas agora, enquanto subiam de mãos dadas, não tinha nada do que reclamar.

O mirante estava deserto. Só se ouviam as ondas do mar e o movimento preguiçoso de poucos carros na avenida. Rafael sabia que o amigo precisava de toda privacidade nos próximos minutos, então chamou Flávia para que fossem dar uma olhada do outro lado.

As mãos de Maurício estavam frias, não pelo clima, mas pelo que estava para acontecer. Dentro de seu bolso, trazia um par de alianças que ele comprara meses atrás, logo depois de conhecer Marina. Esperou por aquele momento com ansiedade. Desejava que ela sentisse o mesmo que ele sentia há muito tempo: eles seriam felizes juntos! Antes mesmo da namorada aparecer em Salvador, ele já planejava ir atrás dela em Belo Horizonte. Mas o destino antecipou o encontro e ele não perderia a chance de aproveitar esse presente. A moça olhava desconfiada para Maurício que não parava de sorrir. Ele chegou até a rir certo momento.

– Ok! Você tá estranho – ela afirmou sorrindo. – Tem alguma coisa errada com minha aparência? Acordar tão cedo assim costuma me deixar um lixo – comentou passando a mão mais uma vez pelo rabo de cavalo que tinha feito.

Maurício, de repente, assumiu um tom mais sério. Puxou a moça pela mão e permaneceu olhando para ela, como quem contempla o mar. Ela, mesmo já acostumada com o namorado, ficou um pouco tímida com a intensidade daquele olhar.

– Quando eu estava para voltar de missão, meu presidente conversou comigo sobre várias coisas. Eu já me sentia saudoso do trabalho missionário, mesmo antes de partir. Fiz amigos lá e era tão bom ajudar as pessoas e saber que eu estava sendo útil! Esqueci de mim mesmo e minha alegria era ver tanta gente encontrar a felicidade através do evangelho. Não tinha recompensa maior! A minha perspectiva de voltar para casa era, ao mesmo tempo, boa e ruim. Boa, porque estaria de novo com minha família e ruim, porque, de alguma forma, pensava que nunca teria aqueles sentimentos especiais de novo... Não da forma como era na missão – Marina ainda segurava a mão do namorado em silêncio, esperando que ele continuasse. – Meu presidente me ensinou muitas coisas, mas, nessa última conversa que tivemos, me fez uma promessa: a de que chegaria o dia em que eu encontraria uma felicidade tamanha, que não teria coragem de dizer que a missão foi o melhor momento da minha vida. Claro que jamais me esqueceria daqueles dois anos, mas o que me aguardava seria bem maior! Aprendi que o amor e a dedicação que empreguei na missão, foram uma preparação para que eu pudesse cuidar de algo... De alguém que realmente excede o valor de qualquer coisa no mundo! – ele tinha sua voz embargada. Respirou fundo uma vez antes de continuar. – Morena, estou disposto a dedicar vinte e quatro horas do meu dia pra ver você feliz! Sem direito a folga nem feriado! – disse com um sorriso. – O que eu quero te perguntar, minha rainha, é se você aceitaria esse baiano como seu companheiro pra essa vida e pra toda a eternidade... Porque eu te amo tanto que não consigo mais me imaginar tão longe de você!

Quando o Amor Acontece: A ProcuraOnde histórias criam vida. Descubra agora