Capítulo 1 - Guarapiranga

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O vento sudoeste entrou com vontade naquele início de tarde na represa de Guarapiranga, na zona sul de São Paulo. Em pé, junto ao mastro, eu observava a vela mestra, dita a grande, bem cheia, assim como a genoa, toda curvada na proa do barco.

O casco ligeiramente inclinado para boreste, indicava a força do vento, que devia estar com uns 20 nós. No meu "novo" Brasília 23, o "Engelfreund", uns 6,5 nós me deixaram satisfeito. Na cana de leme, governando o barco, minha esposa tinha o sorriso da felicidade estampado.

Seus cabelos negros teimavam em perder-se ao vento, o que a deixava mais atraente. Os olhos azuis dela se dividiam entre a direção das fitas nos estais e este que escreve. Mirei na proa e lá estavam eles, o mais novo casal a bordo. Apoiados nos guarda-mancebos, minha filha mais nova e o namorado, de mãos dadas.

Sentados, admiravam as águas calmas do "mar" dos paulistanos, onde é possível sair e chegar apenas na vela. Nada de motor por ali, o que já é um fardo para mais de 7 milhões que dirigem na cidade...

— Pai, olha o Sargento Branco!

Laura apontou na direção de um Paturi 16, que era o nosso barco há poucas semanas. O novo dono, Cléber, acenou-me e devolvi o cumprimento, antes de verificar as adriças. O Sargento Branco foi onde aquela que o apontou, foi concebida. Boas lembranças estavam naquela pequena embarcação à vela.

Antes de retornar para o cockpit, onde estava minha esposa, observei novamente a agitação de Laura e um beijo roubado de seu namorado, o jovem e promissor jogador de futebol, que só tenho a elogiar. Voltei à popa do Engelfreund e Diana me passou a cana de leme.

— Toda sua, capitão!

— Obrigado, minha linda imediata!

— Aqueles dois ali na proa, só felicidade hein?

— Sim, estão se divertindo muito meu amor. Pensei que o Fábio ficaria enjoado.

— Pois é, ele não ficou. Será um bom marinheiro...

— Melhor ele continuar batendo um bolão em campo...

Rimos de minha colocação, afinal, Fabinho era do Sub-17 do Santos Futebol Clube e estava perto de entrar para o time principal. O jovem de 16 anos foi uma agradável surpresa em nossas vidas, especialmente pelo que trouxe até nós. Nunca imaginei que o destino, ou o que for, pudesse agir assim.

Pensar na visita que fizemos para conhecer seus pais ainda me dá arrepios. Como pode ser possível que duas vidas possam se entrelaçar tão misteriosamente? Enfim, melhor não pensar nisso agora, ainda que tenha motivos para tal...

No fim daquela tarde de 20 de novembro de 2021, saberia bem o que é realmente o destino... Com a pandemia arrefecida, velejar é uma das coisas mais gostosas de fazer. Naquele dia, ficamos horas na água e o casal de pombinhos só deu as caras na popa para comer.

Paramos perto de uma ilha, lançamos a Bruce na água, mas não antes de garantir as velas enroladas. Botei a retranca de lado com o traveller e sentamos os quatro para apreciar uma iguaria alemã de dona Diana. O Schnecken estava ótimo, assim como o suco de limão e o Kartofellpuffer, as famosas panquecas fritas.

— Tia, isso está ótimo!

— Obrigada!

— Binho, essa aí é mais uma iguaria alemã, Kartofellpuffer.

— Nossa! Nem sei como se pronuncia isso, mas está muito gostoso. Como é o nome mesmo?

Kartofellpuffer.

MonaraOnde histórias criam vida. Descubra agora