A subida da Serra do Mar foi amarga. Pela primeira vez desde a adolescência, senti a solidão pelo longo caminho do Peabiru, como o último dos Tamoios... Foi um sentimento contraditório, pois, o que mais temia era perder minhas filhas.
Naquela despedida de Leonor, sabia que, no fundo, ela continuava a me amar e eu, como sempre, a amaria mesmo que me rejeitasse. Não há como não amar um filho, mesmo aquele que lhe atravessa com um sabre de luz, quanto mais os que magoamos profundamente.
Nos quilômetros da Imigrantes que se avançavam, minha mente ia da racionalidade de voltar ao Engelfreund ao delírio de parar em qualquer lugar, sair do carro e não fazer mais nada... Absolutamente nada! Apenas esperar que a chuva caía sobre mim ou que a noite viesse fria sobre meu corpo.
Após a interligação e a placa que indicava o ABC, a lembrança de Maria Clara estranhamente se fez. Ela, que um dia conheci em minha fuga para a Borda do Campo [Nota do autor: leia em Desert Rose], poderia ter me dado outro destino. Seria melhor? Sinceramente, não sei.
Quando passei pela represa Billings, minhas lágrimas me impediram de vislumbrar aquele pequeno mar e, certamente, me pouparam do dissabor de imaginar-me ali sem Diana. Infelizmente, meu destino era exatamente as águas de outro mar de lembranças.
Na estrada do Alvarenga, na zona sul de Diadema, conjecturei vender o barco ou transferi-lo para o mar. Talvez o Saco da Ribeira ou a Praia dos Vagabundos fossem mais agradáveis para um homem solitário, que perdeu a esposa e a família.
Minha dor, contudo, era desmedida em sentimentos e pensamentos fora da caixinha. Sofria porque merecia e teria de lidar com isso de uma forma ou de outra. Então, quando entrei na Nossa Senhora do Sabará, bem ali onde a boiada passa por dentro do posto de combustível, tive um impulso de ligar para Andrea.
— Dea?
— Guilherme? Que surpresa!
— Espero que seja boa...
— Vindo de você, sempre será boa.
Nem sempre foi assim, mas não quis contrariá-la. Precisava de colo, de alguém para me ouvir e ela era a pessoa que julguei mais adequada naquele momento. Sim, era um risco enorme ter com Andrea, mas se meu barco já estava afundado, a boia lançada pela ruiva poderia ser minha salvação.
Que infeliz comparação, afinal, uma vez alguém me lançou a boia da salvação, literalmente, mas ela mesma não pôde se salvar nas curvas da estrada de Santos...
— Gui? Está me ouvindo?
— Sim! Desculpe. É o trânsito, me distraí...
— Diga.
— Então, quero conversar contigo. Atrapalho se for agora?
— É... Bem... Não! É que estou indo para o trabalho, mas antes preciso parar em um lugar...
— Posso te encontrar lá?
— Poder, pode... Bem, é uma igreja.
— Igreja?
— Sim, a Catedral de Santo Amaro, sabe onde fica?
Antes de responder, minha mente foi inundada com uma pergunta: Andrea indo em uma igreja? Essa questão se fez por conta de nosso último encontro e nunca a imaginei estando em um templo religioso. Certamente foi pelas coisas que fizemos...
— Gui! Não estou te ouvindo!
— Não sei onde é, mas vou por no GPS e te encontro lá.
— Ok. Quanto tempo você acha?
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Monara
RomanceGuilherme acredita que após 27 anos de um casamento feliz, nada mais pode interferir em sua relação de amor com Diana. No entanto, sobre as águas calmas da Guarapiranga, a paz que conquistou ao lado dela, acaba com a chegada do "desejado" veleiro Mo...