Capítulo 18 - Tempo de cura

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Após meu encontro com Andrea, naquele belo parque paulista, parti para o Engelfreund, pronto para uma temporada em solitário. Abastecido, o Brasília 23 agora era minha casa e em uma longa estada na Guarapiranga, tendo comigo apenas alguns livros. Ligava o celular, apenas para falar com Laura, já que pedi à ruiva alguns dias para decidir minha vida.

Meu pequeno vaso delicado, porém, precisava de minha atenção, pelo menos por um instante ao dia. Revelei-a que ligaria diariamente, porém, quando fui fazer uma selfie para enviar à garota, uma rajada virou a retranca e, no susto, meu celular mergulhou nas profundezas da represa...

Eu estava bem longe da náutica e mandei uma mensagem para o pessoal, via canal 16, informando o infortúnio e se avisasse estar tudo bem. Quem atendeu a chamada no rádio foi a tal figura, que Eloísa se referiu em nossa última conversa.

Já havia se passado 10 dias desde que eu saíra da náutica, aproveitando bem os ventos que sopravam ou mergulhando quando o barco não tinha a força da natureza para empurrá-lo. Economizei ao máximo o combustível do motor de popa e racionei bem a alimentação e a água.

Por vezes, chorei no silêncio daquelas águas. Em alguns momentos, ria comigo mesmo de coisas imbecis que fiz no passado. Contudo, passava longas horas lendo muitas páginas de romances, uma das cargas mais preciosas a bordo do Engelfreund.

Troquei ideias com outros velejadores próximos, comi a bordo de alguns deles e até fiz novas amizades, mas toda vez que voltava para o Brasília 23, a saudade de minha família se fazia, mas eu precisava enfrentar aquilo. Queria de alguma forma curar minhas feridas.

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Depois do almoço, tirei a famosa "pestana" em um dia realmente quente. O rádio estava desligado, porém, ouvi outro barco a encostar...

— Oh! Guilherme!

No susto, levantei automaticamente como se fosse uma emergência. Quando saí no cockpit, vi o Fernando do veleiro Suricata, um day sailer de 16 pés.

— Guilherme, beleza cara?

— Beleza...

— O Giorgino está te chamando no rádio. Tá desligado?

— Putz, cara! Realmente está desligado. É um mau-contato que o desliga sempre, darei um jeito nisso.

— Se quiser, depois venho aqui e tento ajudar.

— Valeu Fernando, obrigado!

A bordo, falhas elétricas e eletrônicas não são raras em veleiros, não importa se sejam grandes ou pequenos, luxuosos ou muito simples, como o meu. É um risco enorme no mar e pode levar a consequências até fatais. Vim ignorando o defeito, mas o chamado da náutica trouxe a prontidão de volta a mim.

— Giorgino náutica, Georgino náutica, aqui é o Guilherme do Engelfreund, copia?

Nem precisei repetir, pois, sua resposta fora rápida e breve. O gelo que se formou em meu coração era glacial e vi no horizonte a onda de um tsunami de confusão. A paz que eu construíra a bordo naufragou como meu celular e a náutica já estava em chamas...

Aborreci-me por deixar ele cair, porém, não mais por avisar a "criatura" do ocorrido, pois, certamente tinha parte nisso. Aproveitei um vento sudoeste e usei até a genoa para ganhar velocidade.

Com uns 5 nós, demoraria muito até chegar e apenas rezei para no final das contas, não ser expulso daquela marina. Ainda que outras existam na região, as histórias correm com mais velocidade que os ventos locais e eventuais recusas se fariam. Após quase duas horas de vela e motor, cheguei ao píer.

MonaraOnde histórias criam vida. Descubra agora