Capítulo 10 - Até onde o impossível não existir

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A terça-feira surgiu com um gosto acre na boca. Era mais de 9 horas e ainda não acreditava haver conseguido dormir naquela triste noite. Para meu alívio, Leonor já havia saído, mas meu problema com ela não havia sido resolvido. Tive vontade de ligar-lhe e me desculpar mil vezes, mas não se faz assim...

Eu precisava do perdão dela e isso me atormentaria muito no que seguiria. Arrumei-me, tomei um café e fui para a náutica. No Engelfreund, meu ânimo estava quase zerado. Afinal, para quê dar os últimos retoques para uma temporada com a esposa, se isso de fato não aconteceria? Seria um esforço inútil, certamente.

Olhei para um grupo de barcos, em sua maioria brancos, e vi o Monara. Imaginei que a dona dele seria outra a me condenar pelo que fiz com a mãe dela. Seriam muitas a cobrar e talvez até a irmã gêmea dela também... Isso sem contar minhas filhas e Diana, ainda que uma delas já tivesse me condenado.

Entrou então um vento e soltei as amarras, fazendo o Brasília 23 deslizar sobre as águas calmas da Guarapiranga. Parcialmente nublado, o tempo estava bom e decidi descer a represa até o ponto mais extremo.

Enquanto o vento me levava, aliás, nos levava, eu refletia no cockpit do Engelfreund. Valia a pena terminar meu casamento após quase 30 anos, por um amor de adolescência? Andrea era tão formidável aos 46 quanto foi aos 18 anos, mas ainda era um mistério em muitas coisas.

As pessoas mudam com o tempo e eu não sabia o quanto da antiga ruiva havia nela, pior, nem mesmo o que se apresentava ali. Em mim, algo estranhamente começou a dizer que Andrea seria uma escolha para mudar de vida.

Meu casamento não estava de fato ruim, ainda que a questão do sexo, tivesse um peso diante de um questionamento eventual. Diana não merecia uma traição após quase 30 anos, tendo se desdobrado como esposa e mãe. Foram duros os dias de faculdade de Medicina, patrocinados naturalmente por Bertha, tendo ainda que criar duas meninas.

Wolf nunca se interessou em ajudá-la, ainda magoado — sem qualquer razão — com a filha. Quanto a ela, em mim só havia gratidão, carinho e respeito, mas este último perdi ao deitar-me com Andrea. Meu corpo queria a ruiva, mas meu coração ainda desejava Diana.

Bem, era assim que eu me resumia naquele momento, novamente dividido. Revelei a razão à Andrea, no intuito de não dar esperanças quanto a um relacionamento maior. Todavia, falhei nessa parte, ao imaginar que ela não alçaria um voo tão alto.

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Joguei a âncora Bruce bem perto do Rodoanel. Como não havia jeito de descer mais a represa, fiquei perto de uma das margens e me recostei no cockpit, admirando aquela ponte de concreto. Era perto da hora do almoço, mas eu não senti fome. Ignorei todas as chamadas do dia, inclusive de Andrea.

Não sabia, mas fazer isso me trouxe algo realmente inesperado para aquela terça-feira. Por volta das 15:30h, me prepararei para voltar. Não havia comido nada além de uma maçã e isso me parecia o suficiente. Enquanto recolhia a âncora, notei um veleiro vindo em minha direção.

Quando estava mais próximo, pude divisar o casco azul e as formas de um Skipper 21.

— Não acredito! Não pode ser!

Desci até a cabine e encontrei o binóculo, saindo novamente e visualizando quem estava a bordo, congelei. Pensei ser Heloísa inicialmente, mas quem estava na cana de leme era ninguém menos que Andrea! Mas, como ela teria conseguido isso?

Foi a pergunta que me martelou até ela se aproximar do Engelfreund. Vi a ruiva soltar a genoa e controlar o riso da mestra, deixando o Monara chegar mais perto.

— Puta merda! Ela vai parar na vela! Mas, como...

Andrea colocou as defensas no costado do Monara e fez leve curva para atracar. Sabendo o que ela ia fazer, joguei as minhas proteções laterais e imediatamente peguei o cabo que me lançou para frear e prender os dois barcos.

Com sorriso no rosto, a ruiva fez uma vã tentativa de disfarçar seu nervosismo. Nisso, lembrei da âncora e corri até a proa para evitar um encalhe. Depois, saltei sobre o Monara e fiz o mesmo.

— Andrea! Você ficou louca? Como veio até aqui sem saber velejar?

— Pensei que ficaria mais feliz em me ver...

— Estou, claro, mas o que você fez é perigoso.

— Sei que é, mas precisava ver você hoje.

— Como me encontrou?

— Não sei. Simplesmente imaginei que você teria vindo para cá e mantive esse rumo. Quase encalhei, é verdade, mas deu certo.

— Meu Deus!

Andrea se aproximou e me abraçou. Seu corpo estava gélido, mas não era de frio. Os batimentos de seu coração ainda estavam acelerados.

— Calma, Gui. Estou bem agora.

A mão dela pegou a minha e seu olhar espelhava não só o alívio de ter conseguido a travessia, mas refletia o que seu coração sentia.

— Por você, vou até onde o impossível não exista.

— Dea...

Uma lágrima percorreu sua face e a peguei. Ali, meus olhos refletiram na lembrança a bordo do Puma, quando vi a bela ruiva com um olhar diferente. A coragem para amar não lhe havia abandonado. Tão imprudente quanto aos 18 anos, a ruiva ainda desafiava a si própria com o coração.

Beijamo-nos e deixei que meus olhos mergulhassem no mais profundo do meu mar. Andrea deu-me um duro golpe naquele fim de tarde. Dois barcos, duas almas e um sentimento, bem ali, perto dos que passavam incautos pela estrada.

Não havia outro resultado, que não a tomar entre os braços e unir-me a ela inteiramente na cabine do Monara. Eu não fiz perguntas e nem queria respostas ali, só desejava tê-la todinha comigo.

Estar dentro dela foi maravilhoso no balançar suave das águas da Guarapiranga, onde nossos orgasmos foram simultâneos e verdadeiros.

— Só desejo você. Inteiro, comigo. Se me pedir para ir embora, irei para sempre, mas caso contrário, mesmo que não diga, verei isso em seus olhos.

Minha resposta foi um beijo e com ele dei-lhe a esperança que desejava. Ali, na Guarapiranga, a bordo do Monara, só havia algo em minha mente, aquela mulher maravilhosa a qual tanto admirei quando nova e que agora me surpreendia novamente.

— Te amo...

Senti em meu rosto as lágrimas da ruiva, que se misturaram ao nosso suor. Não tinha como eu tirar isso dela. Impossível arrancar esse sentimento de alguém que atravessou um mar por você. Ficamos uma eternidade agarrados no interior do Monara. Ao sairmos para o cockpit, o por-do-sol se fez entre as nuvens, quebrando o tempo que fizera.

— Não é lindo? Parece ter sido feito para nós...

— Sim, Dea, ele é maravilhoso.

— Igual a você, meu amor.

Abracei-a e admiramos a partida do rei sol. A seguir, navegamos em motor no retorno, pois, temi que ela pudesse perdeu o rumo e encalhar. Fui um tolo, pois, em realidade nada faria Andrea se afastar de mim.

Essa foi a conclusão que tive ao ver o Monara "motorando" sob os sorrisos, acenos e beijos lançados pela "dona". Ela havia me dito que a filha lhe ensinara os fundamentos da vela e havia visto inclusive vídeos de como proceder.

Ainda assim, se arriscou num pequeno mar quase desconhecido, tendo sido sua primeira velejada solo. Sem radar ou GPS, Andrea me encontrou seguindo a bússola de seu coração. Com vários lugares para me esconder naquelas águas, eu seria incapaz de fugir de sua determinação.

Só não sabíamos que nosso cruzeiro de amor não escaparia da realidade que nos aguardava de volta ao porto, agora não tão seguro...

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