𝒄𝒂𝒑𝒊́𝒕𝒖𝒍𝒐 𝟑 - 𝒏𝒂 𝒎𝒆𝒅𝒊𝒅𝒂 𝒄𝒆𝒓𝒕𝒂

264 71 20
                                    

Naomi's POV

Sakhir, Bahrein.

Sexta-feira: dia de treinos livres.

- É claro que o Fontana já fez sua aparição especial no meu dia, né? - Entreguei a bebida para a garota, que ajustava qualquer detalhe técnico da câmera.

- E o plano infalível? - Ela sorriu ao receber meu cutucão no braço, empurrando-a um pouco para o lado.

- Foi embora junto com o Rose Saravá que ele enfiou no rabo.

Quase que no mesmo instante, Aya foi obrigada a engolir o café rapidamente para não se engasgar na própria risada.

- Rosè Sabarth, Sniffs. Sa-bar-th - Ela desatou a rir ainda mais vendo minha mão balançando no ar em um "tanto faz". Deu mais um gole na bebida, me entregando-a na sequência. - Segura aqui. Tem alguma coisa no foco dessa câmera que não tá se acertando.

- Tentou o autofoco?

A garota somente ergueu o olhar para mim, entortando a boca com certo desgosto:

- E eu lá uso autofoco, Naomi?

Antes que eu pudesse responder, senti meu celular vibrando no bolso traseiro do meu jeans. Assim que peguei e vi a foto do cara de cabelo tão ondulado quanto o meu, vestido com o macacão da ART, meu sorriso foi imediato.

- O Gui tá ligando. O sinal aqui é bom? - comentei com Aya, que desviou o olhar para a tela do meu celular com uma careta, vendo que a ligação de vídeo era do meu primo.

- É ótimo. Isso significa que eu te encontro do lado da pista, na curva dois? - Perguntou enquanto se afastava e revirei os olhos, assentindo.

Já fazia alguns anos desde que Ayana e Guilherme haviam dispensado toda a formalidade de fingir que se aturavam só para me agradar. E não, nunca houve nenhum desentendimento entre eles. Acho que o santo só não batia, mesmo.

Deslizei o dedo pelo botão verde sobre a foto de Gui, e ela imediatamente foi substituída pela imagem um tanto quanto pixelada de um rapaz extremamente alto, de toalha, escovando os dentes.

- Bom dia, Mimi - Guilherme me cumprimentou e imediatamente torci o nariz para o apelido da pré-escola.

- Buongiorno! - Cumprimentei em italiano, vendo-o revirar os olhos. Desde que ele se mudou para a Itália aos onze anos para cuidar da carreira, eu só o cumprimentava assim. - Tá melhor?

- Porra, covid é um negócio que derruba a gente. Perdi a primeira corrida do ano e ainda tô morrendo de dor nas costas.

Ele se espreguiçou devagar antes de cuspir o excesso da pasta de dente, e revirei os olhos com a cena que eu sabia que não era por acaso. O homem era um biscoiteiro completo. Digo, aquele era o cara que cresceu comendo areia comigo, eu sei, mas seria mentira dizer que eu não reparava no efeito que o esporte havia causado em seu corpo. O torso de Guilherme era, no mínimo, suficiente para causar suspiros em qualquer uma. Definido, mas não terrivelmente bombado - apenas na medida.

Claro, essa era uma característica do automobilismo: quando você precisa ter força para controlar o carro, mas não pode ficar muito pesado, o resultado é esse aí - no português claro, você fica gostoso. Gui, então, não era o único; o inominável, aos dezesseis, também já tinha um físico bem ok, pelo o que eu me lembrava.

- Hm - o rapaz do outro lado da tela murmurou, enxugando o rosto, e balancei a cabeça para voltar à realidade. - Eu li a matéria de ontem. Foi cirúrgica, parabéns.

- Gostou? - Perguntei, retoricamente. Era óbvio que ele tinha gostado. - A Mari disse que era melhor pegar mais leve da próxima, mas acho que vou escrever sobre ele só quando for muito necessário.

Ele pegou o celular para acompanhá-lo até o quarto, fazendo a imagem inteira balançar. Bateu a mão no interruptor, iluminando o quarto todo pintado de branco, e se jogou na cama de casal. Meu Deus, o tanto de vezes em que eu acordei ali de ressaca...

- Mari? - Ele levou um braço para trás para lhe servir de travesseiro. - Já tá íntima assim de Mariana Becker? Ela te chama de Mimi também, ou...?

- Não, esse é exclusivo de um cara que eu conheci por aí - Guilherme sorriu sem, no entanto, dizer palavra alguma. Senti um aperto no coração ao perceber quanto tempo fazia que eu não via aquele sorriso pessoalmente. - Tô com saudade.

- Também estou.  Vai estar em Jeddah semana que vem?

- Óbvio - e então o relógio no topo da tela entrou no meu campo de visão, me fazendo arregalar os olhos. - Meu Deus, faltam dez minutos pra começar o treino. Te vejo semana que vem, então?

- Com certeza. Vai lá, corre.

Joguei um beijo no ar, recebendo outro no mesmo instante e encerrei a ligação. Guilherme era quase como um irmão - estava lá por mim nos meus melhores e piores momentos. E eu por ele, sempre.

Enfiei o celular no bolso e saí correndo paddock à dentro, em direção à pista. Assim que encontrei Aya deitada de bruços no gramado da curva dois, ao lado de uma série de fotógrafos na mesma posição, tomei meu lugar no chão atrás dela. Em silêncio para não atrapalhar qualquer lance técnico que parecia estar rolando em todas aquelas câmeras, voltei a tirar o celular do bolso para rolar o feed do Twitter.

- Amiga, olha isso aqui - eu murmurei em português, tentando conter a decepção com uma das publicações.

- Sniffs - ela respondeu, sem tirar a câmera do rosto. - Eu não posso ficar respondendo, mas fala que eu escuto.

- Ah tá, ok, desculpa. Mas é que tá escrito aqui - um dos fotógrafos se virou para me olhar com uma cara feia e abaixei o tom de voz. - Tá dizendo aqui que o Lucca é reserva de mais de uma equipe, olha: "McLaren, Williams e Aston Martin chegaram ao acordo de que, para retenção de custos nesta temporada, compartilharão do mesmo piloto reserva: Lucca Fontana".

Ayana finalmente se desgrudou do equipamento, aparentemente satisfeita com a imagem que havia feito da Ferrari número dezesseis, e se voltou para mim:

- Ele só vai dirigir com motor Mercedes, então - ela soltou um riso sem humor e retornou para a câmera. - Pena para ele, só vai dirigir carroça. E, bom,- afastou o rosto novamente, dessa vez com um sorriso discreto.  - Bom para você, que vai ter material de sobra pra criticar nesse comecinho de ano.

A garota sinalizou para que eu parasse de falar quando um dos fotógrafos fez um shiu para ela, e me permiti pensar um pouco no assunto. Eu teria que maneirar, é claro - Becker já havia me dado o toque e sutilmente me lembrado de que a vaga ainda não era minha. No entanto, havia uma ótima possibilidade de retribuir (de uma vez por todas) o inferno que Fontana já tinha causado na minha vida.

E era isso que eu iria fazer.

------------------

Não esquece de deixar seu voto, viu? Me motiva demais!

Te vejo no próximo rodapé 🤍

FLYING LAP [HIATUS E REVISÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora