𝒄𝒂𝒑𝒊́𝒕𝒖𝒍𝒐 𝟑𝟖 - 𝑨𝒚𝒂𝒏𝒂 𝑻𝒐𝒖𝒊𝒔𝒔𝒂𝒏𝒕

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Naomi's POV

Nápoles, Itália.

Fim de semana sem Grande Prêmio.

Flashback - ON

O polegar de Guilherme subia e descia em um carinho preguiçoso pela lateral da minha mão enquanto o pai de Aya entoava uma antiga oração haitiana. Depois de passar a virada na Paulista com alguns amigos, nós dois (e provavelmente Ayana) estávamos sofrendo com a ressaca que conquistamos no ano novo - e que só não nos derrubava completamente porque o convite da avó da minha melhor amiga prometia um almoço especial.

Dia dois de janeiro era um feriado do Haiti - o dia da Ancestralidade - e Fayola, a matriarca da família Touissant, disse que fazia questão de ter minha família ali. Até aquele ponto, nós duas não éramos mais do que amigas de classe, Starbucks e mesas de bar - por isso fiz questão de ir ao almoço.

Quero dizer, se a avó de Aya nos convidou, era porque eu tinha alcançado aquele lugar especial de "ela fala de mim em casa", e não dá pra negar que isso aqueceu meu peito. Por isso, eu, Gui, meu pai e minha avó fomos com muito gosto. Muito gosto, muita honra e uma dor de cabeça insuportável que chegou junto com o ano de 2019.

- Obrigada, meu Deus - Fayola continuou a prece do filho em português, e o vi respirando fundo pela atitude da senhora. - Obrigada pela nossa comida, pelo teto sobre nós e pelos valores que nossos ancestrais nos passaram.

- Amém - Aya e (para a minha surpresa) minha avó responderam em uníssono. Pelo canto do olho vi que, à minha esquerda, meu pai franziu o cenho sem entender muita coisa.

- Obrigado, senhor - o pai de Aya continuou, visivelmente contrariado e também em português. - Obrigado pela família que preparou o presente para nós, e obrigado por aqueles para quem ainda estamos preparando o futuro.

Flashback - OFF

No pequeno apartamento que eu agora dividia com Ayana, essa frase ecoava na minha cabeça como faz um disco arranhado. Aqueles para quem ainda estamos preparando o futuro. A cada vez que essas oito palavras soavam na minha memória, um calafrio percorria meu corpo.

Eu tinha um nó na garganta, um tapete embaixo de mim e um teste de gravidez à minha frente que eu observava por cima das minhas pernas dobradas. Não era meu, mas estava ali - orgulhosamente exibindo seus dois tracinhos desenhados de um modo quase obsceno de tão nítido. E se não era meu, só poderia ser da outra moradora do apartamento.

Inspirei devagar enquanto apoiava o queixo nos joelhos, sem tirar os olhos do pequeno item que brincava de Deus à minha frente. Conforme o ar preenchia os meus pulmões, eu revisava mentalmente o último mês e tentava imaginar qual futuro aquele pequeno bastão de cores pastéis sarcasticamente amigáveis estava ditando a nós.

"Parabéns!", o detalhe pintado em azul bebê gritava silenciosamente. "Você acaba de ganhar uma porra de uma vida inteira para sustentar e garantir que não morra!". O nó na garganta pareceu me descer para o estômago com o pensamento, me causando um breve enjoo, como se o embrião estivesse no meu ventre ao invés de no de Aya.

- Será que ela sabe? - Perguntei para mim mesma em voz alta, desviando o olhar para a porta. - Meu Deus, quando ela comprou isso?

Sentir meu celular vibrando no bolso do roupão foi como um lembrete de que eu teria notado os detalhes - os absorventes sobrando no banheiro, o humor vacilante da minha melhor amiga, a semana toda me evitando - se eu não estivesse tão imersa em mim mesma. Com certeza a notificação era de alguma mensagem do Lucca perguntando se eu já havia comido hoje ou qualquer outra coisa que normalmente me tirava um sorrisinho besta, mas pensar nele naquele segundo só reforçou a ideia do quanto eu havia estado ausente da vida de Aya.

FLYING LAP [HIATUS E REVISÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora