𝒄𝒂𝒑𝒊́𝒕𝒖𝒍𝒐 𝟒 - 𝒕𝒆 𝒅𝒆𝒊𝒙𝒂 𝒂𝒕𝒐𝒓𝒅𝒐𝒂𝒅𝒐

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Lucca's POV

Sakhir, Bahrein.
Domingo: dia de corrida.

Quando eu disse que Naomi Couto tira o meu sono, saiba que eu estava falando no modo literal. O sol havia nascido há menos de duas horas e Julie e eu já estávamos sentados à uma das mesas da cafeteria do paddock com um par de cafés, uma tigela de froot loops e pelo menos quinze cartões-resposta em mãos. O conteúdo? Possíveis perguntas que a nova jornalista da Band poderia fazer para me pegar desprevenido.

Se bem que, lá pela décima pergunta, eu já estava me perguntando se o objetivo dos cartõezinhos não era, na verdade, me deixar em uma depressão profunda.

- Você, hoje, tem 21 anos. Aproximadamente a mesma idade de outros três pilotos do grid que já estão aqui há algum tempo. Por que você só entrou agora, Lucca?

- Ouch - levei uma mão ao peito, simulando a dor que aquele tiro me causou. - Simples, falta de patrocínio. Já tentou ser latino-americano em um esporte euro...

Um cereal azul batendo na minha bochecha interrompeu minha resposta. Franzi o cenho para a assessora enquanto me perguntava o que é que havia de errado na história da minha própria vida.

- Abre aspas - Julie limpou a garganta antes de continuar. - O investimento na área do esporte a motor no Brasil é limitado, e a falta de patrocinadores da minha terra natal acabou atrasando o avanço para as categorias mais altas.

- E não foi o que eu disse?

- Não. Próxima.

Enquanto a mulher selecionava o cartão seguinte, o barulho da porta de vidro se abrindo atrás dela me chamou a atenção para o piloto de cabelo encaracolado que entrava por ela. Levantei um pouco a mão para acenar e, enquanto Lando caminhava em nossa direção, percebi que ele era um exemplo claro do que Julie acabara de mencionar - havia estreado na Fórmula 1 aos dezoito anos de idade. Logo meu companheiro de equipe.

- E aí, cara - o britânico cumprimentou guardando o celular no bolso do moletom branco. - Ansioso?

- Nada, eu nasci pronto - respondi sorrindo, como se aquilo fosse verdade. Eu estava era com o cu na mão de fazer qualquer coisa errada.

- Mentiroso - ele riu, se dirigindo até o caixa. - Um latte, por favor.

Soltei o ar pelo nariz, vendo que velhos hábitos não morrem nunca.

- Ainda na base do leite?

- Sempre. Espera, quando foi a última vez que a gente correu junto?

- Mundial de Karting. 2014, eu acho. - Lando entortou a boca, talvez procurando por alguma memória remota daquela época, e o poupei de fingir que se lembrava de algo que rolou há quase oito anos. - Pois é, faz tempo.

Um silêncio tão desconfortável se instalou no ar que ouso dizer que até Lando Norris, o cara que sempre falava o que lhe dava na telha, pareceu sem graça por ter feito aquela pergunta. Dividimos o pódio final daquele campeonato. Depois daquele ano, no entanto, Lando e tantos outros deslancharam para as categorias de Fórmula - que, é claro, exigiam um certo... dote.

Eu, assim como o primo de Naomi, só tive orçamento para sair dos campeonatos de Karting em 2016. Enfim, o ônus de se nascer no maravilhoso país tropical.

- Vou indo pra garagem, irmão - Lando se despediu com o seu copo já em mãos, estendendo a mão para socar a minha de leve. - Os engenheiros queriam falar da telemetria e...

- Claro, claro. Te vejo mais tarde.

Ele acenou para Julie e empurrou a porta de saída, sumindo da minha vista. A assessora, então, esticou o olhar para o relógio de pulso que usava e começou a reunir todos os cartões em um único montinho.

FLYING LAP [HIATUS E REVISÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora