21.

4.6K 392 10
                                    


Só que a chuva não passou, pelo menos não aqui dentro do meu quarto

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Só que a chuva não passou, pelo menos não aqui dentro do meu quarto.

Eu pensei a noite toda em Giancarlo, as memórias voltando para a superfície todas de uma vez, me sufocando juntamente da orquestra de chuva e trovões. O aperto de mãos, o seu abraço, por que infernos eu não me lembrava mais da sensação deles? Não me recordava muito bem de sua voz, da cor dos seus olhos, de como era nitidamente o seu sorriso. Era tão estranho pensar no meu irmão agora, ele era alguém que se tornou um completo desconhecido pra mim.

" - Michael, relaxa, é só um mergulho."

Só que não foi bem assim.

O que mais estava nítido era a minha rebeldia, como eu comecei a fumar e beber na adolescência como um ato de rebeldia contra o mundo, contra meus pais por não conseguirem enxergar o quanto eu mesmo estava sofrendo também. O quanto estava furioso, pois foi isso que me motivou durante anos, a fúria. Era difícil de controlar alguém que só queria caos, e eu perdi a conta de quantas vezes fiz a minha mãe chorar por minhas atitudes e imprudências, como eu pudera ser tão egoísta? 

Admito que o maior motivo de querer um filho talvez fosse poder realizar enfim o último dos sonhos de Giancarlo. Só eu reconheço o desejo febril dele de ser pai desde cedo, de como eu adquiri aquilo dele e nós passamos a querer aquilo juntos, era um dos nossos vários laços invisíveis. Será que ele podia me ver de onde estava, se é que estava em algum lugar? Eu pensava na tríade de critérios de relacionamento que ele havia estabelecido, em como Mallory e eu estávamos quase atingindo algum desses critérios estúpidos - como por exemplo o de fazer meu coração acelerar toda vez que ela abre a boca para dizer algo mas então desiste. Eu fico doente só de imaginar o quanto eles se dariam bem, coisa que Valéria nunca conseguiria. Com Valéria as coisas eram mais perfeitas, seguras, algo retilíneo e... chato? Talvez nosso amor não tenha sido um daqueles que fizesse o coração palpitar de emoção, era calmo e brando, parecia tão distante daquilo que eu pensava que era, da forma que eu enxergava que era.

Giancarlo e Valéria teriam se odiado, essa era a verdade.

O meu irmão odiaria a necessidade dela de fotografar seu pratos toda maldita refeição, de insistir que nenhum fio de cabelo estivesse fora do lugar e nunca usar uma imagem sem filtro nas redes sociais. Ele odiava a ideia de perfeição. Giancarlo dizia que isso não existia, que era algo ridículo e inalcançável para o homem, para nós meros mortais, que somente algo de outro mundo poderia deter esse pódio. Mas teria amado Mallory em contrapartida, teria adorado-a por ter olheiras, usar chinelo em noventa por cento das ocasiões, não ligar para o que os outros pensavam e sequer conseguir tirar uma foto decente de si mesma sem fingir que odiou. 

É isso que me dá medo ultimamente, o tanto que Giancarlo teria sido próximo dela, o quanto eles teriam sido amigos, e o quanto eu não conseguia evitar de pensar em como as coisas pudessem ter sido diferentes se ele não tivesse partido. A morte do avô de Mallory e a fragilidade dela viraram essa chave em minha mente, e agora eu me sentia um tolo por sequer pensar em me aproximar dela.

Eu só queria poder conversar com meu irmão uma última vez, lhe pedir o que fazer. Mas isso é impossível, então sem respostas eu vou ser obrigado a seguir.

Tomei café e segui para a ultrassom, constrangida demais pela minha estupidez vulnerável da noite passada

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Tomei café e segui para a ultrassom, constrangida demais pela minha estupidez vulnerável da noite passada.

Por que eu havia cogitado que o fato de Michael ter me contado sobre Giancarlo nos faria mais próximos? Por qual motivo eu estava sentindo necessidade de ser próxima dele afinal? Eu não dependia dele pra nada, eu era... EU! Nunca fui faminta por atenção de homem algum, e isso incluía a do meu ex, então POR QUE DEUS eu sentia FOME da atenção de Michael? As minhas mãos ficam suadas enquanto as remexo no meu colo, sentindo essa fome de atenção me consumir de modo silencioso e tolo. Eu só queria que ele me olhasse e que continuasse a falar, que só falasse uma maldita palavra.

Só que não foi o que aconteceu.

Ele ficou calado como uma maldita planta durante toda a consulta, imerso em seus próprios pensamentos. Nós fomos embora e ele voltou para o escritório logo em seguida, me deixando sozinha outra vez. Era passado do meio dia quando eu recebi uma mensagem horripilante, que me causou sudorese e ânsia de vômito. Por mais que eu queria fingir que não estava em casa, mamãe apareceu logo depois das três com Leonard - seu novo namorado. Eu não fazia ideia de como ela tinha o meu endereço, só sei que quando eu atendi o interfone era tarde demais, ela havia me descoberto.

- Oi mãe. - cumprimento-a, desconfortável.

Logo de primeira ela começou a encarar tudo na casa de cima à baixo, fazendo suas depreciativas notas mentais a cada lugar que seus olhos pousavam. Ela tinha uma aura negativa, como uma nuvem carregada que chegava nos lugares e trazia consigo o tempo fechado e aquela sensação de desconforto no fundo do estômago. Não me leve a mal, eu a amo - lá no fundo, só não consigo deixar de me sentir assim.

- Então você vai parir e nem se dignou de avisar a sua mãe? - ela começa, balançando o dedo enquanto se sentava no sofá ao lado de Leonard. - Eu disse ao Leo que você era difícil de lidar, mas não esperava isso.

- Mãe... - murmuro, respirando pesadamente.

- Sabe, o Leo me disse que não era normal uma moça que ficou solteira por tanto tempo engravidar de um qualquer, mas eu sempre soube que a minha filha era mais esperta do que eu. - os dedos magros dela se balançam ao vento com um sorrisinho inescrupuloso de vitória. - Eu quem engravidei de um pé rapado duas vezes, mas você foi esperta e engravidou logo de um milionário.

Como sempre, eu fiquei em silêncio, o bolo crescente na garganta crescendo e me sufocando conforme as coisas iam perdendo o controle.

- Eu falei pra sua mãe que não importava mais, eu vim pra cuidar de você e seu irmão. - Leonard, o paspalho, começa a falar também. - Vou ser um bom pai pra vocês.

- Só que eu não preciso de um pai, eu já tenho um. - deixo escapar, sentindo aquela situação se tornar semelhante à uma panela de pressão. - E eu não engravidei do nada, eu e Michael já estávamos em um relacionamento antes. Só éramos muito discretos, agora sabemos a razão.

Leonard pigarreou, constrangido.

A tarde foi se estendendo e tornando-se uma tortura. Minha mãe conseguia sempre o que queria, me sugar emocionalmente. Depois de dizer o quanto eu engordei, como cuidar das minhas olheiras, do meu cabelo, de como evitar estrias para agradar meu marido e as roupas adequadas que eu deveria usar, ela finalmente se deu por satisfeita ao ver Michael passar pela porta. Eu já estava pronta para desmaiar quando ele apareceu, engolindo em seco ao saber que talvez agora fosse perder o controle de vez e acabasse chorando de modo histérico no meio do jantar.

- Então você é o rapazinho que deflorou a minha princesa? - acusou ela, em tom sórdido e intimista forçadamente. - É um homem de pedrigree. 

Ótimo, ela o chamou de cachorro agora.

- É um prazer conhecer a senhora também. - a expressão dele foi nula, apenas apertando a mão dela sem gentileza alguma. - Vocês ficarão para o jantar?

Tusso de forma nervosa, cutucando-o por trás. 

- É claro! - respondeu a minha mãe, abrindo um sorriso felino.

Contrato: mãe por escolha ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora