- É a noite do karaokê! - Jill grita, entornando mais uma cerveja de modo glorioso.
Eu ri, passando a mão pelos cabelos de modo involuntário.
Havia começado a trabalhar meio período em uma pequena editora da cidade, apenas como responsável por manuscritos, e ela era a chefe do design gráfico. Nós imediatamente nos conectamos, divorciadas - embora eu não fosse oficialmente, mães - ou quase, ávidas por conteúdo erótico de qualidade e boas bebidas.
Nós nos conhecemos em um grupo de apoio para mães enlutadas que Francis fazia todos os domingos no final da tarde. Jill tinha uma filha, Carly, de oito anos. Acho que é mais comum do que eu pensava, sabe? Um casal se desfazer em momentos como esse, ambos tão doloridos no próprio luto, e ir cada um para o seu lado quando o silêncio e a ausência tornam-se ensurdecedores mesmo que não representem nada palpável.
- Vai lá Jill, arrebenta. - abro mais uma também, erguendo o recipiente em saudação à ela.
Foi Jill quem sugeriu que eu fosse trabalhar lá, ela me reconheceu depois que eu dei algumas entrevistas em canais adultos - ainda durante a gravidez, sobre meus livros. Segundo ela, seria ótimo que uma profissional experiente como eu pudesse ajudá-los a deslanchar no mercado mesmo que de um jeito lento. Ela me valorizava profissionalmente.
- Isso é pra você Tommy, seu otário. - cantando It's Raining Men, ela faz gestos obscenos.
Thomas era seu ex-marido.
Nós não o culpávamos diretamente, mas a revolta dela era por conta de Tommy ter seguido em frente e sem ela. Ele agora namorava uma contadora em Salt Lake City e aparentemente tinha planos para se mudar pra lá no próximo verão.
- É Tommy, foda-se você. - imito-a, sabendo o quanto ela sofria.
- Vai lá Mal, esculacha seu ex também. - Jill arfa, descendo de cima da cadeira na qual havia subido para seu grand finale. - Morte aos homens dessa terra.
- Michael, essa é pra você. - troco a faixa, começando a cantar à plenos pulmões.
" Now look here, I'm sorry I can't afford a ferrari
But that don't mean I can't get you there
I guess she's an xbox and I'm more atari
Ah, but the way you play your game ain't fair"
- I pity the fool that falls in love with you! - grita Jill, requebrando ao som da voz de CeeLo Green e a minha desafinação.
Nós gargalhamos e nos abraçamos, dando pulinhos ao ritmo da música até o final enquanto cantávamos juntas.
Saímos do karaokê depois de horas, ambas cambaleando abraçadas uma a outra. Um táxi nos deixou em nossos respectivos lares, mas antes que Jill pudesse sair, ela me olhou de um jeito feral e apontou o dedo pra mim.
- Você precisa ir no meet and greet em Vegas amanhã, tá na hora de mostrar pro mundo o seu poder outra vez! - seu sorriso bêbado é contagiante na minha mente, e eu concordo sem pestanejar. - É isso aí, vou escrever o e-mail e te confirmar agora.
- Boa Jill, é isso aí. - balanço a mão de modo grato, zonza pela bebida. - Você é a melhor agente do mundo.
- Né? Eu sei. - ela quase tomba, se segurando por fios imaginários e milagrosos. - Até pirua.
- Tchau, tchau. - abaixo a janela e aceno de longe.
Nem sei como consegui acordar na manhã seguinte, mas me arrastei até o escritório depois do almoço com vontade de botar meus órgãos pra fora. Nem me lembrava quando havia sido a última vez que bebemos tanto, mas até que fora divertido sair e espairecer sem preocupações.
" - Recebam a nossa nova integrante, Mallory.
Eu estendi a mão de modo tímido, sem erguer os olhos direito na direção das mulheres que estavam sentadas no círculo de cadeiras ali disposto.
- Oi Mallory. - cumprimentam todas em coro, simpáticas.
- Esse é um grupo terapêutico focado em mãe enlutadas, Mallory. - Francis fala, ajeitando a armação do óculos. - Aqui é um lugar seguro para você desabafar, compartilhar suas experiências e como tem sido estar de luto pelo seu filho. Somos uma rede de apoio umas para as outras.
- Obrigada. - concordei, remexendo nervosamente no botão do casaco.
- Bom, quem vai começar? - Francis olha para o lado, sorrindo de forma gentil.
- Meu nome é Jill. - se manifesta uma mulher de cabelos crespos e muito alta, erguendo a mão em cumprimento conforme as demais a saudavam. - Eu perdi minha filha Carly há seis meses.
- Sinto muito, Jill. - dizemos todas em coro, e eu sequer acreditei o quanto fomos totalmente sincronizadas.
- Ela tinha oito anos, foi atropelada enquanto andava de bicicleta na nossa rua. - o olho esquerdo de Jill tremeu por um instante enquanto Francis lhe passava a caixa de lenços de um jeito discreto. - Hã, obrigada Francis.
- Não foi nada.
- A Carly e eu éramos melhores amigas, eu sinto muita a falta dela. - Jill pega fôlego, se permitindo derrubar algumas lágrimas. - Eu sei que é já é a segunda vez que falamos disso, e que já faz meio ano que ela se foi, mas ainda sim não consigo encontrar as palavras certas pra descrever o que eu sinto.
A mulher ao lado de Jill afaga seu ombro, solidária.
- Meu nome é Paula, perdi meu filho Malcom há dois anos. - uma mulher loura e mais velha se manifesta, recebendo atenção. - Jill, já fazem dois anos que o meu menino, o meu garotão na verdade. - Paula ri, revirando os olhos. - Ele era entregador de pizza, se envolveu em um acidente de trânsito e deixou dois netos comigo. Eu também não sei descrever como me sinto quando penso nele.
- Não é? - Jill soluça, mordendo o lábio inferior. - Droga, pensei que ia encontrar uma solução em um belo dia, que tudo isso ia desaparecer. Que a Carly voltaria ou que isso seria só um pesadelo mas, merda, todo dia em que eu acordo e vejo o quanto é real... Me despedaça.
Eu tremia com as palavras delas duas, me sentindo sufocada a cada vez que uma emoção nova me atingia.
- M-meu nome é Mallory. - nem acredito quando decido falar, sentindo necessidade de fazê-lo como se estivesse engasgada com aquilo. - Eu perdi meu filho, Filippo, há cinco meses. Ele ainda estava dentro de mim quando aconteceu."
- Mal, ei!
Largo um manuscrito na mesa de Jill, deixando também um cafézinho e duas aspirinas em cima do calhamaço de papel.
- Alguém está pior do que eu. - alfineto-a, dando uma risadinha.
- Aí, garota. - ela solta um gemido, deixando a cabeça cair em cima da superfície gelada. - Eu acho que podia vomitar um boi inteirinho agora.
- Toma aí o café e força na peruca. - ergo o polegar e o indicador, piscando.
- É a edição de teste, né? - ela aponta para os papéis, bocejando. - Vou ver com carinho pra ver o que fica melhor nesse bebê.
- Boa sorte. - me despeço, ouvindo um pigarrear seu antes que pudesse sair da sala.
- Não esqueça, Mal. - Jill me olha por cima dos cílios espessos e de dar inveja. - Meet and greet amanhã em Vegas.
- Você não está falando sério. - arfo, sentindo como se estivesse tomando um banho de água fria.
- Mais sério do que nunca. - ela sorri. - Faça as malas, amore, vamos para Las Vegas no final da tarde.
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Contrato: mãe por escolha ✔️
RomanceLIVRO 01 Um casinho em uma noite sórdida com um homem sedutor deveria terminar em ambos seguindo cada um a sua vida. Desde os primórdios da humanidade duas pessoas com desesperança e desejo se encontram e, deste encontro, surge uma história única qu...