Eu voltei pra dentro, paguei a degustação e encarei a confeiteira com cara de tacho ao protagonizar o maior papelão da minha vida.
O cartão até pareceu deslizar meio torto na máquina, e eu escorreguei de leve no chão úmido por conta do tempo, batendo o quadril em uma das cadeiras brancas do lugar. Ajeitei-a e andei desajeitado, irônico e trágico ao mesmo tempo. Deixei as chaves do carro caírem na calçada de concreto, esbarrei em uma mulher com criança de colo, não dei um jeito de ligá-lo sem arranhar a marcha ao esquecer de pisar na embreagem.
Durante todo o restante do dia, eu só agi assim.
Me esqueci de imprimir as atas das reuniões, derramei café em minha camisa social, o botão do meu colete arrebentou e atingiu o rosto de um dos acionistas - eu andei comendo bastante com Mallory e talvez tenha engordado uns bons quilinhos. Ri internamente ao pensar nisso, lembrando de como ontem ela me abraçou e passou a mão em minha barriga, disse que estava quase parecida com a sua e que isso era perfeito. Continuando... Bati o bico do sapato no carrinho de correspondência, estragando o couro, arranhei o carro de um funcionário ao dizê-lo que podia sair do estacionamento tranquilamente e na verdade a cancela ainda não havia se aberto totalmente.
Resumo: um desastre.
- Michael, tem alguma coisa acontecendo hoje? - minha secretária pergunta, visivelmente preocupada.
Eu estava apertando o botão do elevador diversas vezes para ir embora, mas alguém o segurava.
Nenhuma das mensagens que eu mandei para Mallory ao longo do dia foram respondidas, e talvez eu tenha ligado mais de uma vez pra ela também. Meus dedos rolavam a conversa nervosamente de cima à baixo, tentando identificar onde foi que eu havia errado tanto assim.
- Eu e a Mallory brigamos hoje. - confesso, afrouxando a gravata. - Não sei o que está acontecendo, mas estou com um azar do caralho pra aumentar ainda mais o monte de bosta.
- O que houve?
- Nem eu sei dizer. - suspiro, apertando os olhos com cansaço. - Só sei que nada está rendendo hoje, tá tudo virado do avesso.
- O Leon também fica assim quando brigamos, na verdade eu também fico. - confessa ela, apertando o botão por mim e então o elevador começa a subir finalmente. - É o amor. Ele mexe com nossa cabeça.
- Está me deixando louco então. - olho-a de lado, balançando a cabeça em negação.
- E não deixa todos nós? - sua risadinha é engraçada, me fazendo crispar os lábios na tentativa de esconder um sorriso. - Vai pra casa, senta com ela e conversem. Com certeza, para algo assim ter acontecido, vai ter uma razão.
- E por que é que eu me importo tanto com isso? - murmuro pra mim mesmo, entrando no elevador ao vê-lo se abrir e revelar seu interior elegante. - Boa noite, tenha um bom descanso.
O celular parecia escorregar em minhas mãos, de um lado ao outro, em meu surto de ansiedade ao não ser respondido por Mallory.
Mexi na gola da camisa diversas vezes, em movimentos de vai e vem, em uma tentativa de dispersas o calor infernal que parecia fazer dentro daquele elevador. Eu cliquei mais de uma vez no botão do subsolo, onde ficava o estacionamento, e acho que cheguei até a perceber que o botão quase quis arrego depois de tanto ser maltratado por mim. A barra de segurança e o espelho estavam até meio embaçados quando saí, tamanho era o meu nervosismo. Eu não me sentia assim há anos, desde quando tinha crises depois da morte de Giancarlo.
Sentei no banco de couro - ou me joguei nele, e liguei o carro, sentindo a brisa do ar-condicionado bater na cara de modo furioso quando aumentei sua intensidade para máxima e a temperatura no mínimo. Fechei os olhos com força e tentei respirar fundo, mas só conseguia pensar que talvez, quando chegasse em casa, Mallory poderia não estar mais lá. Eu, como o grande covarde que sou, não tive coragem de segui-la e a deixei ir sozinha embora.
- Ah, Deus. - resmungo, pegando uma pasta de dentro da minha maleta e abanando meu rosto enquanto a mão livre se abria e fechava. - Merda, porra, caralho.
Eu simplesmente não estava conseguindo me controlar daquela vez, se é que alguma vez tinha conseguido fazer isso.
Sentia meu coração disparar cada vez que esses pensamentos intrusivos de culpa e abandono cortavam minha mente, fazendo pontinhos pretos cortarem minha visão. Eu estava hiperventilando cada vez mais, chegando ao ponto de tentar pegar fôlego de modo desesperado e com a boca aberta assombrosamente. Um barulho chato de "piiii" ecoava cada vez mais alto em meus ouvidos e eu senti que o mundo ao meu redor ia desabar se eu não botasse meus pés no chão outra vez. Comecei a sentir dor no peito, colocando a palma de uma das mãos por cima dele de forma que tentava controlar tudo aquilo e, ao sentir o frio congelante finalmente me atingir, minha respiração começou a se normalizar.
Fiquei cerca de meia hora com o banco do carro totalmente reclinado, apenas respirando e me concentrando em não ter um troço.
Quando me sentia melhor, liguei para o motorista da empresa e aguardei no banco carona até que ele chegasse para me levar até em casa. Não trocamos uma palavra no caminho, acho que ele percebeu pela minha palidez que eu não estava bem. Eu me sentia, ainda sim, profundamente angustiado. Uma vontade enorme de chorar estava vindo como avalanche pra cima de mim, algo bizarro e incontrolável.
- Até amanhã, Duncan. - disse com um esforço absurdo, fechando a porta e deixando-o levar o carro de volta para o estacionamento do prédio.
A maçaneta da porta de casa parecia gigante logo que terminei de subir os dois pequenos degraus da entrada, a madeira escura dando uma profundidade para sua figura antiga e parecendo me repelir de modo magnético para longe dela.
Conforme aquilo foi acontecendo, eu caminhei até o banco que havia ali mesmo e me sentei, colocando o rosto entre as mãos e fitando o chão sem propósito algum. Mil coisas sem sentido se passavam na minha cabeça, nenhuma delas relacionadas somente à Mallory. Eu me sentia devorado por algo maior naquele instante e, quando percebi, lágrimas de exaustão estavam correndo por meu rosto. Elas eram quentes e bem-vindas contra o frio cortante do inverno, pareciam me abraçar de modo silencioso, e eu me lembrei de quantas vezes fiz aquilo nos invernos que se passaram depois da morte do meu irmão.
- Canalha, eu esqueci do seu aniversário. - murmuro, cruzando os braços e me recostando contra o apoio do banco.
Observei o jardim em minha frente e, como um mais um é dois, percebi que aquilo realmente não tinha a ver apenas com Mallory.
Faziam anos que eu não pensava nele, que não falava sobre ele, e o inverno era nossa estação favorita. Corríamos pelos parques com nossos trenós, comemorando seu aniversário e brincando que ele não receberia festa pois este era perto do natal. Até mesmo o próprio feriado pareceu perder o sentido depois de tudo aquilo, eu não me lembrava sequer da última vez em que me reunira debaixo de uma árvore para trocar presentes sem ser a contragosto.
O que mais doía, além disso tudo, era ter consciência de que eu queria aquilo agora.
Com ela.
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Contrato: mãe por escolha ✔️
RomanceLIVRO 01 Um casinho em uma noite sórdida com um homem sedutor deveria terminar em ambos seguindo cada um a sua vida. Desde os primórdios da humanidade duas pessoas com desesperança e desejo se encontram e, deste encontro, surge uma história única qu...