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Nós estamos sentados na mesa de jantar enquanto minha mãe fala sem parar sobre si mesma, como ela adora fazer

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Nós estamos sentados na mesa de jantar enquanto minha mãe fala sem parar sobre si mesma, como ela adora fazer.

Eu não consegui engolir mais do que uma ervilha, enjoada pela forma como ela retratava o relacionamento dela e meu pai. O modo como ela conseguia ser cruel a cada palavra era avassalador, eu sentia necessidade de fugir mas simplesmente não conseguia, congelada na cadeira entre o querer e o poder. Michael a observava em silêncio, bebendo vinho e mastigando o seu filé e aspargos de modo que parecia quase raivoso, a sobrancelha esquerda levemente inclinada há minutos em uma expressão de desprezo que ele demonstrava muito raramente.

- Qual vai ser o nome? - pergunta ela, redirecionando sua atenção pra mim novamente. - Eu espero que pense bem, não pode ser qualquer um pra ele não sofrer na escola.

- Não pensamos nisso ainda. - respondo baixinho, tomando um gole demorado d'água.

- Eu e Leonard já sabemos o nome do nosso filho, será Ryan. - continuou, ignorando minha resposta. - Vamos nos mudar da cidade assim que eu engravidar, quero viver o mais longe possível desse passado que me persegue.

"Mas quem é que, em sã consciência, perseguiria uma lunática como você, mamãe?". Penso, tendo um calafrio.

- Mallory!

- Oi. - pisco, voltando minha atenção para a mesa.

- Ela é sempre tão distraída, uma cabeça de vento. - ralhou a mulher, espetando o garfo no aspargo com ignorância. - Não sei o que você viu nela, deve ser muito boa em algo que não descobrimos ainda.

Os meus ombros estão encolhidos e eu tenho certeza que vou vomitar agora, e é pra valer. Sinto aquela bile subindo e descendo, os arrepios conforme as ondas de calor iam me atingindo e a sala parecia estar ficando apertada demais pra todos nós continuarmos dividindo o mesmo espaço juntos. Uma mão gelada tocou a minha por debaixo da toalha de mesa, me puxando para o meu centro de gravidade outra vez. Olho para a mão e vejo o anel do mindinho, sabendo exatamente quem é, e me permito respirar fundo para pegar fôlego outra vez.

- Quer se deitar, querida? Você tem se sentido tão indisposta nesses últimos dias, eu termino de receber sua mãe. - a voz dele é suave e controlada, hipnotizadora.

Eu concordo em silêncio e me despeço deles com falsa ternura, sendo guiada para o quarto enquanto ele desaparece outra vez após fechar a porta.

Não sei por quanto tempo aquilo havia durado ainda mais, porém Michael não voltou pra me ver e aquilo doeu mais do que todas as palavras grosseiras que a minha mãe havia me dirigido durante toda a infância. Quer dizer, dela eu poderia esperar aquilo, ela sempre foi assim, mas dele? Cada vez as brincadeiras diminuíam mais e o espaço entre nós se tornava abissal, era quase como se ele estivesse nos afastando de propósito, e isso parecia doer bem mais do que tudo agora. Eu admito que talvez seja uma grávida bastante necessitada de atenção e carinho, algo que não esperei jamais, e isso parecia querer me destruir aos poucos.

Contrato: mãe por escolha ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora